Entrevista

Brasileiro mais antigo da liga do Catar, ex-Coxa conta tudo sobre o país da Copa do Mundo

Por
Fernando Rudnick
19/09/2022 19:40 - Atualizado: 04/10/2023 20:00
Brasileiro mais antigo da liga do Catar, ex-Coxa conta tudo sobre o país da Copa do Mundo
| Foto: Divulgação

Nove temporadas, oito anos e quatro clubes. Para o curitibano Lucas Mendes, formado pelo Coritiba, não falta conhecimento para falar sobre o Catar, país que recebe a próxima Copa do Mundo daqui a dois meses – o torneio começa em 20 de novembro.

Brasileiro não-naturalizado há mais tempo na liga local, o zagueiro contou, em entrevista ao UmDois Esportes, como está a reta final de preparação para o Mundial, curiosidades da região e o que o torcedor brasileiro pode esperar da primeira Copa no Oriente Médio.

+ Confira a tabela da Copa do Mundo

Claro, Lucas também comentou sobre um possível retorno ao Coxa no futuro. "Seria um sonho voltar, mas, como eu falei, não sei o que vai acontecer ainda. No futebol as coisas acontecem muito rápido e no momento estou muito feliz aqui", diz o atleta do Al-Wakrah e vizinho do Lusail Iconic Stadium, palco da final do Mundial, marcada para 18 de dezembro.

Assista à entrevista ou leia abaixo:

Como está a reta final de preparação aí no Catar?
Já está na contagem regressiva, né? Acho que a preparação do Mundial começou há muito tempo e agora, chegando perto, a cidade já está em clima de euforia. A gente já vê que está aumentando o número de pessoas na cidade, está bem congestionado o trânsito, e o metrô funcionando muito bem. Então, tudo pronto já para receber a Copa do Mundo.

Localizando pra gente, onde você mora atualmente?
Eu moro em Lusail. É até engraçado que quando eu cheguei aqui não existia nada, era praticamente deserto. Era areia e eles construíram muito rápido. Onde eu moro acho que dá uns 3 km de onde vai ser a final da Copa, que é o estádio de Lusail.

Antes de chegar no Catar você atuou na França. Como foi o caminho para chegar até aí?
Eu sai do Coritiba em 2012. Fiquei dois anos na França, no Olympique de Marseille, que é um grande clube – um dos maiores em termos de história da França, é o único clube que ganhou a Champions League na França. Agora tem o Paris, né? Que tem o Qatar por trás, que dá todo o suporte, tem uma equipe extraordinária e tem tudo para ganhar em breve uma Champions. E em 2014, acabei vindo para o Catar. Na verdade, aconteceu muito rápido. Chegou uma proposta e o clube também precisava fazer dinheiro porque estava numa situação meio difícil, e eles acabaram optando por me vender. Para mim também era uma condição muito boa, acabei aceitando e vim para cá. É bem diferente do que a gente está acostumado, acho que a principal diferença foi a cultura. Até acostumar tudo direitinho ou saber como é que funcionavam as coisas, é uma coisa diferente da Europa. Então, acho que a maior dificuldade foi me adaptar aqui na chegada, e depois já estou aqui há 8 anos.

Qual foi sua maior dificuldade de adaptação?
Acho que a língua também atrapalhou um pouco. Eu cheguei na França, não falava nada, aprendi o francês e, quando aprendi o francês, acabei vindo para o Catar. E aí já era inglês, totalmente diferente. Tinham algumas pessoas que falavam francês que me ajudaram muito, então isso foi muito bom. Mas com certeza acho que a cultura, os costumes daqui, até a gente aprender como é que é, aprender a respeitar a cultura deles, como funciona. Aqui, às vezes é um pouco mais demorado para resolver as coisas.

Dá um exemplo dessa burocracia…
Principalmente, em termos da regularização de fazer a identidade aqui. Tipo, eles precisam de um tempo até regularizar, fazer o visto, e às vezes precisa sair do país e voltar de novo para conseguir uma identidade. E isso demorou um pouco, mas depois que você consegue essas coisas um pouco burocráticas, acaba tudo ficando mais fácil, e você acaba se acostumando. Tanto que eu já estou há oito anos, na nona temporada aqui.

Lucas Mendes joga no Catar há oito anos. Foto: Divulgação
Lucas Mendes joga no Catar há oito anos. Foto: Divulgação

Como fica a comunicação aí no seu dia a dia?
Aqui é praticamente em inglês, né? O árabe é muito difícil. Claro que eu sei algumas coisas, algumas palavras, alguma coisa mais simples assim, mas conversar em árabe mesmo é praticamente impossível. Acho que teria que viver muito mais tempo aqui para conseguir dialogar e conversar com uma pessoa totalmente em árabe. Então é só inglês mesmo.

E a culinária, como é?
Tem de tudo, inúmeros restaurantes para visitar, a comida local também é muito boa. No começo você sente aquela diferença, é um pouco diferente, mas você vai provando uma, duas, três vezes, e daqui a pouco já é costume. Uma comida muito gostosa e restaurante internacional de todo tipo: japonês, coreano, italiano, comida de todos os lados.

Como o Catar é um país pequeno, como você imagina que vai ser a locomoção durante a Copa?
Tem o metrô. Acho que vai ser uma facilidade para o turista aqui. O estádio mais longe um do outro acredito que seja uma hora de metrô, então é como se a gente estivesse recebendo uma Copa do Mundo aí em Curitiba. Vamos dizer assim: é tudo muito perto. Acho que pra quem quiser andar de carro ou táxi, alguma coisa, vai estar bem congestionado. Acho que o conselho que eu daria é focar no metrô, procurar as linhas do metrô que eu acho irá render bem.

Você já está no quarto clube aí no Catar?
Sim, eu cheguei aqui no Al-Jaish, fiquei três anos. Aí depois eles acabaram fundindo, na verdade juntaram o Al-Jaish com o Al-Rayyan, que acabou virando Al-Duhail, aí fiquei uma temporada e meia. Fiquei seis meses no Al-Gharafa, e agora estou há três anos já quase no Al-Wakrah.

E o que imagina do desempenho da seleção local na Copa e a influência do calor nos jogos?
Acho que a equipe do Catar está preparada, tem bons jogadores. Eles fizeram um projeto muito bom, a Aspire Academy, de onde saíram muitos jogadores que estão na seleção no Catar, muitos jogadores com qualidade que poderiam estar jogando em outros lugares. E acredito que desde quando eu cheguei, a liga evoluiu muito. Trouxeram muitos estrangeiros de qualidade, o que ajudou a elevar o nível. Realmente, faz muito calor aqui, tanto que agora a gente está no período do verão, indo para o final do verão, e continua muito calor. A gente treina sem ar condicionado e acaba sofrendo um pouco, mas os jogos realmente estão sendo em ar condicionado. Acredito que nem precisaria para a Copa do Mundo, por ser em dezembro, mas é claro que eles estão se prevenindo para tudo e tem tudo para ser uma Copa do Mundo das melhores.

E como é o comportamento das torcidas aí? Lembra alguma coisa do Brasil?
Ah, é diferente. Claro que têm os clubes mais tradicionais que têm um pouco mais de torcida. A gente viu que nas duas, três últimas temporadas o pessoal, árabe mesmo que eu digo, está vindo mais para o estádio e está acompanhando mais as equipes, acompanhando mais o que acontece no dia a dia e tem grande torcida. Teve um jogo, que foi inauguração do estádio do Al-Rayyan, que era o último estádio que faltava para inaugurar. Tinham quase 80 mil pessoas no estádio, então o pessoal gosta muito e está indo. Os estádios vão estar cheios na Copa do Mundo.

O povo do Catar tem aquela paixão pelo futebol brasileiro também?
O pessoal gosta muito de brasileiro, tanto que quando cheguei aqui, em 2014, cada equipe tinha dois brasileiros, vamos dizer assim. Caiu um pouco o número de brasileiros, acho que tanto pelo momento que a seleção viveu, principalmente, depois daquele 7 a 1 contra a Alemanha, mas agora está voltando, o pessoal gosta muito de brasileiro e têm brasileiros que se destacam muito, então o pessoal acaba se apegando bastante.

Al-Wakrah tem uniforme parecido com a seleção argentina. Foto: Divulgação
Al-Wakrah tem uniforme parecido com a seleção argentina. Foto: Divulgação

O uniforme do seu clube é uma homenagem à seleção da Argentina...
Então, na verdade tem uma história engraçada que eu fiquei sabendo há pouco tempo. O primeiro uniforme da equipe que eu estou, que é o Al-Wakrah, foi amarelo e verde, tanto que a gente jogou ontem com esse amarelo – que foi o primeiro uniforme da equipe na história, isso não sei quantos anos atrás, e agora relançaram. Mas, acho que tem mais a ver com o Brasil do que com a Argentina, e que só foi uma coincidência as cores aí azul e branco depois.

Você passou por alguma situação engraçada aí pela diferença de cultura ou língua?
Têm muitos acontecimentos que a gente vai vivendo no dia a dia aqui. Quando cheguei aqui não falava muito inglês, e tem muita gente, principalmente os trabalhadores, os roupeiros essas coisas, que não falam muito bem inglês, é só o árabe mesmo. E lembro que eu queria perguntar onde estava minha chuteira, que eu tinha deixado no vestiário, e não conseguia perguntar. Eu perguntava, perguntava e o cara não sabia responder, eu tive que pedir pro tradutor e era uma coisa, assim, para mim, era uma coisa simples, e não conseguia me comunicar. Mas no dia a dia eu fui me acostumando e já estou praticamente um catariano aqui.

Seus filhos nasceram no Catar?
É, os dois nasceram aqui. Para a família é excepcional, tem as melhores escolas possíveis. Uma coisa boa também é que praticamente estou sempre em casa, como os jogos são perto, então não tem viagem e eu acabo jogando, e meia hora após o jogo eu já estou em casa com a família outra vez. E isso é uma coisa que conta bastante para mim agora. Ver meus filhos crescerem, estar sempre por perto, acompanhando. Aprendem português em casa e inglês na escola. E na escola tem de tudo, tem criança de todos os lugares, aí acaba aprendendo um monte de coisa, um monte de língua e acho que isso é importante para as crianças.

Lucas Mendes começou no Coxa. Foto: Arquivo/Gazeta do Povo.
Lucas Mendes começou no Coxa. Foto: Arquivo/Gazeta do Povo.

Você é formado no Coritiba. Retorna ao clube algum dia?
Acho que esta é uma pergunta difícil. A gente nunca sabe, no futebol as coisas acontecem muito rápido, mas ainda tenho mais dois anos de contrato aqui e espero cumprir. Claro que meu sonho seria jogar no Coritiba mais uma vez, por tudo que representou para mim, por ter começado, por ter vivido 12 anos, por ter vivido um bom momento no profissional em 2010, 2011, 2012. Então, para mim seria um sonho voltar, mas, como eu falei, não sei o que vai acontecer ainda. No futebol as coisas acontecem muito rápido e no momento estou muito feliz aqui.

Teria que se readaptar ao futebol brasileiro também, não?
Acho que muda um pouquinho, né? Mas acredito que não seria um problema voltar para o Brasil, não teria um problema com a língua, na verdade, mas acho que o ritmo de treinamento, de jogos, de muita viagem. Mas isso seria uma coisa que com o tempo acabaria entrando no ritmo.

Como piá do Couto, você segue acompanhando o Coxa?
Acompanho mesmo de longe, e quando possível assisto aos jogos. Às vezes é um pouco complicado por causa do horário, se joga aí 6h da tarde aqui já é meia-noite ou se joga às 8h aqui são duas da manhã, fica um pouco difícil acompanhar os jogos ao vivo. Mas estou sempre vendo os lances, sempre vendo os gols. E tem o William Farias, que é meu amigo, que voltou e está fazendo uma bela história aí no Coritiba.

O Willian não tentou te trazer pra cá?
A gente conversou até um tempo sobre isso, mas acho que eu estou focado aqui, tenho mais dois anos de contrato. Mas como eu falei: no futebol as coisas acontecem muito rápido, a gente nunca sabe o dia de amanhã, tanto que a minha vinda pra cá da França aconteceu muito rápido, ninguém esperava. Então tudo pode acontecer.

Que mensagem você deixa pro turista brasileiro que for assistir à Copa no Catar?
Eu acho que vai valer a pena e eu vou falar uma coisa para você: eu estava conversando com o pessoal ligado à mídia aqui, e dizem que vai ser a Copa do Mundo com o maior número de brasileiros. O pessoal está reservando mesmo e vem com força do Brasil, acho que o pessoal está acreditando no hexa e que o Brasil vai chegar muito forte, tem tudo para fazer uma excelente Copa do Mundo. Então, quem tiver oportunidade, quem tiver condição, eu acredito que não vai se arrepender.

O torcedor local vai encampar a torcida para o Brasil?
Acho que vai, o pessoal gosta do Brasil e se o Brasil começar bem a Copa do Mundo, o pessoal vai entrar na onda e tenha certeza que vai apoiar.

*Colaborou Ana Rossini

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Fernando Rudnick é formado em jornalismo e pós-graduado em comunicação esportiva. Sempre repórter, começou a cobrir o dia a dia dos times paranaenses em 2009, quando entrou na Gazeta do Povo. Atualmente, é coordenador do UmDois Es...

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