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Rebaixamento é com ele: quem é o matemático “rei das probabilidades” do futebol

Rebaixamento é com ele: quem é o matemático “rei das probabilidades” do futebol

Tristão Garcia, o cara das probabilidades do futebol brasileiro

Neymar foi o jogador que mais desequilibrou individualmente o futebol brasileiro nas duas últimas décadas. Os impactos do lépido craque nos resultados do Santos, entre 2009 e 2013, romperam padrões matemáticos.

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“O time com ele e sem ele mudava totalmente. Quando Neymar jogava, ganhava. E quando não jogava… É algo que não aconteceu mais no país desde então”.

A observação futebolística embasada em números compõe o vasto repertório particular do estatístico gaúcho Tristão Garcia. Se o seu time já lutou por títulos e classificações ou para não ser rebaixado, você certamente já ouviu falar nele.

Garcia criou o pioneiro site Infobola, que calcula as probabilidades dos principais campeonatos brasileiros e mundiais, com base em meticulosos padrões de apuração, garantidos pessoalmente pelo exigente idealizador.

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“Eu entro com os resultados manuais de cada um dos jogos do dia. É o ponto nevrálgico. O restante é gerado automaticamente pelo programa”, explica o matemático de 65 anos. “Mas sem fanatismos. Raramente faço os resultados ao vivo”, ressalva.

Neymar à parte, após mais de duas décadas de análises, Garcia sentencia: os números provam que o futebol, acima de tudo, é resultado do trabalho coletivo.

“Eu falo para o pessoal, o futebol não é um esporte, como outros. É um jogo sensacional. Porque você faz de tudo para ganhar, sem medir consequências. Lembra a guerra. Você pode enrolar o juiz e o rival. Você engana todo mundo se isso te fizer vencer”, completa.

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Nascido em Porto Alegre, mas criado em Santana do Livramento, na fronteira com o Uruguai, ele é filho de mãe gremista e neto de avô colorado. “Por isso desde o início eu aprendi a respeitar as tristezas dos outros”, pondera, sem revelar, no entanto, o clube do coração.

Matemático pôs ordem em baderna do Brasileirão e ganhou fama nacional

Carreira de Tristão começou de forma anônima.

A carreira de estatístico do futebol, a propósito, começou na cidade natal. E de forma anônima. Na virada do século, o Campeonato Brasileiro passava por um processo de modernização e redução de 24 para 20 equipes por divisão.

Em 1999, os rebaixamentos seriam feitos pela média de cada clube nos últimos três anos. Em disputa para não cair, dois times do estado: Internacional e Juventude. A edição seria marcada ainda pela perda de três pontos do São Paulo por causa do atacante Sandro Hiroshi, suspenso por adulterar seu registro de nascimento.

Foi o estopim de uma confusão matemática instalada no coração da sonora imprensa gaúcha.

“Havia uma distorção tremenda. Camaradas professores universitários falavam bobagens. Eu fiquei meio escandalizado. E aqui eu ouvia as rádios. Não aguentei, peguei o telefone e liguei anonimamente. Mas não me identifiquei como torcedor”, conta.

Repercussão inicial

As palavras de Tristão ganhavam repercussão nos demais veículos locais, quando foi convidado pela Rádio Gaúcha para explicar a aplicação correta da média aos rebaixamentos.

“O diretor da rádio tinha me perguntado qual delas estava mais errada e eu falei que todo mundo estava errado. A Guaíba está errada e vocês mais errados ainda. Aí fiquei trabalhando na Gaúcha”, brinca. Cairiam Juventude, Gama, Paraná Clube e Botafogo-SP.

Seguiram-se convites da Placar, O Globo, Estadão e Jornal do Brasil. E aí teve início o trabalho, rodada a rodada, quando Tristão começou a montar os primeiros modelos matemáticos de cálculos de chances e riscos na tabela de classificação.

O expediente culminaria na criação do portal Infobola, utilizado até hoje por torcedores, interessados e jornalistas país afora.

“A maior clientela que tenho são jornalistas. Lucro? Não. Não ganhei absolutamente nada”, garante Garcia, que já foi chamado por consultorias em clubes brasileiros e guarda amizade com técnicos como Cuca e Adilson Batista.

“Uma vez cheguei a anunciar, mas não me agradou. Era relacionado a apostas. Sou muito procurado. Mas hoje não sei se aceitaria. É melhor fazer uma coisa pura”, filosofa.

Tristão García tem um desafio: dormir oito horas por dia

Tristão se prepara para o saque.

A conversa com o rigoroso professor de Circuitos Elétricos na Escola de Engenharia da Universidade Federal do Rio Grande do Sul (UFRGS) dura horas. “Como sou um cara exigente, eu parei de falar sobre futebol nas aulas. No máximo um minuto, rapidamente”, conta.

Graduado em Engenharia Eletrônica, Engenharia Civil e Direito, ele acumula duas pós-graduações e atualmente finaliza o doutorado em Engenharia Elétrica. “Sobre controle de automação”, elucida.

Atividade total

Entre os trabalhos acadêmicos e o Infobola, Tristão chega a passar 16 horas por dia em frente ao computador. Em períodos mais intensos, chega a atravessar noites sem dormir.

“Fico mais ativo dormindo menos. Cinco, seis horas, é o ideal. Ontem andei de bicicleta de madrugada. Fiz 43 quilômetros, em duas horas. Fui jantar às 3h da manhã, dormir às 4h e acordei às 10h”, relata. “Me faz descansar. Pego a bicicleta, levanto a adrenalina e trabalho mais um dia assim. Não recomendo para ninguém, mas para mim funciona maravilhosamente bem”, completa.

É ainda tenista amador destacado, da primeira classe da Federação Gaúcha. Paixão que teve início aos 16 anos, quando retornou a Porto Alegre.

“Apesar de eu ter começado tarde para os padrões do tênis, eu consegui galgar todas as classes. Para mim é uma vitória. É muito difícil. Jogando com a gurizada promissora na época, e eu já com quase 30 anos. E cheguei à primeira classe ganhando torneios”, orgulha-se.

*Este perfil de Tristão Garcia foi publicado inicialmente no dia 18 de fevereiro de 2023.

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