A Rússia, os ideais olímpicos e os atletas descartáveis
A notícia de que a Rússia foi banida das Olimpíadas de Tóquio e afastada da Copa do Mundo de 2022 não surpreendeu ninguém. Antes, pelo contrário, apenas confirmou tudo aquilo que foi dito sobre o uso dos atletas olímpicos para a propaganda do regime comunista nos tempos da União Soviética.
Idealista e empreendedor, nobre interessado nas coisas do povo, características citadas por todos os seus biógrafos, o barão Pierre de Coubertin tinha em mente aproximar e não dividir os povos, utilizando os Jogos Olímpicos modernos sem qualquer conotação política, religiosa ou de raça.
Adepto das teorias do educador Thomas Arnold, inglês que considerava o esporte a melhor maneira de fazer com que os jovens gastassem saudavelmente suas energias, Coubertin conseguiu reativar as Olimpíadas inspirado nos jogos da Grécia antiga.
Em 1984, a fábrica alemã Adidas batizou sua coleção olímpica especial de Espírito dos Jogos. Talvez não fosse o momento. A Olimpíada de Los Angeles, na verdade, marcou o fim das ideias e dos ideais utópicos que um dia foram associados ao chamado Espírito Olímpico.
O não profissionalismo olímpico ficou obsoleto e, de certa maneira, o atual modelo é mais fiel às origens ancestrais dos Jogos que a antiquada ideia olímpica. Nas competições da Grécia antiga, a simples participação não contava. Não havia segundo e terceiro lugar, só o vencedor, e os derrotados eram envergonhados ao máximo.
Com os louros da vitória na cabeça os antigos atletas gregos eram quase semideuses e o imenso prestígio dos atuais astros profissionais do esporte talvez seja um eco disso. O profissionalismo se impôs ao amadorismo para sempre.
Mas as Olimpíadas também sofreram transformações no campo político. Depois da Primeira Guerra Mundial e do golpe comunista na Rússia – segunda década do século XX – o movimento olímpico começou a receber infiltração com fundo ideológico. Em Antuérpia, que fechou suas fronteiras aos jovens alemães e seus aliados, registrou-se o primeiro golpe.
De lá até agora, a política sempre esteve presente e o competir por competir tornou-se um mero e longínquo sonho do barão Pierre de Coubertin.
Ninguém desconhece, por exemplo, que o interesse político esteve presente na decisão de os Estados Unidos terem organizado uma poderosa equipe para representá-lo nos Jogos de Paris, em 1924, a fim de evitar outra derrota sofrida quatro anos antes.
Era a utilização do esporte como promoção econômica, política e social do país que emergiu como maior potência mundial. Ficou historicamente registrado o boicote dos americanos aos Jogos de Moscou, em 1980 e o troco dos russos aos Jogos de Los Angeles, em 1984.
Os países do antigo bloco representado pela União Soviética usaram e abusaram das competições para a propaganda do regime comunista. O uso de estimulantes para aumentar o rendimento dos atletas correu solto durante décadas.
As monstrengas nadadoras alemãs orientais, as ginastas romenas, os gigantescos atletas russos e os cubanos não passaram de atletas descartáveis para a promoção comunista. Se tiveram vida longa ou breve, no esporte ou na vida civil, depois de usados nos Jogos, foi o tipo de problema que não interessava ao Kremlim e seus aliados.
Agora a conta chegou para a Rússia. Antes tarde do que nunca.
Antônio Carlos Carneiro Neto nasceu em Wenceslau Braz, cresceu em Guarapuava e virou repórter de rádio e jornal em Ponta Grossa, em 1964. Chegou a Curitiba no ano seguinte e, mais tarde, formou-se em Direito. Narrador e comentaris...