“Temos de ser fortes e ter orgulho da nossa raça”, diz Celsinho após caso racista
Na derrota do Londrina para o Coritiba por 3 a 2, pela última rodada do Campeonato Brasileiro da Série B, uma comemoração de gol chamou a atenção.
Ao completar de cabeça um cruzamento na área, o camisa 10 da equipe do interior paranaense dobrou a perna esquerda, esticou o braço direito e deu o seu recado. O gestual foi uma forma de protesto ao recente ataque racista de que foi alvo por usar cabelo black power no jogo contra o Brusque, dia 28 de agosto.
Essa foi a forma que Celso Luís Honorato Júnior encontrou para manifestar o orgulho pela sua raça e também o repúdio ao racismo.
Em entrevista ao Estadão, Celsinho, como é conhecido, está mais tranquilo. Mas se engana quem pensa que essa calmaria tenha o significado de resignação. Desde o episódio ocorrido em Santa Catarina, a vida dele mudou. Abraçado pela cidade, destacou ainda o apoio que recebeu das redes sociais, onde, segundo ele, o número de mensagens foi muito grande.
Aos 33 anos, Celsinho planeja ainda uns bons anos correndo atrás da bola. No entanto, deixou em aberto a possibilidade de uma atividade ligada à luta contra o preconceito quando pendurar as chuteiras.
Como tem sido a sua rotina após o ataque racista que você sofreu durante o jogo contra o Brusque?
Foi uma comoção na cidade (de Londrina). Os meios de comunicação, os programas de rádio, todos foram solidários. A população daqui realmente se doeu. Quando encontro as pessoas no mercado, por exemplo, ou pego meu filho no colégio ou vou a um restaurante, sempre vem alguém falar comigo. Essa solidariedade seria ainda maior se não houvesse o problema da pandemia. Pelas redes sociais o apoio é grande. São muitas mensagens.
Qual é a maior lição que você tira de tudo isso?
Ser forte, não demonstrar fraqueza e ter orgulho da sua raça. Isso é o que eu penso. Existem muitas pessoas do bem, que se importaram e ficaram indignadas. Isso conforta a gente.
E a sua família? Como seus pais reagiram a tudo isso?
Eu já perdi meus pais. Mas com certeza, eles receberiam com o maior desprezo. Meu pai era um militar negro. Minha mãe era do lar e tinha o cabelo black power. Com certeza ficariam muito tristes. Tenho um irmão mais novo que mora em Americana (interior de São Paulo). Quando aconteceu isso, logo tratei de expor o problema a ele para que não fosse pego de surpresa. Quanto aos meus filhos, eu os deixo longe disso. Mas o mais velho, o Felipe Gabriel, de 13 anos, já entende.
Você fez um gol contra o Coritiba na última rodada e a sua comemoração veio em forma de protesto. Pretende tornar o gesto como uma marca quando voltar a marcar?
Não, aquilo foi de momento. Pelo que aconteceu mesmo. Não quero que seja uma marca. Representatividade para mim é atitude, vai além do gesto. De nada adianta vestir camisa ou abrir faixa se não houver posicionamento. Tem de agir na causa, punir, porque isso é crime. Tem de fazer cumprir a lei. Nada disso vai mudar se não houver luta. Temos de saber os nossos direitos e eles precisam ser respeitados.
O seu cabelo black power tem algum significado especial?
É o símbolo da resistência. O meu estilo. Tenho muito orgulho da minha raça.
Você jogou com o Marcelo (lateral-esquerdo do Real Madrid) nas seleções de base. Ele tem um cabelo parecido com o seu e já foi alvo de racismo na Europa. Já conversaram sobre isso?
Infelizmente perdi o contato. Mas o Marcelo é uma excelente pessoa e tem a cabeça muito boa. Minha solidariedade ao que ele já passou. Acho muito importante as pessoas se posicionarem quando são vítimas de qualquer tipo de preconceito.
Por tudo que você passou em relação ao racismo, você pensa em fazer algo a respeito?
Isso mexe com a gente. O fato de ser jogador de futebol e atuar em alto rendimento consome todo o meu tempo, mas apoio tudo que venha a ser combate ao racismo. Quando encerrar a carreira, vou rever isso. Não sei se como ativista ou apoiador de uma causa ou ainda uma outra atividade.
No que você se apegou para superar esse momento difícil após o episódio de Brusque ganhar as manchetes da mídia?
Sou cristão. Acredito em Deus. Eu oro, agradeço pela saúde e peço sempre sabedoria para os momentos difíceis. Costumo rezar antes dos jogos e pedir proteção. Com tudo isso que aconteceu, percebi que temos força, temos voz. Se tivermos coragem para lutar, vão aparecer outras pessoas para nos apoiar.
E a reação de seus adversários após esse episódio?
Antes de o jogo começar eles sempre comentam e demonstram solidariedade. Dão força. Mas quando a bola começa a correr, zera tudo e cada um defende o seu lado. Após as partidas também surge alguma conversa de apoio. Acho importante esse apoio vindo da nossa classe.
Qual é a sua prioridade agora?
Ajudar o Londrina a sair dessa posição na tabela do campeonato (o time está na zona de rebaixamento). Infelizmente, no último jogo (contra o Coritiba), acabamos perdendo dentro de casa. Mas temos de continuar lutando para sairmos dessa situação. O próximo jogo é contra o Botafogo. Vamos tocar a vida.
E você pretende continuar no Londrina. Qual é a sua situação?
Tenho uma identificação grande com a cidade. Devo ter uns 140 jogos e uns 30 gols pelo clube. Desde 2012 eu tenho passagens por aqui. Sempre disputo um Campeonato Estadual ou o Brasileiro. Nos anos de 2014 e 2017, fiz a temporada completa. O meu contrato vai até o fim da Série B. Termina no fim de novembro. Daí, a sequência no clube, vou saber só mais para frente.