Futebol feminino

Sacrifícios, emoção e um sonho "impossível": a saga da única equipe amadora do Paranaense

Por
Rafaela Rasera
13/11/2023 11:47 - Atualizado: 15/11/2023 12:38
Sacrifícios, emoção e um sonho "impossível": a saga da única equipe amadora do Paranaense
| Foto: Rafaela Rasera/UmDois Esportes

As portas do CT do Caju estavam abertas há pouco mais de meia hora quando Meiry Maria da Paixão chegou correndo, carregando um capacete e uma mochila nas costas. Ofegante, se dirigiu aos seguranças e afirmou que era a técnica do São Braz, equipe que disputa o Campeonato Paranaense Feminino de 2023.

Professora no horário comercial, a treinadora foi direto do trabalho para dirigir as 11 atletas do "rubro-negro do São Braz" em campo contra o Rio Branco, pela segunda rodada da competição naquele sábado de sol, dia quatro de novembro.

14 anos antes, em 2009, no outro lado da cidade, mais de oito mil pessoas foram até o Couto Pereira para assistir ao Santos de Marta, Cristiane e companhia jogar contra o Novo Mundo, equipe curitibana de futebol feminino. A melhor do estado na época.

A partida era válida pelas oitavas de final da Copa do Brasil e muitas atletas da equipe da casa foram direto do trabalho para o jogo. "Eu nem imaginava que não treinam todos os dias e que não puderam se concentrar", afirmou a rainha Marta sobre a situação das jogadoras do time de Curitiba depois da partida.

Mais de uma década depois, a situação não é tão diferente e Meiry e as atletas do São Braz se dividem entre a jornada como trabalhadoras, esposas, mães e jogadoras de futebol. O treino é só às nove da noite. Uma, duas, no máximo três vezes na semana. Mas é de treino em treino que o São Braz conseguiu sua segunda participação no Paranaense Femino, sendo o único time amador da competição.

"O futebol feminino não se explica, é uma paixão. Você tem que viver isso aqui para entender, eu com palavras não consigo mensurar. E poder dar essa visibilidade para as meninas ao lado de Athletico, Coritiba, é muito gratificante”, se emociona a técnica.

A cada jogo no estadual, no tempo que dá, elas se reúnem no vestiário antes da partida para se concentrar. Como era um sábado, a maioria das jogadoras estava de folga e conseguiu chegar no CT do Athletico com antecedência. Meiry, que não teve a mesma sorte, avisou.

“Gente, é correria mesmo. Segunda-feira vai ser desse jeito, porque grande parte aqui também trabalha. Então vai ser esse estresse todo”, disse a treinadora, já convocando as meninas para uma fala antes da bola rolar.

A técnica explicou o esquema da partida, detalhou o estilo de jogo das adversárias e deu dicas para as jogadoras. No fim, uma roda e um “Pai Nosso” enérgico, recitado aos gritos do início ao fim, arrepiando quem estivesse por perto.

“É um sonho [jogar o paranaense] para quem é do amador. Eu iniciei jogando com piás, com molecada. Então chegar a um campeonato importante, jogando com equipes profissionais, como uma equipe amadora, a gente está realizando um sonho. A gente está com vontade, com garra e isso faz total diferença. É um sentimento de alegria e gratidão”, afirmou a atacante Yasmin Morais.

O São Braz foi criado há pouco mais de um ano e são os técnicos Meiry e Hudson Santos que arregaçaram as mangas e assumiram o projeto em março de 2022. No ano passado, estrearam no estadual e, contra equipes profissionais e com investimento, ficaram em quarto lugar, de seis times no total. Neste ano, com outro elenco, a campanha não foi tão boa, mas Meiry valoriza a garra e a vontade de fazer acontecer das suas atletas.

“O nosso grupo ralou o ano inteiro, pegou chuva, frio, treinando até meia noite, uma da manhã e, no outro dia, estavam cedo trabalhando. Então esse é o momento delas, independente de resultado, independente de placares, a gente quer que elas aproveitem esse momento. Independente do que acontecer na competição, a gente se esforçou bastante para que elas tenham essa oportunidade”, disse a treinadora, emocionada.

Futebol e ousadia

“Ousadia para escrever nossa história”, essa é a frase cravada na descrição da equipe em sua conta oficial no Instagram. Chamada de "Rubro-negro do São Braz", a equipe que usa as cores do Athletico emprestou um dos quatro ventos do Furacão para apostar em um projeto inspirador.

“O projeto do São Braz é lindo. Você vê meninas que trabalham o dia todo, que ralam, mas estão aqui e vêm pra dentro de campo com vontade, para dar o seu melhor. O São Braz mostra para várias meninas que acham que não tem como, que basta você acreditar e ir atrás. A gente sacrifica coisas para dar o nosso melhor e fazer parte desse projeto para mostrar para essa juventude que elas podem e conseguem”, afirmou Yasmin.

Antes de entrar em campo, naquele dia, as mulheres, reunidas no vestiário, entre pagodes e funks vindo da caixa de som, no “pique jogadora cara”, vestiam seus meiões e calçavam suas chuteiras, mas também levavam para a partida as vivências e sonhos dentro e fora do futebol.

“É uma emoção que não consigo explicar, porque a maioria das meninas vive disso, recebe por isso. Então elas treinam todos os dias. E aí entrar em campo com elas, você fica meio ‘uau’. Eu sou fã, a rivalidade fica só dentro de campo, fora a gente é fã dessas meninas que já são profissionais”, se emociona a atleta Bruna José dos Santos.

É a primeira vez da jogadora de 25 anos na competição. A animação com a estreia se manifestou no corte de cabelo e Bruna decidiu carregar as iniciais do time no cabelo. O sonho dela é poder viver do futebol, assim como as adversárias da competição. 

No São Braz, nenhuma atleta recebe para jogar. Sem estrutura, nem patrocínio, a equipe feminina é movida pelo amor. “Eu quero que as estruturas amadoras vejam no São Braz o exemplo e motivem outras meninas, porque a gente tem muita mulherada boa por aí, mas falta incentivo, investimento”, afirma a capitã Suelen Cristina Moreira.

Aos 37 anos, ela divide a rotina de cuidados com o filho de sete anos com a paixão pela bola e pelo clube. “O futebol não é só um esporte, ele é uma terapia. É onde eu consigo esquecer de problemas, onde eu me encontro. Eu vejo um futuro muito bom para o São Braz e quero fazer parte. Assim como a Formiga, eu quero ficar acho que mais uns dez anos dá”, brinca a volante.

Veterana, ela já participou e chegou a ser campeã de campeonatos estaduais femininos, na categoria júnior. Hoje, o filho herdou a paixão e, neste ano, pôde acompanhar a mãe em campo ao vivo. Foi a primeira vez que a Federação Paranaense de Futebol transmitiu a partida pelo canal próprio. 

“Dar a cara a tapa”

No CT do Caju, a partida contra o Rio Branco foi pegada, com entradas duras das adversárias de Paranaguá. A melhor em campo, Juju, saiu do gramado direto para a ambulância depois de levar um carrinho. A goleira Débora precisou ser substituída, mas antes, deu o nome, e defendeu um pênalti.

O resultado final não foi bom e o São Braz perdeu de 4 a 0. Mas para as jogadoras, o placar não importava. Elas estavam no papel que mais gostavam de fazer, de uniforme, com a bola no pé, correndo dentro de campo. Duas rodadas depois, a equipe acabou sendo eliminada da competição. Mas é a experiência que elas levam em conta. 

“Estamos dando a cara a tapa e tentando fazer essas meninas se apaixonarem pelo futebol de campo. É desafiador ser a única amadora no campeonato. Foi todo um projeto estruturado durante um ano para estarmos aqui”, desabafou Meiry.

No vestiário após o jogo contra o Rio Branco, mesmo com a derrota, a energia foi a mesma do início. Ao som de “Tá Escrito”, do Grupo Revelação, as atletas se arrumavam para ir embora. Acreditando no projeto, elas entendem que a hora vai chegar, basta erguer a cabeça e meter o pé, como canta Xande de Pilares. 

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