Dinastia Cury: quem é o novo presidente da FPF, sucessor do pai no comando do futebol local
A Federação Paranaense de Futebol (FPF) troca de comando daqui a dois meses. Na posse marcada para 24 de abril, contudo, o sobrenome Cury seguirá na presidência pelo 16º ano consecutivo. O advogado Hélio Pereira Cury Filho, 46 anos, é o sucessor de Hélio Cury na entidade máxima do futebol estadual. O pai, que assumiu a FPF em novembro de 2007 por decisão da Justiça após longa disputa com o folclórico Onaireves Moura, permaneceu no cargo deste então, vencendo três eleições.
Sem rival na eleição da semana passada, é Hélio Filho quem vai administrar a Federação no quadriênio 2023/2027. Ele não nega a continuidade na linha de trabalho, mas garante que fará as coisas de seu jeito, sem interferência.
Casado, pai de um menino de 7 anos, torcedor do Paraná Clube, e com MBA em gestão esportiva, o presidente eleito da FPF promete dedicação total ao cargo e espera fechar seu mandato transformando a realidade do Campeonato Paranaense, seu principal produto.
"Quero ter certeza que deixei uma inovação dentro da FPF, no que se diz respeito ao marketing e patrocínio. Deixar o campeonato, se não rentável, pelo menos no zero a zero. E com certeza, ter a melhor arbitragem do país", fala Hélio Filho, em quase uma hora de entrevista ao UmDois Esportes.
Mais "tranquilo e aberto" do que o pai, o novo presidente da Federação apontou o principal erro da gestão anterior e traçou as metas para o futuro do futebol paranaense. Leia a entrevista completa ou veja o resumo em vídeo:
Como você se define?
Sou advogado formado há mais de 20 anos, sempre aberto a ajudar as pessoas, ajudar os outros. Acho que é até por isso que me dou tão bem com o pessoal do futebol, sempre estive muito aberto. E sou uma pessoa sempre muito transparente, muito verdadeira.
Qual sua primeira lembrança do futebol? Como acompanha hoje em dia?
Gosto mais de assistir. Acompanho futebol desde seis anos de idade, sempre estive com o pai pra cima e pra baixo, né? Óbvio que a origem é no futebol amador também. Participava de muitas atividades na época de Pinheiros, depois Paraná Clube, acompanhava os jogos.
Sou paranista. Era Pinheiros, agora paranista, mas não sou aquele torcedor fanático. Sempre tento colocar a razão antes da emoção. Enfim, lembro de coisas como o estádio do Novo Mundo na época que era de cerquinha. Lembro do ginásio que existia na Baixada e várias outras passagens pelos clubes aí, que já acompanhava desde os seis, sete anos de idade. Então, sempre estive no futebol, principalmente na capital.
O sobrenome Cury tem peso no futebol paranaense. Se não fosse filho do presidente, acha que estaria no esporte hoje? Como se preparou para o cargo?
São questões distintas. O gosto pelo futebol veio muito antes do pai assumir o cargo, no fim de 2007. Mas a parte da gestão, de aprender, de entender como funciona, de acompanhar, obviamente que veio acompanhando o trabalho dele.
Em 2010, fiz uma especialização, um MBA, na UniCuritiba, que já era gestão de futebol. Foram quase dois anos de especialização e naquela época eu já comecei a advogar para os clubes, né? Comecei a militar na Justiça Desportiva. E uma coisa foi ligando a outra. Desde lá, comecei a estudar de direito desportivo até gestão esportiva.
Almejava ser presidente?
Naquele momento, há mais de 12 anos, acredito que não era a intenção. Queria participar do futebol, mas não eventualmente chegar à presidência. Com o passar do tempo, vendo o trabalho que foi desenvolvido, começou a nascer a vontade de eventualmente fazer uma sucessão e as coisas acabaram caminhando para isso.
Qual será seu estilo de gestão? O que tem de parecido e diferente de seu pai?
O que temos de grande semelhança – tenho um orgulho muito grande de quem sou filho – é a questão da transparência e a simplicidade, né? Eu sou um pouco mais tranquilo, vamos dizer assim, mais aberto. Quem sabe ainda não tenha levado aquelas batidas, vamos dizer assim, para acabar ficando um pouco mais duro, com uma casca. Mas independentemente disso sou muito aberto, muito sincero – às vezes até demais. Gosto de estar sempre unido com as pessoas, muito perto, muito próximo, para ver os anseios e expectativas.
Que nota você dá para a gestão Hélio Cury na FPF?
É difícil, tem que analisar vários ângulos. Tem que analisar como quem está vendo de perto, tem o ângulo dos filiados, tem a forma como a imprensa também vê, tem a visão do torcedor e ainda os patrocinadores, enfim, que têm outros interesses no mercado do futebol. Eu tenho minha nota, não vou dizer qual, mas sei todo o trabalho que foi feito, a dificuldade passada.
Eu sempre falo o seguinte: a Federação, no primeiro mês de gestão do Seu Hélio – não estou aqui defendendo, são dados que até já dei um puxão de orelha nele porque algumas coisas deveriam ser faladas – tinha sete laudas de protestos. Hoje não tem nenhuma, então a parte financeira foi sanada. Demorou pra sanar, foram mais de R$ 90 milhões de dívidas pagas, mas isso nunca foi mostrado. Essa é uma das pequenas situações que foram resolvidas e os filiados sabem disso. Quem sabe não tenha sido o grande erro da administração, um lapso, uma falha, enfim. Mas foi realizado um trabalho muito grande e as pessoas não sabem.
O que você quer trazer de diferente para a FPF?
O nome da chapa era ‘Confiança e Inovação’. O que tem a ver? A gente tem a confiança dos clubes e espero atender essa expectativa, dar continuidade a todo trabalho, a toda transparência, mas a gente precisa trazer um pouco mais de inovação. Temos hoje uma ótima equipe de competições, de registro e transferência, mas precisamos mudar, modernizar, nossa parte do marketing, do relacionamento com os demais envolvidos na indústria do futebol. Seja com a imprensa, fortalecer nossa relação com nossos patrocinadores. Temos que fortalecer nossas competições para que gerem mais receita, diversificar as receitas. Isso vai passar por uma reestruturação do departamento de marketing, acho importante aumentar esse departamento e fazer com que o nosso torcedor, nosso público, conheça cada vez mais o nosso futebol. E com isso vamos potencializar o relacionamento com os patrocinadores, deixando esse campeonato mais rentável. Não tem mágica.
O Paranaense ficou para trás de outros estados na questão de marca, de produto?
Não de produto porque o nosso é um dos melhores do país. Temos dois campeões brasileiros, o Athletico despontando, o Coritiba vindo com uma nova gestão e cada dia uma notícia nova de crescimento. O Interior se fortaleceu bastante, o Londrina batendo na trave para subir. Temos um grande futebol aqui. Não é que nosso produto não está valorizado frente aos outros, falta mostrarmos um pouquinho mais.
Sua gestão representa continuidade na FPF. Qual será o papel do ex-presidente em sua gestão?
É uma continuação, mas com nosso jeito de fazer. Pegar tudo que foi feito de bom e aprimorar ainda mais. O atual presidente, meu pai, continua por mais cerca de 60 dias, ele tem mandato na vice-presidência [da CBF] até 2027, o que nos ajuda muito. Óbvio que vamos ter sempre alguém para pedir um conselho, uma ajuda, porque são 14 anos de experiência. Não podemos simplesmente renegar toda a experiência dele junto ao futebol paranaense.
Elegendo o filho, muita gente pode pensar que Hélio Cury é quem vai seguir dando as cartas...
Não, isso tenha certeza que não. Tivemos algumas conversas sobre isso e ele falou: é teu meu momento, teu jeito de fazer, tuas ideias, é contigo. Ele está lá para dar um suporte, como todo bom pai faria, tirar uma dúvida, dar um conselho. E obviamente com ele na vice-presidência melhora ainda mais o acesso da FPF na CBF.
A maior reclamação dos dirigentes dos clubes do Paranaense é que o campeonato é deficitário. Como mudar esse panorama?
Realmente, o campeonato tem um certo déficit. Depois que a Globo saiu as rendas, não só do Paranaense, acabaram diminuindo sem o aporte da TV. Isso caminha, repito, com um grande trabalho de marketing junto aos patrocinadores, é possível melhorar isso. Mas a forma como o pessoal fala que o campeonato é deficitário, acho que temos que tomar um pouquinho de cuidado. Temos hoje 12 participantes da Primeira Divisão, dois vão cair, sobram dez. Desses dez, pelo menos cinco já têm assegurada vaga na Copa do Brasil pelo novo regramento. Já no primeiro jogo, a Copa do Brasil dá algo em torno de R$ 750 mil. Ainda que o Paranaense não seja rentável, ele dá a oportunidade de terem uma renda logo em seguida.
Isso não é muito pouco? Não é pensar pequeno?
Sim, não discordo disso. O que digo é a forma como o pessoal fala: ele é deficitário e ponto final. Não, ele proporciona situações em que você pode ter esse lucro. Mas cabe também à nossa parte ser um indutor para que o torneio não seja deficitário aos clubes.
É possível transformar o cenário até o fim de sua gestão?
Esse é o objetivo, essa a ideia. Transformar o cenário. Trabalhar muito forte nessa questão para conseguirmos reverter essa problema junto aos clubes.
Sobre transmissão do Estadual, ainda é importante tê-lo em TV aberta? Como avalia o streaming?
Uma das primeiras coisas que quero fazer assim que assumir é voltar a conversar com todas as televisões abertas. Entendo que é uma necessidade. Foi conversado no ano passado, mas a atual gestão não conseguiu chegar a um denominador comum. A gente quer tentar mostrar às TVs que o Paranaense é algo que vale a pena eles transmitirem, terem o futebol paranaense dentro a grade deles. Entendo que neste momento só o streaming é bom, é necessário, mas ainda não atinge todo o público que o futebol paranaense pode alcançar. Ainda há dificuldades para algumas pessoas acessarem no computador, na Smart TV, há uma dificuldade. Dessa maneira, entendo que temos que ter um canal aberto, claro que não com todos os jogos, respeitando o streaming, mas alguns jogos passando na televisão aberta.
O apelido Ruralzão, como o Estadual é chamado informalmente pelos torcedores, às vezes até de maneira pejorativa, pode ser adotado pela FPF?
É um tema que quero conversar com os clubes. Nós estamos em um estado agrícola, que tem sua agropecuária extremamente forte, seja no Oeste, no Norte. As grande cooperativas do Brasil estão aqui gerando bilhões e bilhões de reais. Isso vem do rural, do agro. Somos um estado agro. Então, não vejo de forma pejorativa o Ruralzão, acho que pode ser muito bem aproveitada essa ideia. Isso já foi alvo de conversas antes e acho que deve seguir à frente. Não vejo problema nenhum vincular o Paranaense ao agro.
Sua eleição rendeu críticas do presidente do Athletico, Mario Celso Petraglia, que disse que a FPF está dominada por amadores e citou até nepotismo. O clube foi o único da que se absteve na votação. O que pensa sobre isso?
Discordo bastante, mas respeito a opinião do Dr. Mario. Veja, houve um processo eleitoral totalmente democrático, com participação de mais de 90% dos filiados, e conquistamos 95% dos votos. Nossa chapa foi endossada por 57 filiados, dos quais 24 eram profissionais. Temos 32 clubes profissionais hoje. Mais de dois terços nos apoiaram. Nosso trabalho não vem só do futebol amador e das ligas. Vem de um trabalho que a gente fez ao longo desses dez anos – e aí não é só da atual gestão – é um trabalho nosso, de atuação concreta no futebol. Seja advogando, seja prestando assessoria, consultoria, e aonde viram uma confiança no nosso nome.
Petraglia também reclamou da limitação de inscrição de jogadores...
Essa é uma decisão que foi tomada pelos clubes. Foi um veto dos clubes. Você pode verificar no arbitral. Houve a proposta, e assim como a atual gestão, foi de forma democrática. Se entenderem os clubes que deve ser aberto até 50, até 100 jogadores, ou de forma ilimitada, assim vai ser. Se a grande maioria entender que deve ser limitado a um número, vamos atender a maioria dos clubes. É uma decisão técnica deles.
Você nem sequer assumiu ainda, mas pensa em reeleição?
Vai depender de todo processo que vamos ter nos quatro anos de trabalho. Se virmos que vamos poder contribuir ou que faltou alguma coisa que queremos realizar, e os clubes entenderem que devemos continuar, vamos continuar. Não tenho como responder essa pergunta. Não é a ideia principal, o foco não é uma reeleição, é fazer uma boa gestão de quatro anos. A gente quer trabalhar. Se vai ter reeleição ou não, a gente vai ver. Não pensei nisso antes.
Quais os principais pontos pretende entregar em 2027?
Primeiro, atender as expectativas dos filiados, priorizando sempre a satisfação deles. Participar ativamente das conquistas que eles vão ter nos próximos quatro anos, acompanhar o trabalho deles. Quero ter certeza que deixei uma inovação dentro da FPF, no que se diz respeito ao marketing e patrocínio. Deixar o campeonato, se não rentável, pelo menos no zero a zero. E com certeza, ter a melhor arbitragem do país. O coração da federação hoje são os árbitros. Eles indo bem, a partida vai bem, tudo vai bem.
Qual sua opinião sobre torcida única?
Particularmente, não gosto. Mas no momento acho um “mal necessário”. Precisamos, até que a gente consiga que o torcedor volte a entender que a rivalidade é dentro do campo. Infelizmente, em alguns jogos, desde que haja entendimentos dos clubes e do Ministério Público, não vejo como recuar da torcida única no atual momento. Não é a solução. Se você me perguntar a solução, não sei. Mas isso, com certeza, não é. Temos que passar por um grande estudo para reverter esse quadro num futuro próximo.
A CBF endureceu a luta contra o racismo, agora com perda de mando de campo e pontos aos clubes. É algo que pode ser seguido por aqui?
É algo de se implantar, sim, no Regulamento Geral. Claro que não para esse ano, já que o campeonato está em andamento. Quem sabe para o ano que vem? Vamos estudar isso e quem sabe incorporar algo semelhante. E conscientizar o torcedor sobre o quanto isso pode impactar ao clube dele.
No ano passado houve um movimento pelo retorno da Copa Sul-Minas. Qual sua opinião?
Eu gosto de competição. Desde que caiba no calendário e, obviamente no orçamento dos clubes e da própria Federação, acho que estamos aqui para induzir e estimular as competições. Sempre gostei da ideia da Sul-Minas. Talvez o ideal hoje seja tentar desenhar uma Copa Sul, como existiu antes. Para ver se cabe no calendário, os problemas de logística, as questões de regulamento, patrocínio, para daí dar um segundo passo e voltar com a Sul-Minas. É minha forma de pensar, um passo de cada vez, tomar um pouquinho de cuidado. Mas apoio a ideia, sem dúvida.