Morínigo quebra silêncio, se declara ao Coxa, mas revela como o medo da queda afeta o clube
O ponto final da longa relação de trabalho entre o técnico Gustavo Morínigo e o Coritiba aconteceu há pouco mais de um mês, em 14 de agosto, após o clube vencer apenas quatro dos últimos 21 pontos disputados no Brasileirão e entrar na zona de rebaixamento 22ª rodada.
A relação pessoal, contudo, parece seguir intacta mesmo após a demissão do paraguaio de 45 anos. Pelo menos esse é o sentimento verbalizado pelo Profe na primeira entrevista desde que voltou para o convívio familiar em Assunção.
"Senti que não me despedi de muita gente. Fiquei com muito carinho por todos, muito respeito pela imprensa, pela torcida. Sei que muitos ficaram descontentes e sinto que algumas coisas não puderam acontecer. Meu carinho para toda Curitiba e para o Coxa. Aqui fica mais um torcedor que espera que tudo corra bem", resumiu Morínigo, ao fim de 28 minutos de conversa por telefone com a reportagem do UmDois Esportes nessa segunda-feira (19).
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Contratado em janeiro de 2021, o treinador permaneceu por um ano e oito meses no Alto da Glória – vivendo uma montanha russa de momentos.
Passou por um rebaixamento à Série B (quando dirigiu a equipe em apenas nove jogos) e um vexame no Paranaense 2021, até mudar o cenário e conquistar o acesso imediato à elite na mesma temporada e, neste ano, comemorar o título estadual.
Mas depois de um bom início na Série A, seu time entrou em queda livre até a ZR. Prestigiado pela diretoria em outros tempos – com direito a promessa de permanência ilimitada no clube –, não resistiu e foi trocado por Guto Ferreira em uma tentativa final para evitar mais uma queda.
Consciente quanto à sua entrega completa pelo clube, o paraguaio fez um balanço dos quase dois anos em que respirou Coritiba "24 horas por dia", como ele faz questão de frisar. Falou francamente sobre as dificuldades, os erros, a vontade de trabalhar no Brasil novamente e, principalmente, sobre o principal inimigo do clube atualmente: o medo constante de falhar.
"A pressão está instalada no clube. Falei desde a minha chegada, em 2020, que o dia seguinte – e digo isso porque falei com todos lá – era muito marcado pelo resultado que se tinha no dia anterior. Você poderia chegar um dia após uma vitória e o clube estava esplêndido, todos brilhando. E quando vinha de uma derrota, o clube estava diferente desde a entrada. Então, a falta de confiança, a insegurança que havia lá dentro, de pensar ‘vamos cair’, ‘estamos indo mal novamente’, é uma luta mental que não consegui vencer. Sempre falei para acreditarem, mas reconheço que não pude contra isso".
Confira a entrevista completa:
Pouco mais de um mês após sua saída do Coritiba, como definiria sua relação com o Coritiba? Segue acompanhando o time?
Venho acompanhando muito. Mais pelas pessoas que ficaram, pelos amigos, pela relação que nesse tempo criei com muita gente, diretoria, jogadores, comissão técnica… Ficou uma relação de amizade, de agradecimento e também um pedaço do meu coração, torcendo para que o Coxa ande bem.
Qual foi seu sentimento no momento em que o trabalho foi interrompido? Você percebeu um desgaste?
Meu primeiro sentimento foi de tristeza, não vou negar. Porque foi um esforço muito grande de todos, com as dificuldades que todos conhecem. E por não poder cumprir o que prometi para a diretoria, amigos, presidente, de que sim, conseguiríamos permanecer na Série A – coisa que realmente eu estava convencido de que poderia fazer. Era um momento de dificuldade, mas havíamos recuperado um pouco o jogo, jogando bem, mas não ganhando. Aquele jogo contra o Goiás foi bem jogado, contra o Atlético-MG não fomos mal também. Diante do Santos, que perdemos no final, também jogamos bem. Muitos jogos que realmente tivemos mérito para ganhar e terminamos perdendo, como o Atletiba mesmo.
E sobre essa maneira de jogar, essa entrega que estávamos fazendo, não estávamos conseguindo resultado. Então, com a dificuldade que tivemos de lesões, de posições – quando perdemos o Igor [Paixão, negociado com o Feyenoord, da Holanda] – ficamos muito limitados. Um pouco triste por não poder contar com todos e não poder cumprir com a minha palavra nesse momento, mas também tranquilo porque acho que não podem reclamar da minha entrega, trabalho e honestidade. Sempre falei com os jogadores, com todos, de frente. Podem não gostar do meu trabalho, isso é gosto pessoal, mas da pessoa não. Entregamos tudo, dei 100%. Fiquei praticamente dois anos sozinho em Curitiba, entregando-me somente ao Coxa 24 horas, mas não consegui. E esse é o motivo da tristeza. Por terminar uma etapa com um clube que quero muito, que amo, essa é a verdade, porque ainda assisto a todos os jogos.
O que levou o Coritiba a cair de produção tão bruscamente após vencer o Estadual e iniciar bem o Brasileirão?
Há momentos específicos que marcam muito essa pergunta. Um deles é o tema do elenco. Quando Wilson foi embora, tínhamos o Muralha e queríamos mais um goleiro. Não estávamos descontentes com o que tínhamos, mas sabíamos que a Série A era um pouco mais exigente. A lesão do Andrey nos deixou muito desbalanceados e muitos jogadores não recuperaram seu nível, jogadores que tínhamos fé e esperança de que poderiam ocupar esse lugar. Ficamos um pouco curtos com o tema de extremos, coisa que estávamos buscando muito, com muita insistência e foi notado durante a temporada. Isso se acentuou quando o Paixão já estava por sair, o que aconteceu mais ou menos um mês antes de nós deixarmos o clube. Esse foi o momento em que se começou a falar da saída do Paixão e se notou que ele baixou o rendimento. Lógico, é normal, não era culpa dele, era culpa do que se falava. Era algo inevitável, praticamente, para qualquer pessoa.
E houve alguns erros que tivemos todos em diferentes tipos de partidas, sem dar nomes, sem dizer em quais jogos, porque seria culpar e não quero culpar a ninguém. Assumi sempre minha responsabilidade como pessoa, como homem, profissional. Poderíamos ter conquistado pelo menos sete, oito ou nove pontos que deixamos escapar por erros, vamos dizer, de todos. Mas repito, sou o primeiro culpado. Não pudemos aproveitar e terminamos sendo pressionados por nós mesmos dentro do clube pela história recente de muitos acessos e rebaixamentos. E o medo disso se repetir nos colocou uma pressão interna. O pior inimigo que podemos ter somos nós mesmos.
O medo do rebaixamento afetava o clima internamente, é isso?
A pressão está instalada no clube. Falei desde a minha chegada, em 2020, que o dia seguinte – e digo isso porque falei com todos lá – era muito marcado muito pelo resultado que se tinha no dia anterior. Você poderia chegar um dia após uma vitória e o clube estava esplêndido, todos brilhando. E quando vinha de uma derrota, o clube estava diferente desde a entrada. Então, a falta de confiança, a insegurança que havia lá dentro de pensar ‘vamos cair’, ‘estamos indo mal de novamente’, é uma luta mental que não consegui vencer. Sempre falei para acreditarem, mas reconheço que não pude contra isso.
Sob o comando do Guto Ferreira, o Coxa venceu dois jogos e perdeu outros três até aqui. À distância, acredita que o time tem evoluído?
Vou falar como torcedor, não como ex-treinador. Acho que o time fez bons jogos, mas a questão dos jogos fora de casa é mental, na minha opinião. Tampouco está se aproveitando do momento de queda de muitas equipes que estão abaixo da gente, com dificuldades de ganhar, que estão ficando há muito tempo entre os quatro últimos. Não estão conseguindo abrir uma vantagem [para a zona de rebaixamento] e isso fica sendo perigoso sempre. Conheço o Guto do seu trabalho do Bahia, sempre gostei. Acho que é um profissional muito competente, como a maioria dos treinadores brasileiros. É questão de seguir confiando. Não me sinto em condições de dar uma opinião mais elaborada, porque estou limitado à televisão, não estou nos treinamentos, não sei o que se passa lá dentro e essa é uma informação necessária para dar um panorama do que acontece ou pode acontecer. Respeito muito o trabalho do Guto, os jogadores. Tenho muitos parceiros com quem sigo falando, jogadores, comissão, diretoria, sempre desejando coisas boas e torcendo para que tudo corra bem.
Na sua saída, ficou claro que a diretoria gostava de seu trabalho, mas a permanência ficou insustentável sem resultados. Como estava a relação com a diretoria?
A relação, desde meu terceiro mês, vamos dizer, sempre foi muito boa, muito aberta. Eles me conhecem, sempre fui uma pessoa frontal, direta, muito transparente. A relação permaneceu como estava. Sempre falei a eles que dissessem a verdade para mim, que não havia nenhum problema. É uma coisa lógica que o clube esteja preparado, buscando outro treinador. O clube não pode depender de uma pessoa, nem de um projeto. É preciso ter plano A, B e C. Isso não me incomoda em nada. E o momento em que culminou tudo foi triste, talvez pela relação que tínhamos, de cortar isso, profissionalmente falando. Seguimos sendo amigos, falo com todos da diretoria, desejo sorte e força a cada jogo. A relação fica igual. Meu desejo é em algum momento voltar ao Couto Pereira, ver de fora, entre os torcedores, o Coxa ficar na Série A. E não sofrer mais. Confio muito que isso pode ser feito.
É uma promessa?
Claro. Eu me sinto assim. Sinto que não devo nada. Sou um coxa-branca a mais, um torcedor a mais e gostaria de ver um jogo lá [no estádio]. Fica o carinho não só ao clube, também à cidade. Em quase dois anos, nunca me faltou respeito, nunca. Me apaixonei por Curitiba. E pelo clube, claro.
Como era sua relação com René Simões?
Sim, foi boa. Não foi muito do jeito que eu queria. Queria um pouco mais no início. Claro, você nunca deixa de ser ex-jogador e ex-treinador. Isso é um pouco difícil. Todos somos torcedores. Não foi, talvez, do jeito que eu queria, mas sempre com sinceridade e honestidade. Uma pessoa com muitos valores que respeito e compartilho como bandeira. E, na verdade, lamentei sua saída. Quando me falaram, falei para a diretoria que achava injusto, porque as decisões sempre foram tomadas por mim. Achei injusto, mas o futebol é assim. Te dá e te tira. A decisão foi da diretoria e, claro, respeitamos.
A diferença financeira do Coritiba para outros clubes pesou a que ponto para a temporada se tornar, mais uma vez, uma briga contra o rebaixamento?
Infelizmente, pelo orçamento que tínhamos, pela reconstrução do clube, esse trabalho levou muito do orçamento que teríamos para buscar reforços. Havia muitos problemas e a diretoria priorizou solucionar os problemas financeiros, as dívidas, organizando internamente. Então, realmente, sem faltar respeito a ninguém, nós não poderíamos buscar reforços. Só poderíamos buscar oportunidades que apareciam de acordo com o que o mercado dava – ou o que restava. Repito, sem desrespeitar ninguém. E essas oportunidades teríamos que aproveitar. Mas às vezes as perdíamos para times mais poderosos, para outras camisas, para outros orçamentos e também outras preferências. Então, ficávamos limitados a um mercado menor e cada vez essa diminuição minimizava as nossas possibilidades. Mesmo com tudo isso, acreditava que poderíamos [melhorar]. Era um momento ruim, de muitos jogos, mas poderíamos sair desse momento. Já tínhamos demonstrado que o time era outro e jogava muito quando queria jogar. Com o apoio da nossa torcida, que é maravilhosa, éramos muito fortes no Couto. Somente perdemos do Palmeiras, Atlético-MG e Santos. E empatamos com São Paulo e Juventude. Teve a derrota no Atletiba também. Mas o Couto era uma fortaleza onde nos sentíamos muito cômodos, fizemos grandes jogos. Fizemos grandes jogos fora também, mas não ganhamos, infelizmente. E tínhamos uma filosofia de jogo. Você sabia como jogava o Coxa.
Em algum momento você se arrependeu de não ter aceitado propostas para sair do Coritiba após o acesso na Serie B?
As propostas foram financeiramente importantes, mas como disse antes, nunca quebrei minha palavra. E realmente nunca duvidei do que estava fazendo. Eu me coloquei nesse lugar e teria que honrar com trabalho, sinceridade, honestidade, sem entrar em tentações de outros mercados, economicamente. Então, minha decisão sempre a de foi ficar com o Coxa. Neste momento, estou aguardando, recapitulando tudo que aprendi. Adoro o futebol brasileiro, gosto muito. Estou me preparando muito, assistindo jogos e quero voltar [ao Brasil] porque gostei muito. Estou dando um tempo em casa com minha família, minha esposa, meus filhos. Estar quase dois anos fora foi f… [risos]. É muito pesado e eles sentem também. Estou me preparando para o futuro, porque acredito muito no nosso trabalho e no que podemos fazer. E quando chegar o momento de dizer sim novamente, poder dar 100% como nossa comissão está acostumada a fazer.