Barrados do Couto: quase dois mil torcedores do Coritiba estão proibidos de entrar no estádio
Na tarde desse domingo (4), quase dois mil torcedores do Coritiba não puderam comemorar in loco os gols de Robson e Geovane Meurer na virada do Alviverde sobre o Andraus. Ao todo, 1.775 torcedores estão proibidos de entrar no Couto Pereira por causa de uma decisão liminar da Justiça pela briga na Vila Capanema, contra o Cruzeiro, em novembro do ano passado. A medida é válida por um ano.
Com a decisão, torcedores, sócios e ex-sócios das organizadas do clube descobriram apenas na véspera do jogo que não poderiam acessar o estádio. Entre os barrados estão crianças, idosos e até mesmo pessoas que não estiveram na Vila no dia da briga.
Em conjunto com o Comando de Policiamento Especializado Batalhão de Polícia de Choque do Estádio do Paraná, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) conseguiu a proibição de entrada não só dos materiais das torcidas organizadas Império Alviverde e Dragões Alviverde, mas dos próprios membros dessas torcidas.
Roberta Abrão, da torcida feminina Gurias do Couto, descobriu no sábado (5) que estava entre as pessoas proibidas de ir ao estádio. A administradora de 41 anos soube por um grupo no WhatsApp que não poderia assistir às partidas do clube que torce há quase dez anos.
“Eu fiquei bastante chateada no sábado. Fiquei muito revoltada porque [a decisão] está tirando meu direito de ir e vir. A gente fica incrédulo com a maneira como a Justiça coordena e lida com todo o tipo de situação", revolta-se a torcedora.
"Eu entendo a necessidade de ações mais firmes para que a gente tenha segurança nos jogos de futebol, mas dizer que a torcida organizada no geral é violenta, é uma mentira. A gente fica descrente da Justiça por não ter coerência essa ação", completa.
Às 17h do mesmo dia, ela recebeu um e-mail do clube comunicando a suspensão temporária dos direitos de uso do plano de sócio torcedor. No dia da briga na Vila Capanema, a torcedora ainda não era associada da Império. Roberta virou membro apenas na semana seguinte, mas mesmo assim foi inserida na proibição do MP-PR.
"Eu estava na Vila Capanema, a torcida adversária infelizmente atacou os materiais da Império. Me associei para ajudar a repor os materiais que foram danificados. Para mim, a bateria e as bandeiras fazem o jogo e a torcida mais vibrantes. Infelizmente acabei prejudicada”, explicou.
Já Leandro Requena não estava em Curitiba no dia da confusão e também foi punido pela decisão. O gerente de negócios de 49 anos descobriu pelas redes sociais que estava impedido de entrar no Couto.
O coxa-branca não faz mais parte da Império Alviverde e, segundo ele, não paga mais a mensalidade há cerca de dez anos. Conhecido entre os torcedores alviverde na internet, com mais de oito mil seguidores, Requena chegou a brincar com a situação.
"Tô proibido de entrar no Couto Pereira. #quefase", publicou em sua conta no Twitter, com o print da tela de check-in para a partida que informava que a conta estava bloqueada por decisão judicial.
O torcedor assistiu ao jogo de casa, mas pretende acionar a Justiça caso a decisão não seja derrubada ainda nesta semana.
“Eu fiquei bem bravo porque sou sócio da Império e faz muitos anos que não pago a mensalidade. Estou como sócio inativo. Não fizeram nenhuma distinção de quem estava na briga e quem é sócio da torcida. Parece até que fizeram para prejudicar”, critica.
Três gerações barradas
Willian Magalhães Buss, 33, costuma ir ao Couto acompanhado do pai, Ademir, de 54 anos, e do filho, Antony, de três. O trio é sócio do clube e acompanha de perto cada jogo do Coritiba. No sábado, descobriram que nenhum dos três poderia entrar no estádio.
"É triste. Achei incompetência do Ministério Público e da Polícia. Eles não estão punindo realmente os culpados pela briga, estão punindo todo mundo que simpatiza ou foi da Império um dia", afirmou o auxiliar administrativo.
Sócio também da Império há 14 anos, Willian sugeriu que o pai se associasse durante a pandemia de Covid-19 para ajudar financeiramente a torcida, que sofria com a restrição de público nos jogos. Quando Antony nasceu, em 2021, o pai também inscreveu o pequeno na organizada, passando o legado de torcer para frente.
Coma a chegada do filho, Willian se afastou da torcida e passou a assistir aos jogos em um local mais tranquilo. "Tomava bastante tempo, então eu resolvi me afastar e deixar para a piazada que tinha mais tempo. Parei de ir na loja e, quando meu filho atingiu uma certa idade, começamos a ir ao jogo por conta", explicou.
Proibido de entrar no estádio, o coxa-branca conta que assistiu ao jogo de domingo pela televisão e o filho pediu para ir ao estádio. "Quero ir para o Couto, papai", o menino pediu. "Ele é doente pelo Coxa, tudo para ele é o Coritiba", afirma o pai.
Império tenta derrubar a decisão
A Império Alviverde, por meio do advogado Jeffrey Chiquini, tenta reverter a situação. A equipe jurídica da torcida entrou com recurso na Justiça contra a decisão na última sexta-feira (2).
Até a tarde desta segunda-feira (5), em contato com o UmDois Esportes, a equipe afirmou que ainda aguardava a análise do agravo. Nas redes sociais, Chiquini falou sobre o caso. "Estamos lutando para derrubar essa absurda proibição. Há inúmeros argumentos jurídicos para lutar contra essa decisão. Estamos dando o nosso melhor para o quanto antes derrubar", explicou o advogado.
Confira a nota da torcida Império na íntegra:
NOSSA FORÇA É NOSSA VOZ!
Conforme exposto pelo Coritiba e pelas autoridades, os sócios ativos e inativos da Império Alviverde não poderão entrar no Couto Pereira neste domingo, diante do Andraus, pelo Campeonato Paranaense de 2024.
Essa é uma decisão inédita na história do clube e da torcida. Serão centenas de torcedores que pagam em dia suas mensalidades e até mesmo a anuidade como Sócios do CORITIBA e que estarão impedidos entrar no estádio e não poderão torcer e acompanhar o clube do coração, mesmo sem terem praticado qualquer tipo de ato ilícito.
Após receber a informação dessa proibição, a IAV buscou seus direitos juridicamente, porém, infelizmente a resposta das autoridades não veio em tempo hábil para o próximo jogo. Portanto, o acesso dos sócios do Coritiba que também são associados da Império (mas, acima de tudo, torcedores como todos os demais) ao estádio neste domingo (04/02) está impedido.
Mais uma vez lamentamos a decisão unilateral e pedimos paciência aos sócios da instituição que serão impedidos de acessarem o estádio amanhã. Reforçamos o nosso compromisso em cumprir todas as obrigações impostas, porém não mediremos esforços para resguardar e lutar pelos nossos direitos como torcedores.
Por isso, pedimos a todos que acatem as determinações para não prejudicar a torcida e o próprio clube, até que tenhamos uma devolutiva favorável para que possamos retornar às arquibancadas do nosso estádio e poder seguir com a festa ao lado do nosso time, LIVRES PARA TORCER! IAV
Coritiba se posicionou nas redes
O Coxa se manifestou em dois momentos sobre a proibição da torcida no estádio. Na primeira nota publicada nas redes sociais e no site oficial da instituição, no sábado (3), o clube pede "compreensão e colaboração" dos impedidos de acessar o Couto.
A nota foi bastante criticada pela torcida nas redes sociais. No dia seguinte, no domingo (4), o clube publicou mais um posicionamento, desta vez, criticando a decisão da Justiça e manifestando apoio aos torcedores barrados.
O UmDois Esportes tentou contato com a diretoria do clube para saber se alguma providência será tomada em relação aos torcedores, mas não obteve resposta.
Confira as notas do Coritiba abaixo:
"O Coritiba informa que recebeu, do Comando de Policiamento Especializado Batalhão de Polícia de Choque do Estádio do Paraná, a comunicação do impedimento de acesso dos membros da Torcida Organizada Império Alviverde ao Estádio Major Antônio Couto Pereira, conforme listagem apresentada pelo órgão oficiante, a partir da data de 01 de fevereiro de 2024. Desta forma, o Coritiba irá restringir o acesso ao estádio dos torcedores listados a partir do próximo jogo, domingo (04), bem como suspenderá o direito de acesso ao Couto Pereira, conforme estabelecido pelo Termo de Adesão ao Plano de Sócio, pelo prazo determinado em decisão judicial. Pedimos a compreensão e colaboração, pois estamos seguindo as determinações dos órgãos competentes. Estamos em constante comunicação com as autoridades para buscar soluções que permitam a retomada plena do acesso ao estádio o mais breve possível", publicou o clube no sábado (5).
"Em virtude dos reflexos da decisão judicial que impôs ao Coritiba a obrigação de vedar o acesso dos torcedores e sócios do clube vinculados às torcidas organizadas, vimos a público destacar que o maior patrimônio do clube é o seu torcedor "que nunca abandona". Neste sentido, apesar de termos sido obrigados a cumprir a determinação judicial, ratificamos nossa inconformidade com a punição aleatória de sócios do clube, exclusivamente pelo fato de constarem da lista de membros filiados às torcidas organizadas. O Coritiba reforça a posição de que as punições sejam individualizadas para o bem do esporte. Contudo, não concordamos que essa suposta individualização seja estendida a todos os membros das torcidas organizadas. Inclusive, no momento oportuno, o clube, em conjunto com as torcidas organizadas e as autoridades policiais, adotou todas as medidas necessárias para assegurar a identificação dos autores do tumulto ocorrido no estádio Durival de Brito em 2023. Isto, inclusive, para evitar que eventual punição se estendesse, inadequadamente, a torcedores que não participaram daquele trágico evento e/ou que sequer estavam presentes no estádio. Lamentamos profundamente que sejamos obrigados a cumprir a decisão judicial no jogo desta tarde no Estádio Couto Pereira e reiteramos nosso apoio e respeito incondicional a todos os torcedores alviverdes, que ao longo dos 114 anos de história, foram e continuarão sempre sendo os protagonistas da grandeza do Clube. Seguiremos sempre juntos pelo Alto da Glória.", escreveu o Coxa no domingo (4).
Relembre a briga
No dia 11 de novembro de 2023, no jogo entre Coritiba e Cruzeiro, válido pela 32ª rodada do Brasileirão, uma briga generalizada entre a torcida da Raposa e do Coxa interrompeu o jogo por cerca de meia hora.
Depois do gol de Robson, que abriu o placar para o Alvivrde, a torcida do Cruzeiro invadiu o gramado, em seguida, a torcida coxa-branca foi ao encontro dos visitantes e a confusão só se encerrou quando a PMPR foi acionada.
Semanas depois, a Polícia Civil indiciou 15 torcedores do Coritiba e dez do Cruzeiro. O clube alviverde cancelou os sócios dos envolvidos e eles foram proibidos de entrar no Couto Pereira até o fim da investigação.
No mesmo mês, o Ministério Público do Paraná (MP-PR) proibiu a entrada da torcida organizada Império Alviverde em estádios de futebol de todo o estado. A justificativa foi de "evitar atos de violência".
Atualização: Na manhã desta terça-feira (6), o Ministério Público do Paraná (MP-PR) enviou um posicionamento ao UmDois Esportes sobre a proibição dos torcedores. Confira a nota na íntegra abaixo.
"A proibição da entrada de torcedores das torcidas organizadas Império Alviverde e Dragões Alviverde, do time Coritiba Foot Ball Club, consta de decisão liminar (Autos número 0038903-80.2023.8.16.0001) do Juízo da 19ª Vara Cível de Curitiba, a partir de ação civil pública apresentada pelo Ministério Público do Paraná, por meio da Promotoria de Justiça de Defesa ao Consumidor de Curitiba. A medida judicial decorre de episódios de violência ocorridos em jogo do Coritiba com o Cruzeiro Esporte Clube, no dia 12 de novembro, no Estádio Durival Britto, na capital, quando diversos integrantes das organizadas invadiram o campo e entraram em confronto.
Não há que se falar em qualquer ofensa aos direitos dos consumidores, uma vez que se trata de punição prevista na própria Lei Geral do Esporte (Lei 14.597/2023, artigos 183 e 184) – trechos a seguir:
Art. 183 § 2º A torcida organizada que em evento esportivo promover tumulto, praticar ou incitar a violência, praticar condutas discriminatórias, racistas, xenófobas, homofóbicas ou transfóbicas ou invadir local restrito aos competidores, aos árbitros, aos fiscais, aos dirigentes, aos organizadores ou aos jornalistas será impedida, bem como seus associados ou membros, de comparecer a eventos esportivos pelo prazo de até 5 (cinco) anos.
Art. 184. O disposto no § 5º do art. 178 e no § 2º do art. 183 desta Lei aplica-se à torcida organizada e a seus associados ou membros envolvidos, mesmo que em local ou data distintos dos relativos à competição esportiva, nos casos de:
I - invasão de local de treinamento;
II - confronto, ou induzimento ou auxílio a confronto, entre torcedores;
III - ilícitos praticados contra esportistas, competidores, árbitros, fiscais ou organizadores de eventos esportivos e jornalistas direcionados principal ou exclusivamente à cobertura de competições esportivas, mesmo que no momento não estejam atuando na competição ou diretamente envolvidos com o evento.
As relações de torcedores foram entregues pelas próprias torcidas organizadas à Polícia Militar, que as repassou ao Judiciário, conforme determinação da decisão liminar. De toda forma, destaca-se que a obrigação de manutenção de cadastro atualizado de seus associados pelas torcidas organizadas está prevista na própria legislação (artigo 178, § 4º da Lei 14.597/2023 – Lei Geral do Esporte), que estabelece ainda que a torcida organizada responde civilmente, de forma objetiva e solidária, pelos danos causados por qualquer de seus associados ou membros no local do evento esportivo, em suas imediações ou no trajeto de ida e volta para o evento", escreveu o MP.