O lutador "baixinho e gordinho" que virou rei no Japão e brilhou no UFC

O primeiro personagem da série de entrevistas 'Terra fria, sangue quente' saiu das ruas de Santa Felicidade para se tornar um dos maiores nomes que o mundo do MMA já viu. Pois quem nunca ouviu falar em Wanderlei Silva?
No tradicional bairro italiano de Curitiba, Wand foi criado pelos pais, Leopoldina e o saudoso Holando, que vieram de Castro para viver em uma humilde casa de madeira próximo ao Castello Trevizzo.
Autêntico e provocador, o "baixinho e gordinho da vila", como o próprio descreve, ralou até se tornar um dos maiores lutadores da história do esporte, ajudando a dar fama internacional à capital paranaense como grande celeiro de atletas de artes marciais mistas.
O Cachorro Louco foi o primeiro campeão mundial forjado nesta terra fria, com sangue quente. Entre março e dezembro, o UmDois Esportes traz, todos os meses, entrevistas especiais com os principais protagonistas da história da luta de Curitiba.
O início de Wanderlei Silva na luta
Wanderlei Silva começou a treinar aos 13 anos de idade. Baixinho e gordinho, queria mudar perder peso e, logo de cara, encontrou a Chute Boxe.
Mas sua entrada na tradicional equipe foi reflexo, mesmo, de uma escolha de seu irmão mais velho, Daniel.
"Só existe o Wanderlei Silva por causa da academia Muzenza. O meu irmão mais velho começou a treinar capoeira nessa academia e começou a ficar fortão, boa pinta. Eu pensei 'poxa, eu quero ficar assim também'. Na época, a Muzenza era muito cara, uns R$ 90 de mensalidade. Eu estava voltando para casa e vi a Chute Boxe e, se eu não me engano, era R$ 45. Eu pensei 'academia é tudo igual'. Me inscrevi na Chute Boxe, comecei a treinar e foi muito legal. Formei todo o meu caráter dentro da academia", relembra Wanderlei.
Na época, a Chute Boxe ficava na Rua Visconde do Rio Branco, no Centro de Curitiba, e já contava com a dupla Rudimar Fedrigo e Rafael Cordeiro.
"Eu tinha exemplos de caras que já eram campeões e me mostraram o caminho para me tornar atleta. O mestre Rudimar Fedrigo foi o cara que começou tudo, um visionário. É um líder nato, um motivador. Até hoje ele continua fazendo campeões. E o mestre Rafael Cordeiro chegou ao Olimpo dos técnicos recentemente ao treinar o Mike Tyson. É um cara fantástico. Ele foi meu mestre da faixa-branca à faixa-preta. Eu tive a grande oportunidade de ter esses caras me orientando", frisa.

Rei do Pride: Das ruas de Curitiba ao estrelato no Japão
Quando chegou à maioridade, Wanderlei Silva passou a lutar profissionalmente. Na época, ainda no vale-tudo. O curitibano ganhou destaque nos eventos nacionais e seu nome começou a despontar para participar de organizações internacionais, como o americano UFC – que ainda estava em seu início – e o japonês Pride, que mudou a sua vida para sempre.
No começo dos anos 2000, Wand brilhou e viveu o ápice da carreira nos ringues da Terra do Sol Nascente.
"Eu consegui ficar praticamente seis anos invicto. Tive 22 vitórias seguidas contra atletas de todos os pesos, foi algo fantástico. Depois de poucas lutas lá no Japão, eu enfrentei o grande ídolo deles, que era o Sakuraba. Eu venci e virei o Rei do Pride, os japoneses me adotaram. Eu enfrentava qualquer um, fazia duas lutas na noite. Eu aceitava tudo e isso, para os japoneses era um exemplo de bravura".
Ao todo, foram mais de 50 viagens ao Japão. "Se eu tivesse que fazer alguma coisa diferente na minha vida, eu deveria ter morado no Japão. Eu era o nome do Pride. Foi uma grande honra para mim, pois era o maior evento do mundo", diz o curitibano, que carregou o cinturão dos médios (até 84 kg) do Pride.
Cachorro Louco de Curitiba
O estilo altamente violento e agressivo foi a marca de Wanderlei Silva durante toda a sua carreira. Com isso, os apelidos eram inevitáveis. Quando ainda tinha "20 e poucos anos", já chamou a atenção dos fãs e virou o Cachorro Louco e Axe Murderer – que pode ser traduzido para "Assassino do Machado".
"Um matchmaker americano me viu lutando e disse 'nossa, essas suas joelhadas parecem machados cortando'. E o Cachorro Louco veio, mais ou menos, nessa época. Não lembro quem me deu o apelido, mas foi pelo estilo de luta agressivo. Eu sempre usei a minha vontade de vencer para ir lá e definir", ressalta.

Hall da Fama no UFC
No ano passado, Wanderlei Silva entrou para uma das maiores honrarias do UFC: o Hall da Fama. Na época em que fez parte do plantel do Ultimate, o Cachorro Louco já vinha de muitas glórias no Pride e buscava uma readaptação na carreira.
"O UFC comprou o Pride e todos os lutadores migraram para o UFC. Foi um período que eu usei para me reinventar. Eu fui morar nos Estados Unidos e tive a sorte do mestre Rafael Cordeiro ter ido também logo depois. Tive a oportunidade de participar de grandes eventos. O UFC me deu muitas chances, me deu ótimos adversários. Eu conheci muitos lugares, fui tratado como uma estrela e isso valeu demais".
Na época do UFC, Wanderlei Silva alternou bons e maus momentos. No fim da sua carreira, o curitibano ainda saiu na bronca com a organização, principalmente com o presidente Dana White, algo que foi resolvido anos depois.
"Ganhar o Hall da Fama foi uma coroação da minha carreira. Foi algo para selar as pazes com o UFC. Eu tive uma saída conturbada. Comecei a ir atrás de direito para os lutadores, criar sindicato para que todos ganhassem melhor e não sei por que fiz isso. Eu fiquei sozinho nessa. Eu já ganhava super bem e acabei ficando em uma situação ruim com eles. Mas foi muito legal ter resolvido, feito as pazes e ter me tornado Hall da Fama. Isso é algo que o americano faz, valoriza os seus ídolos. Aqui no Brasil é diferente, deveríamos valorizar muito mais os ídolos brasileiros", ressalta.

Wand vai desaposentar?
Hoje com 48 anos de idade, Wanderlei Silva encerrou a sua carreira no MMA em 2018, com 35 vitórias, 14 derrotas, um empate e uma luta sem resultado. Recentemente, o Cachorro Louco teve o seu nome atrelado a um novo evento que surgiu – o Global Fight League.
A nova organização, que contará com equipes e será disputada em forma de torneio, contratou lendas do esporte. São os casos de Fabrício Werdum, Júnior Cigano, Renan Barão, entre outros. A princípio, Wand será gerente da equipe de Los Angeles, mas garante que ele também está preparado para voltar a lutar, caso surja a oportunidade perfeita.
"Estou treinando, focado, fazendo preparação física. Eu fui sondado pelo Global Fight League. Se tudo se concretizar como eles querem, vai ser um grande evento. É uma oportunidade de ouro, com grandes lendas. Esperamos que esse evento saia como eles estão falando. Eu vou gostar de ver meus amigos em ação e, quem sabe, eu estarei em ação também", conclui o Cachorro Louco.