Cada um à sua maneira e por vias indiretas, dois dos três clubes da capital podem fechar 2020 com presidentes remunerados. Situação inédita no futebol local e que faz parte de um debate nacional mais amplo que abrange a modernização da gestão dos times brasileiros.
No Paraná, Leonardo Oliveira recebe salários do clube desde 2018, após assumir o posto de administrador em acordo entre o Tricolor e a Justiça do Trabalho, para quitação do passivo trabalhista.
No Athletico, Mario Celso Petraglia anunciou, em outubro deste ano, que trocaria a presidência rubro-negra pelo cargo remunerado de CEO. O Furacão ainda não oficializou a mudança, que depende do aval dos conselheiros.
A remuneração de ambos não está ligada à atividade específica de presidente para a qual foram eleitos – Oliveira recebe através de um acordo judicial e Petraglia ganhará para ocupar um cargo executivo que ele próprio criou. Na prática, no entanto, ambos se tornam mandatários assalariados.
Com isso, apenas o Coritiba, que terá eleição para a presidência em dezembro, seguiria neste momento com o posto máximo do clube sem uma contrapartida financeira.
Um exemplo que vem do Nordeste
No final de 2018, o Conselho Deliberativo do Fortaleza aprovou por unanimidade a remuneração do presidente, Marcelo Paz, e de outros 15 dirigentes. A medida entrou em vigor em janeiro do ano seguinte, dividindo um total de R$ 98 mil mensais para os gestores, totalizando R$ 1,2 milhão por ano.
“O estatuto do Fortaleza já permitia essa remuneração. Só que, em 100 anos de clube, isso nunca havia sido feito”, conta Paz.
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Encorajada pelo título da Série B em 2018 e pela ascensão nacional do Leão do Pici, a própria diretoria resolveu colocar a inclusão dos salários no orçamento. A proposta foi aprovada por unanimidade pelos conselheiros.
“A gente fez entender que o Fortaleza precisava de uma gestão profissional. Eu tinha saído da minha empresa para cuidar do clube. As pessoas entenderam. Já são dois anos de remuneração para o presidente, dois vices e treze diretores”, explica Paz, dono de um colégio na capital cearense, agora sob os cuidados de seu sócio e irmão.
Paz admite, no entanto, que o bom momento vivido pelo Fortaleza facilitou a aceitação da ideia, até mesmo por parte da torcida. “De vez em quando, num momento mais difícil, o torcedor lembra que somos remunerados, mas a cobrança é a mesma”, pontua.
Profissionalização da gestão x sistema político
Pelo menos outros três clubes brasileiros também pagam seus mandatários: Bahia e São Paulo, na primeira divisão, e o Vitória, da Série B.
“Pagar salários a esses gestores não é ruim na essência, mas depende de muito autocontrole, fiscalização e entendimento da função para que isso seja eficiente”, analisa o jornalista e especialista em marketing esportivo, Erich Betting.
“O grande
problema é o sistema político dos clubes. A cada nova eleição, quando muda o
presidente, muda tudo. Não há continuidade de processos. Você pode remunerar
seu presidente, mas se a cada troca de gestão houver uma mudança radical, isso
acaba sendo ruim em qualquer empresa”, prossegue.
O próprio presidente do Fortaleza reforça a ideia de que a transformação de clubes em empresas e a remuneração de dirigentes não podem por si só serem tidas como a panaceia do futebol nacional.
“Vejo a transformação dos clubes em empresas com bons olhos, mas não é necessariamente a solução”, analisa Paz.
“A empresa
também pode ser mal administrada e quebrar. Não é só porque virou empresa que a
gestão melhora. Não é uma nova lei que resolverá o problema. Até porque existem
clubes brasileiros bem administrados no modelo associativo”, continua, citando
Grêmio e Flamengo como exemplos.
Betting, por sua vez, cita o São Paulo como clube que remunera o presidente, mas que ainda tem uma gestão problemática.
“E daí que o São Paulo remunera o presidente? O clube continua no caos, tendo que vender jogadores para pagar as contas no fim de ano”, pondera.
Projetos de lei para
clubes-empresa avançam no Brasil
Avançam no
Brasil dois projetos de lei que estimulam a transformação dos clubes de futebol
em empresas. O próprio Petraglia trata a transformação do Athletico em
clube-empresa como o salto definitivo do Furacão rumo a um novo patamar.
Um dos projetos chegou
a ser aprovado na Câmara dos Deputados, mas ainda não foi votado no Senado. Já
o segundo está no Senado e prevê a criação das Sociedades Anônimas do Futebol
(SAF), espécie de estrutura societária específica para o mercado de futebol.
Ambos incentivam a mudança da estrutura administrativa e do regime tributário dos clubes brasileiros que, em sua maioria, hoje são entidades sem fins lucrativos.
Por mais que essas mudanças ocorram, Betting reforça a necessidade de uma mudança de mentalidade na política dos clubes.
“O grande segredo seria conseguir no Brasil um modelo similar ao de alguns clubes da Europa, onde o presidente é uma figura representativa e não executiva”, explica.
“Ele vai na reunião da Uefa, num sorteio de campeonato. Aqui, iria na reunião da CBF, da Conmebol e teria todo um corpo gestor que o ajudaria a se preparar”, arremata .