Da máquina de escrever ao Youtube: Carneiro Neto celebra 60 anos de jornalismo esportivo
A última década foi prolífica para Antonio Carlos Carneiro Neto. Ele foi nomeado para a Academia Paranaense de Letras, para a Academia Brasileira de Letras do futebol, além de manter os comentários diários na Rádio CBN e sua tradicional coluna no UmDois Esportes.
Teve ainda tempo de lançar dois novos livros e, não fosse o bastante, aventurou-se com sucesso no mundo dos podcasts, no Carneiro & Mafuz. Prova do fôlego notável do jornalista esportivo de 75 anos que completa, neste mês de março, 60 anos de carreira — sendo 40 deles na Gazeta do Povo.
“Esse podcast é impressionante. Sou uma pessoa pública, evidente. Mas com o podcast ficou uma coisa meio Bala Zequinha. E isso é muito bom, é reconfortante e incentiva a gente a continuar. É coisa nova, recente, e a gente se atualiza”, explica Carneiro, sobre o conteúdo produzido ao lado do amigo de infância Augusto Mafuz.
Já o ingresso na Academia Paranaense de Letras simbolizou a consagração. “Foi maravilhoso. Eu já havia feito seis livros sobre futebol, mas o fundamental foram as colunas na Gazeta. Eu escrevia todo dia. E aí o pessoal da Academia começou a elogiar. É uma honra, evidentemente”, prossegue.
O futebol foi a paixão primária do menino nascido em Wenceslau Braz e campeão juvenil pelo Grêmio Oeste de Guarapuava. Mas não tardou para o início precoce no jornalismo. “Era uma aventura”, relembra.
Ainda aos 15 anos, em 1964, foi indicado para o teste de plantão esportivo na Rádio Clube Pontagrossense, graças ao jornalista Agostinho Pinheiro, que percebera o gosto do jovem pelo futebol e o talento na máquina de escrever.
Recebeu em mãos uma página do jornal O Globo, com os resultados dos campeonatos internacionais. O desafio era acertar as pronúncias estrangeiras. “Quando entrei no Campeonato Italiano e falei Milan x Cagliari, fui aprovado”, conta, bem-humorado. Pouco depois, emplacou a coluna “Chuteiradas” no Jornal da Manhã, assinando como Juca Neto.
A carreira decolou. Foi repórter, narrador, chefe de equipe, comentarista e diretor de diferentes prefixos. Além da Gazeta, escreveu para o Jornal do Estado, Diário de Notícias, Tribuna do Paraná, Estado do Paraná, entre outros. Atuou em diversas emissoras de televisão.
E nunca perdeu um gol. “Nem na neblina do Pinheirão. Eu narrava em cima da bola”, orgulha-se o criador de diversos bordões, dentre eles, o especialmente marcante ‘É disso que o povo gosta’, criação espontânea do narrador em um gol do Coritiba de Tião Abatiá e Paquito, em 1971.
“Eu fiquei empolgado com aquelas 5 mil pessoas nas cadeiras pulando e gritei o bordão. E ficou”.
Carneiro ainda ajudou a lançar importantes nomes da comunicação, como Lombardi Junior, José Luiz Datena, Ulisses Costa, Luiz Carlos Martins e Reinaldo Bessa. E diz dever importante parte do sucesso como narrador a uma sacada sobre a rivalidade da dupla Atletiba.
Em 1969, uma pesquisa Ibope deu 55% da torcida da cidade ao Coritiba, 28% ao Athletico e 17% ao Ferroviário.
“Era uma pesquisa fajuta, mas o povo acreditou. E coincidiu com uma época vitoriosa do Coxa. Só que eu sabia que o Athletico tinha torcida igual, no mínimo empatava. O que fiz foi apostar no Athletico, enquanto os demais corriam atrás do Coritiba. Eu comecei a nadar de braçada”, relata, contando sempre ter na equipe, no entanto, um comentarista identificado com o Coxa.
Nos últimos anos, no entanto, Carneiro deixou de ir aos estádios. E revela decepção com o futebol brasileiro. Pela TV, além dos jogos dos clubes paranaenses, prefere assistir à Liga dos Campeões e demais certames do Velho Continente.
“Deixou se ser empolgante, emocionante, infelizmente se mercantilizou demais, já não é mais aquela coisa artística”, explica.
“Não é à toa que a seleção nas últimas 5 Copas vai mal. O Brasil está mal de treinadores, dirigentes, árbitros, craques. Eu não vejo luz no fim do túnel”.
Já o estilo enciclopédico, que concilia fatos futebolísticos com eventos históricos, culturais e políticos – inspirado em nomes como Armando Nogueira, Nelson Rodrigues e João Saldanha – é a marca de Carneiro.
“Vai de Júlio César e Napoleão até Pablo e Leandro Damião”, brinca.
Aliás, quem passa pelo Parque Barigui numa manhã qualquer pode encontrar Carneiro Neto batendo perna, cercado pelos amigos do grupo de caminhada. O exercício físico é disputado e assinalado por estimulantes conversas. Carneiro é o mais acionado. Espécie de oráculo. O assunto quase nunca é o futebol.
“Quase tem que comprar ingresso. É tudo gozação. A gente fala mal dos políticos, dos governantes. E tem um, meio intelectualizado, que de repente diz: ‘Mas Carneiro, os templários foram prejudicados nessa?’. E aí vamos para os templários, Idade Média, o início da maçonaria, porque a gente sabe de tudo um pouco. Ele aperta o botão e vem. Eu digo, não provoque”, ri.