Nego Pessoa, um tipo inesquecível

Toda cidade tem os seus personagens, as figuras populares e aqueles que marcam suas passagens na vida. Perdemos a inteligência, a irreverência e a alegria do jornalista e escritor Carlos Alberto Anciutti Pessoa, o Nego Pessoa. Ele foi um tipo inesquecível.
Intelectual, polemista, leitor voraz de tudo, gostava de dar opinião e, sobretudo, entrar em alguma discussão. Dizia-se um jornalista à moda antiga, daqueles que ainda usam ponto & vírgula, cavalheiro de fino trato, traço, amável, mas um selvagem contra a burrice e grosserias humanas.
Amigo de Daltro Trevisan, na época em que o “Vampiro de Curitiba” aparecia na Boca Maldita para longos papos. Nego Pessoa inspirou Daltro Trevisan na criação do personagem João, no livro “O Pássaro de Cinco Asas”.
Ele gostava muito de basquete e amava futebol. Torcia pelo Boston Celtics na NBA, curtindo os ídolos Bill Russell na década de 1960 e Larry Bird nos anos 80/90. No rude esporte bretão dividia a paixão, meio a meio, entre Coritiba e Fluminense. Motivado pelo seu uísque preferido, Johnnie Walker red label, que chamava de Joãozinho Caminhador, gostava de caminhar pelas avenidas, ruas, travessas e travessias.
Nego Pessoa bateu perna. Andou por todas as ruas dos bairros centrais. Andou por elas com suas circunstâncias, pois era antes de tudo um pensador. Percorreu praticamente todos os temas, com especial atenção a economia e a história.
Admirava o craque Pelé, mas idolatrava de Castilho a Cafuringa seduzido pelo amor ao Fluminense. Também sentia saudades dos grandes times do Coritiba.
Reverenciava a inteligência de Roberto Campos, a cultura do amigo pessoal Luis Roberto Soares – o Coski, a sabedoria política de Wiston Churchill e criticava, “con gusto”, a mediocridade do cenário político brasileiro em todos os tempos. Foi profissional de jornal, rádio e televisão, com idas e vindas, mantendo o temperamento inquieto e genial.
Reconhecia que não nasceu para ser locutor, mas no texto foi imbatível. Textos curtos, frases curtas, todas com profundidade intelectual. Jamais abriu mão do deboche, do chiste, da ironia e do ótimo humor nosso de cada dia. O sujeito que não possui senso de humor é um infeliz nato, sentenciava com profundidade.
Selecionei algumas frases do Nego Pessoa em estado puro, com gelo, como nos velhos tempos do bar Ciccarino:
“Solitário percorro, dia sim, dia também, não raro à tarde, rotineiramente à noite”;
“Contemplo árvores altíssimas, ideais para cenários góticos, mal-acabadas, cabeludas como a mulher-gorila do circo. Mas são mansas, de paz, não mordem, não fazem mal a uma mosca, a uma moça, relaxe”
“As grandes empresas que operam no Brasil sempre foram usadas como bode expiatório das nossas seculares frustrações pela ambulante contradição em termos que é a esquerda nacionalista”
“Que coisa antiga o adultério… mais démodé que a virgindade, calo, caspa”
“José Nociti, nacionalista irrecuperável, último moicano residente do glorioso Palácio Avenida, no coração da Boca Maldita era alto, ossudo. Nociti tinha nobres surtos, como o de mijar nos membros inferiores das autoridades. Os excelentíssimos pés do senador Adolfo de Oliveira Franco não escaparam da sua fúria urinária. Ele justificou que sempre quis dar uma mijada em alguém da UDN”
“Respeito a advertência daltoniana: não use gíria; ela envelhece, denuncia a tua idade. Mas chamar o Água Verde de time hidro-esmeraldino é incontrolável”
“Nos velhos tempos a travessa da Lapa abrigava simpático matadouro, o hotel Cruzeiro. Que rivalizava com o City na rua Barão do Rio Branco e o Carioca na Marechal Floriano nos inestimáveis serviços derivados das necessidades erótico-sexuais da rapaziada. Éramos pobres e pouco exigentes nos idos de 1960 & 70! O triângulo Carioca-City-Cruzeiro era espartano; não oferecia mísero copo d´água aos gladiadores. Todo o processo era a seco. Também não nos amparava com rádio-tv-canais de sacanagem. A operação era a frio, sem anestesia, sem manobras diversionistas, sem bebidinhas & comidinhas & clima afrodisíacos. Era duro teste para nossa competência sexual”.
Grande Nego Pessoa, um tipo inesquecível.