Como astro uruguaio detonou guerra cultural no futebol ao usar a expressão “negrito”
A expressão "negrito" detonou uma guerra cultural no futebol mundial. Tudo a partir de uma postagem em rede social do astro uruguaio Edinson Cavani, do Manchester United, ao responder um comentário em seu perfil pessoal no Instagram (veja imagem abaixo).
A última carga foi da Conmebol, entidade que rege o futebol sul-americano, nesta terça-feira (5). Em nota oficial, criticou a punição imposta pela Federação Inglesa (FA) ao atacante, ao final do ano passado, com três jogos de suspensão e multa.
De acordo com a Conmebol, a FA não levou em consideração características culturais e uso de certos termos na fala cotidiana do Uruguai ao aplicar a sanção ao jogador.
"A Conmebol condena e sempre condenará com a maior energia qualquer manifestação racista ou discriminatória, mas o caso específico para o qual Cavani foi sancionado não constitui uma delas", diz trecho da nota.
Ainda no ano passado, a FA abriu investigação e depois puniu o atleta alegando que o comentário foi "insultuoso e/ou abusivo e/ou impróprio e/ou trouxe descrédito ao jogo". O termo foi interpretado como de cunho racista e rendeu ainda multa de 100 mil libras esterlinas (aproximadamente R$ 710 mil).
Clube do uruguaio, o United protestou. Em um comunicado oficial, ressaltou que "Cavani não sabia que suas palavras poderiam ter sido mal interpretadas e reforçou o pedido de desculpas do uruguaio".
À época, o clube disse que não iria recorrer: "Apesar de sua crença sincera de que estava simplesmente enviando um afetuoso agradecimento em resposta a uma mensagem de parabéns de um amigo próximo, ele (Cavani) optou por não contestar a acusação, por respeito e solidariedade à FA e à luta contra o racismo no futebol".
A decisão causou revolta no Uruguai – houve mobilização em favor do atacante, inclusive com apoio da Academia de Letras Uruguaia, que considerou a punição como "ignorante" e "grave injustiça".
"As referências a qualidades físicas, morais ou pessoais de outras pessoas são usadas em todas as línguas do mundo para a criação de vocativos, ou seja, expressões para tratar os outros. Em alguns contextos, têm um teor negativo, e muitas vezes os mesmos termos podem ser considerados afetuosos ou amigáveis", escreveu a academia.
"Na variedade do espanhol no Uruguai, por exemplo, entre casais e amigos, entre pais e filhos, você pode ouvir e ler formas como 'gordis, gordito, negri, negrito'. Na verdade, a pessoa a quem se trata com esses vocativos não precisa ser obesa ou morena para recebê-los", continuou o órgão.
No caso, Cavani foi elogiado por um seguidor nas redes sociais e republicou a mensagem na ferramenta stories do Instagram, acrescentando o "gracias negrito". Poucos minutos depois, apagou a postagem e pediu desculpas.
"O uso do vocativo 'negrito' por Cavani para se dirigir a 'pablofer2222', fã do jogador de futebol, tem esse tipo de teor afetuoso: pelo contexto em que foi escrito, a pessoa a quem foi dirigida e a variedade do espanhol utilizada, o único valor que pode ter o termo 'negrito' - e em particular pelo seu diminutivo - é o afetivo", completou a Academia Uruguaia de Letras.
Cavani também recebeu o apoio de Lugano, que foi seu companheiro na seleção uruguaia. "Uma resolução orgulhosa, ridícula e injusta tirada do pedestal da arrogância, no qual, sem dúvida, a nossa cultura foi invadida. Minha solidariedade com Edi. Eles sancionaram todos nós", disse o ex-jogador.