Fãs expõem condições precárias de Vila da Copa com diária de R$ 1000
Há pouco mais de 15 quilômetros do centro da moderna Doha, torcedores que vieram assistir à Copa do Mundo estão enfrentando temperaturas que ultrapassam os 35ºC em contêineres com ar-condicionado quebrado, água suja e chuveiros quebrados na companhia de dezenas de trabalhadores que ainda operam no espaço inacabado.
Há longas filas para check-in e relatos de pessoas que tiveram de dormir a primeira noite desabrigadas por falta de quartos disponíveis, apesar de terem reservas pagas.
Esta ainda é a realidade de alguns torcedores nas Cabines da Vila dos Fãs, em um local chamado Free Zone, mas comparado por sul-americanos a uma "favela" no Catar.
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O governo do país já teve de oferecer reembolso integral e encontrar novas acomodações para turistas furiosos com o que encontraram na localidade. O valor das diárias pode alcançar 210 dólares por noite, mais de R$ 1.100.
Quando pegamos a Linha Vermelha do metrô de Doha e desembarcamos na estação Free Zone, uma breve caminhada de dez minutos nos deixa na entrada da Vila.
Imediatamente vemos turistas recém-chegados do aeroporto, com grandes malas, em uma longa fila sob o sol na aridez do deserto.
A poucos metros, torcedores empilham almofadas na área do telão de jogos para criar sombras no calor escaldante.
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Os primeiros metros, no entanto, são encantadores. Há um corredor central de grama sintética com mercado, farmácia e diferentes food trucks de comida internacional. Um café Starbucks faz sucesso.
Quando avançamos rumo ao interior do imenso complexo que deve abrigar até 60 mil fãs, no entanto, o panorama muda rapidamente.
Argentinos desfrutam estadia na "zona nobre"
Em um dos
primeiros corredores transversais, dois argentinos descansam sem camisa sob a
sombra do próprio contêiner.
“Somos sortudos. Temos wi-fi, um banheiro bom, que funciona. Mas fazemos parte de um grupo maior e nem todos estão felizes”, conta Germán, de Mar del Plata.
“Nos disseram que o complexo teria até academia, mas é uma piada. Os telões para ver jogos ficam tão lotados que é impossível de assistir. Diziam que teríamos limpeza no quarto a cada três dias, mas se não formos atrás cobrar, ninguém aparece. Pagamos caro demais para o que nos oferecem”, emenda Martín, de Buenos Aires.
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Eles contam que
alugaram o quarto ainda em abril e pagaram 135 dólares cada por noite. Eles
ficarão por um mês. “Quanto mais avançamos para os fundos, mais se parece com
uma favela”, reforça Germán.
Água suja, chuveiro quebrado, ar que não funciona e obras em andamento
Quando caminhamos complexo adentro, a primeira coisa que chama a atenção é o alto número de trabalhadores.
Passa do meio-dia e a maior parte dorme sob a sombra dos contêineres no intervalo do almoço. Os termômetros marcam 30ºC. A sensação térmica é muito pior.
No horizonte, avista-se uma área completamente inacabada, com construção a todo vapor, trabalhadores indo e vindo, máquinas e poeira no ar.
Encontro um casal de brasileiros em minha direção. Eles contam que levaram duas horas apenas para fazer o check-in na habitação.
“A ideia em si foi muito boa. Mas tivemos muitos problemas. Quando chegamos, vazava água do box do chuveiro e o ar-condicionado não funcionava”, conta o engenheiro de produção, Vitor Rossini, 26 anos.
“Ficamos uns dias apenas com o ventilador do ar. Fica muito quente. Acordamos pingando suor”, complementa a administradora, Carol Rossini, 28.
Eles contam que conheceram brasileiros que forma colocados em quartos recém-construídos com água suja e cheiro de esgoto. Outros tiveram de passar a primeira noite desabrigados, por falta de quartos.
Mais à frente,
um grupo de amigos do Curdistão almoça sentado no chão. Não há cadeiras. “Não é
bom. O chuveiro não funciona. Não tem água e a parte elétrica é ruim”, diz
Mohammad Adris.
Preço de luxo no pior hotel da vida
Os bolivianos Rodrigo Queiros, 32, e Camila Fiorilo, 31, mexem no computador. Eles compraram um pacote que inclui café-da-manhã e jantar e pagaram mais de 200 dólares por noite, por pessoa.
“O wi-fi não funciona. Não é o que nos prometeram”, inicia Queiros.
“O ar-condicionado é uma maquininha, não basta. O preço não faz jus ao local. Antes daqui estivemos no Bahrein, Dubai e Egito e ficamos em hotéis muito melhores por preços muito menores”, prossegue.
“Quanto mais fundo você vai, mais feio é. Há problemas nos banheiros. Tem obras e trabalhadores o dia todo. Brincamos que é o hotel mais caro em que já ficamos na vida. E também o pior”, brinca Camila.
"Quando cruzamos a rua para os fundos é como sair do bairro nobre e chegar à favela", reforça Queiros, usando a mesma expressão dos argentinos Martín e Germán.
Já o mexicano Marcos Cruz, 46, conta que teve de dormir sem colchão na primeira noite. “Os primeiros dias foram um caos. Estava sujo e horrível. É complicando pois ainda agora há trabalhadores se esmerando para concluir as obras”.