Os gols de Pelé e Neymar e o princípio da proporção
Se não bastasse a bola, agora são as estatísticas que estão a provocar injustiças na história do futebol. A última é praticada pela Fifa ao atribuir à Neymar o título de maior artilheiro do Brasil com 79 gols. Pela Fifa são descartados de Pelé os 18 gols marcados em amistosos.
O erro da Fifa, e como de todos os teóricos que se baseiam em estatísticas para as suas análises, é ignorar uma lição que aprendemos nas primeiras linhas do básico em matemática: o princípio da proporcionalidade. “A proporção está intimamente ligada com a razão. Para verificação se as grandezas são proporcionais ou não, devemos fazer uma igualdade de duas razões. Se essas razões forem iguais, os valores serão proporcionais”, era a lição do professor curitibano Domenico, sempre festejado nos cursinhos preparatórios de vestibular.
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Na disputa entre Pelé e Neymar a razão é o número de partidas em que a marca de gols de 77 gols foi alcançada. Sobre ela, então, aplica-se o princípio da proporcionalidade. Antes do jogo Brasil 5x2 Bolívia, Pelé tinha 77 gols em 92 jogos, e Neymar 77 gols em 125 jogos. Isso implica em concluir que as razões são desiguais e transformadas em números coloca os de Pelé 20% à frente de Neymar.
Mas nem essa deveria ser a questão, pois números são frios e no futebol criam a falsa ideia de superioridade do menor para o maior, ou de Neymar à Pelé. Nem um gol dos 79 gols de Neymar foi mais importante que um único gol de Pelé. Como já tinha Carlos Drummond de Andrade transformado em poema: “O difícil, o extraordinário, não é fazer mil gols, como Pelé. É fazer um gol como Pelé. Aquele gol que gostaríamos tanto de fazer, que nos sentimos maduros para fazer, mas que, diabolicamente, não se deixa fazer. O gol”.
Todas as marcas de Pelé transformaram os números em simples detalhes. Transcendendo à eles, sempre exigirão uma explicação da razão, da proporção e da alma. Bem por isso, a Fifa deveria excluir as marcas de Pelé como referência para comparações.