Brasileirão

Palmeiras é hendecacampeão com campanha irretocável, recordes e série invicta

Depois de ter sua festa adiada, o Palmeiras se tornou hendecampeão nacional nesta quarta-feira horas antes de entrar em campo, pela 35ª rodada do Brasileirão. A conquista era questão de tempo pra um time que construiu uma campanha irretocável. Depois de empilhar taças nas Copas, a equipe de Abel Ferreira alcançou a consistência que exige o Brasileirão, “um dos campeonatos mais difíceis do mundo”, nas palavras do técnico português, e coroa uma campanha que dispensa retoques.

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O título veio sem precisar entrar em campo. Nesta tarde, o Internacional ajudou o time paulista a antecipar a festa ao perder para o América-MG por 1 a 0, em Belo Horizonte. Somente o time gaúcho, vice-líder da tabela, poderia atrapalhar a conquista do Palmeiras neste Brasileirão.

Com o revés, o Inter estacionou nos 64 pontos e não pode mais alcançar o líder, dono de 74 pontos. O time paulista ainda entrará em campo nesta noite para enfrentar o Fortaleza, em casa, quando a festa deve tomar conta das arquibancadas mesmo antes do apito inicial da partida.

Campanha do Palmeiras

Foto: Cesar Greco/Palmeiras.

Embora o Palmeiras tenha mostrado repertório ofensivo variado na temporada, há quem critique o desempenho no time. No entanto, os números provam que o maior campeão do País sobrou em sua trajetória vitoriosa, com defesa sólida e artilheira – Gómez e Murilo, juntos, fizeram 13 gols -, meio-campo equilibrado e ataque eficiente.

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O 11º título nacional do Palmeiras, considerando também as vitórias na Taça Brasil (1967) e no Torneio Roberto Gomes Pedrosa (1960, 1967 e 1969), campeonatos que são tratados pela CBF como precursores do atual Campeonato Brasileiro, que o time alviverde conquistou em 1972, 1973, 1993, 1994, 2016, 2018 e agora, em 2022, foi conquistado com façanhas notáveis.

Dono do melhor ataque (59 gols) e da defesa menos vazada (22), o Palmeiras é o primeiro na história do Brasileirão de pontos corridos a levantar o troféu com o menor números de derrotas na conta. Foram somente duas, ambas no Allianz Parque, para Ceará e Athletico-PR. A marca pertencia ao São Paulo de 2006, Palmeiras de 2018 e Flamengo de 2019, derrotados quatro vezes.

Também é inédita a série invicta como visitante, de modo que o Palmeiras festeja a taça como o único sem perder fora de casa na história. A campanha longe do Allianz Parque, até o momento, abarca 10 vitórias e sete empates em 17 jogos. Contando também os duelos em casa, são 19 partidas de invencibilidade no torneio que lidera desde a décima rodada, superando o seu antigo recorde na competição, atingido em 2016, de 20 rodadas seguidas na dianteira.

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Em aproveitamento, o Palmeiras de 2022 registra o melhor desempenho como visitante da história do Brasileirão com o atual formato: 70,8%. O título foi confirmado com 74 pontos, fruto de 21 vitórias e 11 empates. É o time que mais venceu e menos perdeu e, notavelmente, o mais eficiente.

No campeonato, atingiu 72% de aproveitamento. Desde 2006, quando o torneio passou a contar com 20 times, somente o Flamengo de 2019, que alcançou 78,9%, registrou desempenho superior. Naquele ano, o time de Jorge Jesus somou 90 pontos, pontuação que o time paulista não pode mais alcançar.

“Felizmente tenho um clube que sabe muito bem o que quer, os riscos que vai correr, como se ganha, como se perde”, dissera Abel Ferreira, dono agora de seis taças em dois anos de Palmeiras. Ou seja, ele ganhou, com exceção do Mundial, todos os principais títulos que disputou.

A receita para que os próximos anos sejam tão vitoriosos como 2022 e todos os últimos (desde 2015) já está clara na cabeça do treinador português e não envolve muitas nem impactantes contratações.

“Vamos valorizar o que está sendo feito, vamos valorizar a base. Vamos fazer poucas mexidas, para não dizer nenhuma, porque valorizamos o trabalho que é feito no clube, não só pelo treinador, mas por todos. Esse é o futuro do clube”.

16 anos e muitas taças

A reta final da trajetória teve a marca talentosa de um jovem fenômeno, preparado para ser em breve o melhor jogador do País. Endrick, 16 anos, tem pouca idade, mas muita personalidade e provou que é um atleta precoce e especial. Precisou de poucas chances desde que foi promovido ao time principal para ser decisivo com dois gols na vitória por 3 a 1 sobre o Athletico-PR e reforçar o sentimento de que seu futuro será brilhante. Além dos dois gols, o garoto deu uma assistência na sua breve carreira profissional.

Habituado a atingir recordes, ele se tornou o primeiro atleta da história a conquistar títulos pelo clube em todas as categorias, uma vez que já foi campeão sub-11, sub-13, sub-15, sub-17 e sub-20, todas elas atuando com protagonismo, e agora ergue o primeiro troféu entre os profissionais na equipe que lhe deu a chance de mostrar seu talento e que garantiu à família a ajuda que o São Paulo ainda quando criança.

Após ‘montanha’, Abel prova ser bem-sucedido na ‘liga mais difícil do mundo’

No começo de 2021, Abel Ferreira criou a metáfora da montanha, comparando cada um dos 13 jogos da edição passada da Copa Libertadores com uma espécie de cordilheira para que os jogadores entendessem a importância daquela conquista. A estratégia se mostrou bem-sucedida, já que o Palmeiras chegou ao cume, ou melhor, à glória eterna, com o terceiro título continental.

Em 2022, o plano passou a ser outro. A Libertadores continuou a ser obsessão, mas depois de dois títulos consecutivos, a prioridade era conquistar o Brasileirão, título que o jovem técnico de 43 anos e sua comissão ainda não tinham.

O método para deixar os atletas concentrados mudou, uma vez que o Brasileirão, disputado em pontos corridos, não em fases, sem mata-mata, exige regularidade e consistência nas 38 rodadas. Em vez da metáfora da montanha, o português e seus auxiliares tiveram um papo franco com o elenco que funcionou como um ponto de inflexão na trajetória do Palmeiras em 2022.

Eles mencionaram a campanha do Atlético-MG, vencedor da edição de 2021, e ouviram o que tinham a dizer atletas do grupo que já haviam ganhado o título nacional, principalmente Dudu, campeão em 2016 e 2018, além de outros jogadores experientes, casos de Weverton e Marcos Rocha.

“O Abel teve uma conversa com eles no começo da temporada, olhamos para os mais experientes e perguntamos o que era preciso para melhorarmos”, revelou o auxiliar João Martins. Eles também abordaram o nível de dificuldade e a imprevisibilidade de ‘um dos campeonatos mais difíceis do mundo'”, nas palavras do treinador português.

“Nessa reunião tiramos coisas positivas e focamos muito nisso, não só nisso porque muitas vezes esse campeonato é exigente e imprevisível.”

Depois de ganhar duas Libertadores, Copa do Brasil, Paulistão e a Recopa Sul-Americana, Abel entendeu o que precisava para levantar o troféu do Brasileirão e passou a fórmula ao elenco: concentração máxima, constância, solidez e regularidade. O time correspondeu e provou ser eficiente também no torneio de pontos corridos.

Depois da eliminação na semifinal da Libertadores, Abel e o elenco passaram a chamar de 13 finais os jogos que restavam. Ele pediu aos atletas para “fazer igual, mas melhor” a cada rodada e eles entenderam, tanto que foram protagonistas de uma campanha irretocável, que inclui melhor ataque, defesa menos vazada, invencibilidade como visitante, liderança desde a décima rodada, série invicta de 19 jogos – que ainda pode aumentar – e apenas duas derrotas.

“O que fizemos aqui, muito honestamente e direto, foi plantar muito trabalho, amor e carinho. Acredito que com isso tudo é possível na vida, seja em que profissão for. Acho que nada na vida derrota isso”, filosofou o português, dono de seis taças em dois anos de Palmeiras e detentor de uma série de marcas expressivas, atualizadas com frequência.

Unanimidade

Profundamente inquieto, rigoroso e diligente, o português se tornou unanimidade entre a torcida palmeirense, conhecida por ser “corneta”. Para muitos, superou Vanderlei Luxemburgo e o amigo Luiz Felipe Scolari para virar o maior técnico da história do agora hendecacampeão nacional.

Os títulos foram fundamentais para a construção dessa idolatria, mas a personalidade do profissional, a fidelidade dedicada ao clube ao recusar propostas do exterior e renovar até o fim de 2024, e a maneira com que defende seus atletas contribuíram para esse processo.

“Tenho uma obrigação muito grande dentro de mim, eu sinto uma pressão muito grande porque tenho que fazer toda essa gente feliz. Sou muito exigente comigo, sofro muito sozinho e já lhes disse isso. Há um preço que se paga, e não sei quanto tempo mais vou estar disposto a pagá-lo”, disse o comandante, que, embora se cobre muito, passou a estar mais tranquilo neste ano com a vinda da mulher e das filhas para o Brasil.

Mais do que ídolo dos palmeirenses, ele se transformou numa figura conhecida no País. Até quem não acompanha futebol sabe quem é Abel Ferreira e percebe que o personagem transcende o futebol. Maior prova disso foi o convite que recebeu para discursar a uma multidão na Bienal do Livro de São Paulo em julho. Na ocasião, teve tratamento de astro, com gritos de fãs eufóricos, entre jovens, mulheres e idosas, e passou horas autografando exemplares de “Cabeça Fria, Coração Quente”, livro que ele e seus auxiliares lançaram no início do ano.

Outro exemplo disso foi a sabatina no Roda Viva, tradicional programa de entrevistas da TV Cultura em que ficam ao centro do debate grandes nomes de diferentes segmentos da sociedade. Naquela noite, também viveu horas de popstar. Depois de responder a 37 perguntas dos jornalistas, deu autógrafos em livros e camisas, atendeu a pedidos de fotos e recebeu abraços e elogios.

Também tornou-se cidadão paulistano com o título concedido pela Câmara Municipal de São Paulo e empilhou prêmios aqui e em Portugal como reconhecimento de seu trabalho à frente do Palmeiras. Foi condecorado, por exemplo, com o troféu Quinas de Ouro, mais alta distinção dada pela Federação Portuguesa de Futebol (FPF), e eleito o melhor treinador português que trabalha fora do seu país de origem na 56ª edição do prêmio CNDI, promovido pela associação de jornalistas esportivos de Portugal.

Marcas do técnico

O primeiro técnico da história do Palmeiras a colecionar pelo menos um título Estadual, um nacional e um internacional se habituou a derrubar tabus e colecionar façanhas. Recentemente, ele e sua comissão técnica alcançaram a marca de 100 vitórias no comando do Palmeiras. Hoje, registram 102.

Entre os estrangeiros, virou o segundo com mais triunfos, atrás apenas do uruguaio Ventura Cambon, com 305. No Allianz Parque, ninguém dirigiu o time mais vezes do que o português, nem obteve mais vitórias. São 46 triunfos em 72 partidas. Também estabeleceu o recorde de vitórias em sequência no local: dez no total.

Ampliando o recorte, nenhum treinador conquistou mais vitórias no futebol brasileiro desde outubro de 2020, data da chegada do treinador ao País, que era carente de profissionais como o português da pequena cidade de Penafiel. Resta saber quanto tempo os torcedores palmeirenses, fãs e admiradores de Abel poderão desfrutar do trabalho do comandante. Embora goste do que faz, ele disse reiteradas vezes que não pretende ser técnico por muito tempo.

“Não sei se vou chegar aos cinquenta”, não garantiu o técnico mais falado do País e também o mais valorizado financeiramente, que completará 44 anos em dezembro.

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