Um silêncio e o vazio: a saudade dos torcedores após um ano longe dos estádios
Sem emoção, som e alma. A ausência dos torcedores nos estádios, durante a pandemia provocada pelo coronavírus, mexeu com a rotina dos clubes de futebol pelo mundo. No lugar de arquibancadas cheias, restou o silêncio e uma saudade que só aumenta para os torcedores.
Há pouco mais de um ano, a nova realidade
forçou mudanças que atingiram em cheio o maior patrimônio dos clubes: sua
torcida. O isolamento social, em respeito às medidas preventivas para conter o avanço
da Covid-19, deixou um enorme vazio
em meio a um espetáculo sem plateia.
Ser testemunha, vibrar com gols e títulos, desestabilizar o adversário e viver a atmosfera de uma partida hoje se misturam à falta de perspectiva sobre quando será possível ver o futebol com público. Enquanto o cenário não muda, o que resta é saudade e um clima de nostalgia de ir a campo.
O torcedor do Athletico Murilo Dziecinny, que frequenta o estádio desde os cinco anos, fez da Arena da Baixada a sua segunda casa e hoje lamenta a distância.
“É triste não estar no estádio. Depois
de um tempo acompanhando o Athletico assiduamente, percebi que o futebol passou
a ser não só uma forma de lazer, mas se expandiu de forma intensa para outras
áreas da minha vida e até da minha rotina”, conta o psiquiatra.
Murilo esteve nos dois últimos jogos do Furacão com público, contra o Peñarol, pela Libertadores, e diante do Rio Branco-PR, pelo Campeonato Paranaense, ambos em março do ano passado. A ausência dos momentos de descontração e resenha antes e depois dos jogos fez o atleticano diagnosticar um novo “problema”.
“A falta reside nos pequenos detalhes,
sejam os pré-jogos e a alegria ao lado dos nossos amigos, discutir sobre como o
time se portou em campo ou a comemoração daquela vitória fundamental. De casa, a
gente se protege do vírus e cuida da família. Assisto aos jogos enquanto lido
com um novo problema: a síndrome de abstinência de estádio”, brinca.
Na tentativa de animar os jogos e minimizar a ausência dos torcedores, muitos clubes apelaram para a criatividade. Alguns chegaram a apostar em barulhos artificiais no sistema de áudio dos estádios, reproduzindo os cânticos de torcida. Outros realizaram campanhas com fotos de torcedores nas arquibancadas e telões virtuais. Mas nada que substitua o calor, a pressão e o apoio vindo dos torcedores.
“Jogos sem torcida são muito frios. A gente sabe que a essência se perde com a ausência do torcedor. E nós acreditamos que o time sempre joga melhor quando o torcedor está na arquibancada, incentivando. Os jogadores se dedicam mais, o jogo é mais intenso. A torcida é parte do jogo, faz parte do espetáculo”, opina o atleticano.
Amor à distância
Paola Milacki jamais pensou que ficaria tanto tempo longe do Couto Pereira. Para amenizar a saudade de ir ao estádio, a torcedora do Coritiba tem se apegado a fotos, reprise de jogos e eventuais idas à loja oficial do clube.
“Costumo ir ao Couto para
buscar produtos ou resolver assuntos na central de sócios e sempre me atento
aos detalhes, às coisas que mudaram. Vi que estão pintando praticamente o
estádio inteiro, inclusive, em algumas partes do lado de fora dá para ver como
ficaram as arquibancadas reformadas.
Assim foi o último ano, vendo o interior da
nossa casa por fotografias ou espiando do lado de fora”, disse.
Apegada ao Coritiba desde
criança, quando era levada ao estádio pelos pais, a coxa-branca agora tenta minimizar
a distância com as redes sociais. Ela administra
uma página dedicada ao Coxa no Instagram, onde compartilha imagens e interage
com outros torcedores.
“A saudade é imensa. Eu olho minhas fotos, vídeos e a emoção de ter vivido tudo aquilo me preenche. É difícil algo ocupar esse espaço, mas isso me mantém firme para esperar até que todos voltem ao estádio. Já faz mais de um ano que não posso acompanhar o Coxa de pertinho. A última vez foi contra o Operário-PR, um dos poucos que pude no ano passado. Mas, se eu soubesse o que aconteceria depois, eu teria aproveitado muito mais”, avalia Paola.
Atmosferaque faz falta
Nada tem substituído a falta da atmosfera dos jogos e frequentar o estádio na vida de Carolina Borges. A torcedora do Paraná esteve presente no último jogo com público na Vila Capanema, na primeira semana de março de 2020, quando o Tricolor venceu o União Beltrão por 2 a 0. Três dias depois ela ainda foi ao Rio de Janeiro ver a partida contra o Botafogo, no Engenhão, pela terceira rodada da Copa do Brasil
“Foi a última vez que vi o Paraná em campo
presencialmente. Que saudades! Hoje, lidar com a saudades é bem difícil. Além
de ir ao estádio ver um grande amor jogar, também era um momento de encontrar
amigos, abraçar desconhecidos e dividir as alegrias e angústias. Ir ao estádio
é um prazer e, quando estive em tratamento para um transtorno de humor, era o
meu melhor remédio e o melhor combustível. Então é uma sensação insubstituível
para mim”, diz.
A paranista também tem tentado amenizar a saudade virtualmente como, por exemplo, participando de podcasts ao lado de outros torcedores.
“É uma ação que, mesmo nos momentos delicados que o Paraná passou recentemente, faz bem - por mais difícil que tenham sido alguns episódios. Afinal, mesmo online, é um tempo que uso para falar com outros loucos pelo time sobre as nossas incertezas, medos e expectativas. Além de debatermos sobre contratações, política do clube, entre outros assuntos que estejam em pauta na semana. É, literalmente, uma forma de vivenciar o Paraná Clube de outra forma”, diz Carolina.
Vizinhosda Arena
A nova rotina sem poder frequentar
os estádios atingiu até mesmo àqueles que são vizinhos aos estádios. É o caso da
médica Fabíola
Tigrinho, que mora a 200 metros da Arena
da Baixada. Ao lado do marido Renato e da filha Maria Clara, ela tem até sonhado
com os jogos do Furacão.
“Fomos contra o Rio Branco-PR e jamais
poderíamos imaginar que seria o último jogo antes dessa pandemia. Não tem como
não sofrer com a saudade de ir aos jogos, de escutar o barulho que vem do
estádio, do movimento na nossa rua, do agito pré-jogo e de estar lá torcendo
pelo nosso Furacão”, diz a sócia há quase 15 anos.
Para amenizar um pouco a saudade, a
rubro-negra costuma passear pelos arredores do estádio, como na praça localizada
em frente à Arena, o café ou visitas à loja do clube. Mas o coração aperta mesmo
é quando Fabiola está em casa.
“Durante os jogos, ficamos na sacada escutando os barulhos, os gritos dos jogadores, os apitos do juiz, a vibração dos gols. Aliás, conseguimos comemorar sempre antes, já que escutamos ao vivo. A saudade é diária e dói muito estar tão perto e ao mesmo tempo tão longe da Arena”, lamenta.
Saudadesaté da corneta
O redator Douglas Ciriaco adota o bom humor
quando o assunto é estar longe fisicamente do clube do coração, o Coritiba. Ele sente saudade até da
cornetagem típica dos estádios.
“Eu estou com saudades de
encontrar o pessoal na frente do Couto, tomar um refresco antes de entrar, de
passar raiva, xingar o presidente, reclamar de quem vaia jogador durante os
jogos”, brinca.
O coxa-branca também se
mistura ao sentimento de nostalgia em um ano sem poder ir ao Couto.
“A minha paixão por futebol está muito ligada a frequentar o Couto, algo que faço desde que me conheço por gente. Faz muita falta ir ao estádio, a sensação do dia do jogo, aquela emoção que a gente só sente quando está lá, ombro a ombro com amigos e desconhecidos cantando, cornetando, se emocionando”.