De Abrilino a Fernando Gomes: a dinâmica carreira do nobre comentarista; leia perfil
Sinônimo de futebol paranaense no rádio e na televisão, Abrilino Fernandes Gomes já não ostenta os cabelos pretos de outrora.
Aos 75 anos de idade – 57 deles como repórter, narrador ou comentarista esportivo –, o gaúcho da pequena Herval, quase na fronteira com o Uruguai, hoje carrega uma cabeleira grisalha que imediatamente remete à sua experiência.
Mas a voz marcante, o trejeito peculiar e os bordões continuam lá, nobre e dinâmico leitor, como diria o próprio. Sem data de validade.
“Nunca programei parar. Não tenho nem ideia. Adoro fazer o que faço, não quero me aposentar”, diz Abrilino, ou melhor, Fernando Gomes, ao fim de mais de uma hora e meia de entrevista ao UmDois Esportes.
Com "espírito de 30", o comentarista da Rádio Transamérica enche a boca para contar que havia jogado duas horas de tênis na noite anterior, como normalmente faz três vezes por semana.
“Mas agora jogo só dupla”, ressalta o dono da planilha que não falha, que marcou época mediando (e apimentando) o icônico programa de debate Mesa Redonda, da CNT, nas noites de domingo das décadas de 1990 e 2000.
"Cometi erros, equívocos, quem não comete? Me arrependo de coisas da vida pessoal, mas como profissional, profissão pública, me sinto feliz de poder fazer alguma coisa que as pessoas reconhecem. Sempre tem quem não gosta, mas é uma minoria".
O início
Bem antes de influenciar gerações de torcedores paranaenses, Fernando Gomes era apenas um guri apaixonado por futebol – e pelo Grêmio – no Interior gaúcho.
Nascido em 1947, ele narrava os próprios jogos de futebol de botão simulando o microfone de uma rádio fictícia com uma lata de talco amarrada em um barbante. As descrições eram reproduzidas num volume tão alto a ponto de ficar sem voz.
O objetivo era claramente chamar atenção. "Tinha um vizinho, o Seu Alberto, que sempre passava a cavalo e perguntava: Abrilininho, quanto tá o jogo?", recorda.
Frustrado pelo desempenho limitado demonstrado como ponta ou lateral-esquerdo nas peladas na rua de chão batido perto de casa, foi amadurecendo o sonho de trabalhar com a bola de outra forma.
Virando Fernando Gomes
Quando fez 18 anos, Abrilino mudou-se para Bagé, praticamente uma metrópole em comparação à sua cidade natal.
Em 1966, o primeiro emprego na área foi como auxiliar de plantão na Rádio Difusora, cargo conquistado por pura insistência, ao ficar das 9h às 18h aguardando na recepção para ser atendido pelo diretor.
Já na Farroupilha, na capital Porto Alegre, um erro transformou sua carreira. O diretor Armindo Antônio Ranzolin sugeriu esquecer o nome próprio para apostar somente no sobrenome Fernandes Gomes. Porém, o responsável por gravar a vinheta confundiu-se. Nascia assim, Fernando Gomes.
"Eu falei que estava errado, mas não daria para gravar no mesmo dia, só na outra semana. Falei: então deixa assim mesmo. E o curioso é que tenho um irmão chamado Fernando Fernandes Gomes", comenta.
Vida em Cascavel
A cidade de Cascavel, no Oeste do Paraná, virou a base de Fernando Gomes a partir de 1970. A convite do narrador Paulo Martins, foi trabalhar como repórter na Rádio Colmeia, onde permaneceu por um ano. Depois, mudou-se para Apucarana para a primeira experiência na tela, pela TV Tibagi, em 1971.
Gomes chegou a se afastar totalmente do jornalismo esportivo entre 1973 e 1977, quando virou assessor de imprensa da prefeitura de Cascavel no mandato de Pedro Muffato. Mais tarde, foi nomeado secretário-geral do município.
O retorno às origens aconteceu em 1978, novamente na televisão. "Fui a primeira cara a entrar no ar. Abriu a vinheta e falei: está no ar a TV Tarobá de Cascavel", relembra.
Galeria de fotos:
Indicado por Galvão Bueno
Em 1982, Fernando Gomes foi contratado para ser narrador, apresentador e produtor executivo da TV Bandeirantes, em São Paulo, substituindo ninguém mais do que Galvão Bueno.
A indicação partiu do próprio narrador carioca, a quem havia conhecido durante transmissões de automobilismo em Cascavel. "Ele foi para a Globo e deixou meu nome para o diretor Fernando Solera, que me convidou para fazer uma corrida em Goiânia. Depois da transmissão, fui para São Paulo conversar e recebi a proposta".
A aventura na capital paulista durou um ano e foi encerrada por questões familiares. Mas Fernando Gomes seguiu contratado pela Band como narrador de eventos: do futebol ao basquete, do boxe à corrida.
Desembarque em Curitiba
Fernando Gomes deixou o Oeste do estado em 1985, quando foi chamado para ser comentarista da equipe comandada pelo narrador Lombardi Jr. na Rádio Clube, de Curitiba. Já na televisão, começou a trabalhar como narrador na Rede OM Brasil, que mais adiante se transformaria na CNT.
O jornalista assumiu a titularidade do Mesa Redonda em 1992, após a saída de Galvão Bueno da Rede OM – a passagem durou apenas dez meses.
E fez história comandando aquele que viria a ser o mais tradicional programa esportivo do estado.
"Do Mesa Redonda têm 500 mil histórias. Passaram por ali o Valmir Gomes, Sicupira, Capitão Hidalgo, Edu Brasil, Walter Xavier, Mario Henrique, Sidney Campos, Linhares Jr., Bicudo, Caio Jr., Carneiro Neto, Claudio Marques, Dorival Chrispim e mais gente ainda. Foi uma explosão de audiência", aponta o comentarista, que durante o programa fazia propaganda de tudo: de café e restaurantes à loja de moda masculina e hotéis.
Ouça a história sobre Sicupira e o cachorro Tigrão
Ouça a história sobre a vergonha da que a plateia causou
Ouça história sobre as provocações no Mesa Redonda
Ouça história sobre Galvão Bueno e o início no Mesa Redonda
Ouça história sobre Valmir Gomes e o delay
Ouça história sobre a amizade e uma discussão com Petraglia
Bordões
Na televisão, Fernando Gomes consagrou o termo "abutuou", referindo-se à uma vitória enfática de um time sobre outro. A lista de criações, contudo, é extensa.
– Meu nobre e dinâmico ouvinte
– Isto posto, meu nobre
– Seu Manoel (ou outro jogador de destaque em determinado jogo)
– No futebol já vi de tudo, só não vi gandula voar
– Vá tomar um Melhoral
– Minha planilha que não falha
– Conheço o rengo sentado e o cego dormindo
– Adeus tia Chica, que me voy e tu fica
"Eu criei alguns jargões. Acho que na comunicação, se você tem uma marca, como o Galvão tem várias, as coisas pegam e te identificam", acredita.
Parceria com o ET
Na rádio, Fernando Gomes e o operador Douglas Bay são os únicos remanescentes do projeto original do Transamérica Esportes. E a parceria entre ambos, que acontece sem script, virou um dos pontos altos dos programas e jornadas esportivas.
"Foi meio de improviso, numa das primeiras participações do ET, eu falei uma coisa, ele tirou sarro e mandei ele tomar um melhoral. O troço pegou e deu uma repercussão enorme, dá até hoje", conta.
"Nada é combinado. Flui naturalmente no ar porque ele é um cavalo de inteligente, não é humorista de piada pronta, cria em cima do que você fala, tem uma cultura geral gigante. E o atrito é no ar, fora não. É o que mais me perguntam, mas o Douglas é um grande amigo".
Leitura de jogo
Quando está em casa, Fernando provavelmente está em frente à televisão caçando alguma partida para assistir ao lado da filha Ana Julia, de 15 anos.
O experiente comentarista é reconhecido pela capacidade de ler o jogo e traduzir o que está vendo de forma didática para o ouvinte. Algo que ele considera natural.
"Sempre tive muita facilidade. Aprendi muito com o Rui Souza, que era treinador do Guarani de Bagé e muito meu amigo. Eu era guri, a gente ia tomar um café e ele me explicava como armava o time e como via o futebol", cita Fernando, que também chegou a treinar uma equipe na época em que vivia em Cascavel.
"O primeiro título da cidade de Cascavel no futsal estadual fui eu que ganhei, a Taça Tibagi", fala Gomes, orgulhoso.
"Eu criei algumas jogadas que imaginei e foi dando certo... Acho que tenho facilidade para ver os rendimentos individuais e brinco assim: me dá quatro minutos e dez segundos que já te digo como o time está taticamente", fecha.