Abel Ferreira tem direito de jogar na retranca e todos temos direito à opinião sobre isso
Não se questiona uma classificação obtida de maneira limpa no campo de jogo, com a alcançada pelo Palmeiras na terça-feira, em Belo Horizonte, eliminando o Atlético-MG da Copa Libertadores e avançando à segunda final seguida, a sexta do clube na história do certame. Mas a estratégia e o comportamento do time de Abel Ferreira podem, e devem, ser discutidos, como os de quaisquer treinadores.
Contudo, a exemplo de Jorge Jesus, que fez enorme sucesso no Flamengo entre 2019 e 2020, o palmeirense costuma falar sobre seu trabalho como se estivesse atuando em local sem tradição alguma no futebol. Ambos os portugueses adotaram por aqui a postura de colonizadores da bola, em momentos explosivos com rasgos de autoestima elevada no nível Daniel Alves.
"Gostaria que as minhas palavras fossem para os meus jogadores. Eles com quem trabalho, eles com quem eu sofro e neles que confio. Já disse para eles que, até o final do ano, não os abandonava. Recusei três propostas porque havia trabalho a fazer", disse Abel na coletiva após o empate em Minas Gerais, quase como se fosse um favor imenso trabalhar em um dos maiores clubes do país.
Palmeiras não vence há 3 jogos, dos últimos 10 perdeu 4, empatou 3 e ganhou 3
"Podemos não ganhar nada neste ano, mas uma coisa merecemos: respeito. Respeito!", acrescentou. Resta saber quem motivou tal reação, afinal, críticas sempre acontecerão, e elas podem ser, sim, respeitosas. "Estudei 10 anos para ser treinador. Já estou farto de dizer e quem quiser ouve, quem quiser não ouve. As pessoas confundem arrogância com competência. Confundem inteligência com sorte. Dá trabalho ter sorte", disparou, em curiosa autoavaliação do próprio desempenho.
Sob o comando de Abel Ferreira, o Palmeiras ganhou a Libertadores e a Copa do Brasil 2020. Seu nome já está na história do clube. Mas depois dos troféus erguidos vieram fracassos. E não foram poucos, da participação pífia no desejadíssimo (pelos palmeirenses) Mundial de Clubes, à eliminação do mata-mata nacional pelo CRB. Houve ainda taças perdidas para Defensa y Justicia (Recopa) e Flamengo (Supercopa) nos pênaltis, e a final paulista, quando foi derrotado pelo São Paulo.
O Palmeiras chegou à decisão jogando de maneira extremamente cautelosa, retrancada mesmo, em especial nos seus domínios. Mas o elenco permitiria alcançar a classificação atuando de outras formas, obviamente, pois tem qualidade para tanto. Engana-se quem imagina o time avançando da maneira que se comportou como se fosse o único jeito. Até porque chances o Atlético-MG teve, do pênalti perdido por Hulk ao gol que Vargas não fez, cara a cara com Weverton, quando o Galo já tinha 1 a 0 no placar.
Ele fez uma escolha, que funcionou depois de seguidos fracassos em 2021. Ainda não ganhou esse título, mas poderá chegar a ele. Independentemente do que acontecer na final, todos teremos direito à opinião sobre o trabalho de Abel, por mais que isso o incomode. Pois não é absurdo dizer que, ao contrário de Jorge Jesus, até aqui ele não deixa legado para o futebol brasileiro, pois retrancas eventualmente vencedoras já fazem parte do portfólio de (não muito brilhantes) técnicos brasileiros.