Entrevista

Aal diz ainda não entender demissão no Paraná e comenta justificativa do clube

Por
Fernando Rudnick
03/02/2021 13:18 - Atualizado: 29/09/2023 20:10
Allan Aal não renovou com o Cuiabá para 2021.
Allan Aal não renovou com o Cuiabá para 2021.

Do céu ao inferno – e depois do inferno ao céu –, o técnico Allan Aal não reclama dos altos e baixos de sua temporada de consolidação na profissão à beira do gramado.

O paranaense, que completa 42 anos em março, levou o Cuiabá ao inédito acesso à elite do futebol nacional. Antes, começou uma surpreendente campanha com o Paraná, que chegou a liderar a Série B. Mas foi demitido na metade da disputa, com o Tricolor na sexta posição, com 28 pontos.

De longe, enquanto conduzia o Dourado para a vaga no Brasileirão, Aal sentiu pela queda e ainda não compreendeu por que teve o ciclo interrompido na Vila Capanema. E se tivesse permanecido?

"Eu tinha convicção de que o que estava fazendo no Paraná era o melhor, o máximo que podia fazer. E que as coisas, se continuassem, dificilmente chegariam em um nível de risco de rebaixamento", diz o técnico, que deixou o Cuiabá nessa semana por um motivo no mínimo curioso.

Ele quer construir sua carreira de maneira sólida e acredita que, no momento, é melhor dirigir um time da Segundona novamente do que dar um passo em falso no Brasileirão.

Leia a entrevista completa:

Sua saída do Cuiabá foi anunciada na última segunda-feira. Como aconteceu?

Tenho em mente algumas situações de plano de carreira e quando o contrato estava acabando tivemos algumas conversas. O clube tem alguns objetivos para a Série A, entendi algumas colocações, fiz as minhas. Foi um processo tranquilo, sabe? Não teve desgaste, nada de anormal. Tanto eles como eu tínhamos vontade de continuar, mas no momento a melhor tomada de decisão foi essa mesmo, para eu também ter um plano de carreira bem definido e não precipitar nada.

Você tem 41 anos de idade, mas trabalha há dez anos como treinador. O acesso te levou para uma outra prateleira na profissão?

Acho que esse tempo que passei em clubes do Interior foram experiências difíceis e muito importantes para tirar aquele lastro de ex-atleta. Me fez ver coisas por um outro ângulo. Pude colocar em prática ideias que tinha na cabeça, mas que na prática são difíceis de ser fazer. Esses dez anos foram fundamentais, incluindo o tempo nas categorias de base no Coritiba. Foi um processo muito completo. Pelo acesso à Série A, me sinto, além de privilegiado, um caro abençoado porque a oportunidade apareceu, me deram um voto de confiança. Mas ao mesmo tempo tenho a precaução de dar um passo de cada vez para que as coisas não se atropelem, para que me sinta cada vez mais confiante.

Você assumiu o Cuiabá em novembro e teve quatro derrotas nos cinco primeiros jogos. Qual foi a maior dificuldade?

Foi difícil e ao mesmo tempo muito seguro pelo respaldo pela diretoria. Quando cheguei, a primeira coisa que falaram foi que a escolha foi deles, não foi o acaso, não foi influencia de ninguém. Foi uma escolha de perfil. Tentaram o Felipe Conceição e foi buscado alguém no mesmo perfil. Então isso te dá uma confiança para trabalhar. O início foi difícil justamente pela falta de tempo. Eu falava brincando para os jogadores que iríamos treinar no aeroporto. Também tivemos outros fatores, inclusive um surto de Covid-19 no qual eu me infectei. Ficamos sem 12 jogadores, eu e mais dois membros da comissão. Mas a partir do momento que as coisas clarearam fora de campo, a partir do momento que tivemos dias de trabalho, os atletas foram assimilando muito rápido algumas ideias. O time voltou a ser intenso a ter organização, confiança. E a qualidade do grupo era muito boa.

O Cuiabá está estruturado para jogar a elite?

Financeiramente, é um clube muito estruturado, um clube-empresa. Cumpre religiosamente com seus compromissos em todos os sentidos, salários, impostos. É um diferencial muito forte, isso comparando até com times da Série A que conhecemos. Estruturalmente, tem um centro de treinamento, um campo bom de trabalho, tem aquilo que basicamente se precisa. Mas sempre falamos com a diretoria que seria preciso dar uma melhorada, fazer um investimento – e eles estão fazendo isso. E uma das conversas que tivemos foi em cima disso, o objetivo do clube na Série A. É algo muito interno. Eles estão pensando em algo maior, eu vejo que o mais importante seria se manter, mas talvez, pelo poder de investimento podem surpreender. Mas a ideia da diretoria é de brigar por algo a mais já no primeiro ano e isso foi algo que divergimos um pouco. Respeito, entendo que tem a capacidade pelo aporte que tem, um clube que é tocado por uma família. Mas ao mesmo tempo na Série A tem outros fatores que podem pesar a favor ou contra.

Como você lidou com a demissão do Paraná?

Em duas etapas. Primeiro, eu tinha convicção de que o que estava fazendo no Paraná era o melhor, o máximo que podia fazer. E que as coisas, se continuassem, dificilmente chegariam em um nível de risco de rebaixamento.

Você crava que o Paraná não cairia se você tivesse permanecido? Foram apenas nove pontos desde a sua saída...

Nosso aproveitamento do primeiro turno foi muito parecido com o do Cuiabá, time que subiu. Seria leviano da minha parte afirmar isso. Mas eu tinha a convicção que o trabalho era muito bom, dentro da nossa realidade, das nossas possibilidades. O ambiente de trabalho era melhor ainda entre comissão, jogadores, funcionários. A oscilação é natural, não foi coisa exclusiva do Paraná. E o segundo ponto que procurei focar era valorizar o que tínhamos feito e as oportunidades iriam aparecer, como apareceram. Sinal de que o trabalho estava sendo bem feito. Fiquei uma semana em casa. Você fica chateado porque sabia que o trabalho estava sendo bem feito, mas ao mesmo tempo confiante que o trabalho seria valorizado de uma maneira ou de outra.

Acho que ficou evidente que o Paraná excedeu as expectativas no primeiro turno...

Analisando o cenário do começo do ano, quando nos apresentamos para o Paranaense com oito atletas, dizer que o Paraná terminaria o primeiro turno da Série B na sexta colocação, você seria chamado de louco. Era uma realidade totalmente fora do que imaginávamos. Confiávamos no trabalho, mas sabia que a dificuldade seria muito grande. Tanto é que Estadual foi difícil. Começamos a evoluir a partir do momento que fizemos bons jogos contra Botafogo, Bahia de Feira. Mas se você me perguntar se foi surpresa o reinício depois a parada da pandemia, de nova pré-temporada, para mim não foi. Os atletas compraram a ideia do clube, se entregaram. Só que chega um momento em que a qualidade prevalece. E em muito jogos acabamos deixando de ganhar, como contra a Chapecoense e Brasil-RS, porque a qualidade do adversário acabou prevalecendo.

Qual foi a justificativa dada para sua demissão? Você entendeu o motivo?

Difícil falar em compreensão de uma tomada de decisão quando não vai de encontro com o que você pensa. Mas talvez o nosso início tenha criado uma expectativa de que um novo treinador pudesse recuperar o desempenho. Mas o que foi conversado com o Léo [Leonardo Oliveira], que é um cara que tenho profundo respeito e admiração e que até me mandou mensagem parabenizando pelo acesso, é que seria difícil contornar algumas situações, que o momento era de muita pressão. Enfim, coisas que fogem do meu controle ou do meu conhecimento. Mas jamais critiquei ou questionei. Jamais falaria mal de alguém que trabalhou comigo. Não é o meu perfil, mas não tem como entender [a demissão]. A pergunta teria de ser feita para o ex-presidente.

Como foi encarar o Paraná na Vila Capanema e depois ver o rebaixamento de longe?

Eu fiquei muito triste. O clube não merecia, os atletas, a torcida. A gente sente porque deixou muitos amigos, profissionais capacitados. Quando viemos jogar aqui, todos os atletas vieram me abraçar, me parabenizar pelo momento do Cuiabá. Então, lamento muito porque tenho um carinho muito grande. Foram quase dois anos como auxiliar e treinador principal. Independentemente de críticas da torcida ou de seja lá quem fosse dentro do clube, meu carinho não muda, meu respeito não muda.

E o que você pensa para o futuro? Quer comandar mais uma vez na Série B?

Estou em casa, quero aproveitar esses dias para descansar um pouco. Foi mais de um ano de trabalho, de muita pressão, muita responsabilidade e, graças a Deus, terminamos com o acesso. A gente acompanha as movimentações do mercado envolvendo meu nome. E vamos tomar a melhor decisão possível. Para mim, seria muito válido trabalhar mais um ano na Série B. Claro, se algum time da Série A fizer um convite, vamos analisar. Mas o fundamental agora é brigar por mais um acesso, brigar por mais um trabalho bom, e evoluir gradativamente.

Você jogou e treinou na base do Coritiba. Comandou o Paraná. Só falta o Athletico?

(Risos). É, quem sabe? Sou profissional, admiro o que é feito no Athletico há muito tempo, um clube que vem conquistando espaço, títulos, não por acaso. Mas tudo no seu devido tempo. Admiro o Paulo Autuori. Quando jogamos contra o Botafogo, foi um cara que elogiou muito o nosso trabalho quando estava no Paraná. É um exemplo que procuro seguir, não só dentro de campo, mas fora também, pela pessoa que é.

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Fernando Rudnick é formado em jornalismo e pós-graduado em comunicação esportiva. Sempre repórter, começou a cobrir o dia a dia dos times paranaenses em 2009, quando entrou na Gazeta do Povo. Atualmente, é coordenador do UmDois Es...

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