Opinião

Protestos políticos e ideológicos em Tóquio?

Por
Marcio Antonio Campos
15/07/2021 19:00 - Atualizado: 04/10/2023 17:59
Tommie Smith (no alto do pódio) e John Carlos com os punhos erguidos no pódio dos 200 metros em 1968.
Tommie Smith (no alto do pódio) e John Carlos com os punhos erguidos no pódio dos 200 metros em 1968. | Foto: Angelo Cozzi/Mondadori Publishers/Domínio público

Na coluna anterior, afirmei que todo atleta tem direito a suas preferências políticas e a torná-las públicas, mas existe uma série de regras e códigos estabelecidos por clubes e federações para isso. Os Jogos Olímpicos são a maior competição esportiva mundial e, por isso, a maior vitrine para esse tipo de manifestação. O braço erguido dos velocistas Tommie Smith e John Carlos, na Cidade do México, em 1968, protestando contra a discriminação racial nos Estados Unidos, já se tornou parte da iconografia olímpica tanto quanto o choro do ursinho Misha ou o arqueiro Antonio Rebollo acendendo a pira de Barcelona.

O Comitê Olímpico Internacional não quer que a política
ofusque o esporte, e por isso incluiu, na Carta
Olímpica
, a Regra 50, que, em seu item 2, proíbe qualquer manifestação de
cunho político, racial ou religioso nos locais olímpicos. Mas, preocupada com o
que poderia ser uma limitação à liberdade de expressão dos competidores, a
Comissão de Atletas do COI fez uma pesquisa com mais de 3,5 mil atletas de 185
países e todos os esportes disputados nos Jogos Olímpicos. Foram sugeridas
algumas mudanças na Regra 50 para deixá-la mais clara a respeito do que pode e
não pode ser feito.

“É importante preservar os atletas das potenciais consequências de serem colocados em uma posição na qual sejam forçados a adotar uma postura pública sobre algum tema interno ou internacional, independentemente de suas crenças.”

Relatório da Comissão de Atletas do COI sobre mudanças na Regra 50 da Carta Olímpica

Entre as recomendações da Comissão de Atletas estava a de “preservar o pódio, o espaço de competição e as cerimônias de qualquer tipo de protesto ou manifestação, ou de atos percebidos como tais”. E, nas diretrizes publicadas pela comissão ainda em 2019, já estava definido que os atletas poderiam usar entrevistas – inclusive aquelas na zona mista, logo após a competição, e nos centros de mídia oficiais – e seus perfis em mídias sociais para se manifestar. No entanto, a comissão também fazia uma distinção entre “expressar opiniões” (o que seria permitido) e “protestar” (o que seria proibido): entre as ações banidas estavam “exibir qualquer mensagem política, incluindo cartazes ou braceletes”; “gestos de natureza política, como gestos com as mãos ou se ajoelhar”, e “recusar-se a seguir o protocolo das cerimônias”.

A Comissão de Atletas estava preocupada com “o risco de politização dos atletas e o risco de eles serem colocados sob extrema pressão. É importante preservar os atletas das potenciais consequências de serem colocados em uma posição na qual sejam forçados a adotar uma postura pública sobre algum tema interno ou internacional, independentemente de suas crenças. Nesses casos, a neutralidade política dos Jogos Olímpicos é uma forma de proteger atletas de interferência ou exploração política”. Nesse sentido, as diretrizes estavam bem sensatas.

Além disso, elas estavam em linha com o que os atletas pensam. Na pesquisa da Comissão de Atletas, 70% dos entrevistados disseram que não era apropriado usar o campo de jogo para protestos ou manifestações. No caso de cerimônias, a desaprovação também foi de 70%, e caiu levemente, para 67%, no caso do pódio. E os Jogos Olímpicos são para os atletas, não para os ativistas.

(Isso me lembra uma recomendação do Ministério Público
Federal para incluir as religiões afrobrasileiras no centro inter-religioso da
Vila Olímpica do Rio. Antes de cada edição dos Jogos a organização busca saber
quais são as religiões da maioria dos participantes. No Rio, as cinco
confissões mais citadas – cristianismo, islamismo, hinduísmo, budismo e
judaísmo – tinham espaços permanentes, e havia um cadastro de ministros
religiosos de inúmeras outras religiões – inclusive afrobrasileiras – devidamente
credenciados e que poderiam entrar na Vila a qualquer momento, a pedido de
qualquer atleta. O MPF ignorou exatamente isso: que o centro religioso da Vila
é um serviço para os atletas, não uma “exposição” do panorama religioso
local. E, se é um serviço para os atletas, tem de se adaptar às necessidades deles.)

Mesmo assim, o COI está considerando
flexibilizar ainda mais as regras
, e poderia permitir determinados gestos
em determinadas circunstâncias – por exemplo, quando os times se alinham antes
de alguma partida, ou quando nadadores e corredores são anunciados antes das
provas. O pódio, a Vila Olímpica e as cerimônias, no entanto, permaneceriam
intocadas.

O problema é que, por mais que as regras “intermediárias” fossem sensatas e nem de longe configurassem censura ou coisa do tipo, está difícil segurar a pressão, com seleções se ajoelhando na Euro e o comitê olímpico norte-americano anunciando que não punirá nenhum de seus atletas por se manifestarem. Se a opção for mesmo pela liberação, e dependendo do que os atletas fizerem com essa tal liberdade, o desafio do COI será duplo: primeiro, impedir que Tóquio vire a Casa da Mãe Joana, com um festival de protestos tirando os holofotes das performances esportivas; e, segundo, manter coerência na hora de fechar os olhos ou de aplicar punições, para não piorar ainda mais a situação.

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Marcio Antonio Campos é editor de Opinião da Gazeta do Povo. Coautor de "Bíblia e natureza: os dois livros de Deus – reflexões sobre ciência e fé", escreve no blog Tubo de Ensaio, na Gazeta do Povo; voluntário em duas edições dos ...

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