“O futebol italiano perdeu credibilidade”


Emílson Cribari é quase um desconhecido aqui no Brasil. Cambaraense criado em Londrina, aos 26 anos ele já tem uma década de Itália. Passou por Udinese e Empoli, hoje defende a Lazio.

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No domingo passado, deveria formar a zaga da sua equipe no jogo com a Inter, em Milão, pelo Campeonato Italiano. A equipe romana decidiu não ir a campo por causa da morte do seu torcedor, Gabrielle Sandri, que desencadeou uma onda de violência por toda a Itália.

Na sexta-feira, conversei com Cribari por telefone. A versão compacta da entrevista está aqui e no caderno de Esportes da Gazeta do Povo deste domingo. Quem tiver interesse e fôlego, pode ler a entrevista completa logo abaixo. Vale a pena.

Haveria condições de se disputar uma partida de futebol na Itália neste fim de semana?
A nossa profissão é jogar futebol e a gente ia a campo para vencer. Mas me preocupa qual seria o clima entre torcida e policiais. Se tivesse rodada nesse fim de semana, a Federação provavelmente não deixaria a torcida entrar, como já fez outras vezes.

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Você esteve no funeral do Gabrielle Sandri. Qual era o clima entre os torcedores?
Foi uma coisa positiva na tragédia. Ultra da Lazio, da Roma e de outras cidades se misturaram para homenageá-lo. Os pais do Garielle pediram que fosse um dia de luto, mas sem violência. Houve respeito, um clima amigável. O Totti e treinador da Roma (Luciano Spaletti) foram ao enterro, uma coisa muito bonita. A rivalidade entre as duas torcidas é enorme, mas eles deram a demonstração de que tem que ser uma rivalidade sadia, que fique apenas dentro de campo.

Como foi a reação entre vocês, jogadores, à morte do Sandri? Partiu da equipe a decisão de não enfrentar a Inter?
Estávamos reunidos almoçando antes de ir para o San Siro. Gabrielle era amigo do De Silvestre (lateral-esquerdo da Lazio) e logo a gente entendeu que tinha sido uma coisa grave. Pensamos que era erro do policial, mas depois descobrimos que não foi erro casual. O policial mirou no carro do Gabrielle, se tratou de algo muito grave. Decidimos não entrar em campo antes mesmo da Federação determinar a suspensão. Por respeito à torcida não entramos em campo, pois muitos dos nossos fãs já tinham voltado para Roma. Toda a rodada deveria ter sido adiada. Foi um erro do governo e da Federação (manter a rodada). Evitaria o que aconteceu em Bérgamo.

A revolta dos torcedores no fim de semana foi realmente porque se parou o campeonato pela morte de um policial e não se parou pela morte de um fã, ou houve algum outro motivo para a revolta?
Houve falta de respeito por um torcedor morto, a atitude foi diferente de quando morreu o policial. Em fevereiro, a morte dele parou o campeonato, então por que não parar com a morte do torcedor? Por isso a rebelião contra polícia.

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Vai ser possível entrar em campo tranqüilo no próximo fim de semana sabendo que a arquibancada pode explodir a qualquer momento?
Em princípio sim. Se a gente souber que tem briga ou guerra entre polícia e torcida, é normal que o futebol fique em segundo plano. Mas esperamos que isso não aconteça.

O que você acha que deve ser feito pelo governo italiano para coibir a violência?
Na Itália como no Brasil precisa existir leis e que elas sejam cumpridas. É necessário haver punições graves. O torcedor tem que ter medo de enfrentar um policial, de fazer bagunça no estádio. É o que acontece na Inglaterra. Se o torcedor arrumar confusão, é preso e até banido dos estádios. Estou percebendo que, na Itália, o governo prefere promover a reeducação dos torcedores, a partir dos mais novos, na escola. Existe a Curva, existem os ultra, mas não são todos violentos. Não é justo punir todos pela atitude de poucos.

No último ano e meio a Itália sofreu com calciocaos, dois casos de morte violenta, além de inúmero distúrbios, e a média de público tem caído ano a ano. O país ainda pode ser visto como um modelo de futebol organizado?
Perdeu muita credibilidade nos últimos anos e temos consciência disso. A Federação é consciente disso, tem muita coisa para melhorar. Os estádios são muito velhos, antigos. É como se tivesse parado no tempo. A gente vê jogos na Inglaterra, por exemplo, onde os estádios são bonitos, modernos, como deveriam ser aqui para que a Itália voltasse a ser um modelo.

O Kaká disse que pensa em deixar a Itália se a violência não diminuir. Acha que a violência faz a Itália deixar de ser um mercado atraente?
Não se pode pensar que aqui é o inferno, o fim do mundo. Existe algo para melhorar, mas também há muitas coisas positivas. Kaká sabe que a situação no nosso país não é muito melhor. Ele não deveria usar a violência como desculpa para sair da Itália ou do Milan. Muita gente aqui na Itália pensa que ele pretende usar (a violência) como meio de fuga. Ele falou que está preocupado com a família, mas a preocupação no Brasil é maior.

Como é a sua relação com os ultra da Lazio, que são apontados como de extrema direita? Já teve algum problema por ser estrangeiro?
Não tenho relacionamento muito íntimo. Só mesmo no domingo nos jogos. Domingo eles me aplaudem, me dão força, um carinho que foi crescendo com o tempo. Nunca tive nenhum problema por ser estrangeiro.

Você já está há dez anos na Itália. Já se considera mais italiano do que brasileiro?
Muito pelo contrário. Nasci em Cambará, sou de Londrina, minha família está ali e estou construindo minha vida em Londrina. Sou 100% brasileiro.

Chegou a receber alguma sondagem para defender a seleção italiana?
Duas vezes. Sempre recusei. Tenho a esperança de um dia ser convocado para a seleção brasileira.

A Lazio está em segundo no seu grupo da Liga dos Campeões, faltando um jogo com o Olimpiacos e outro com o Real Madrid. Quais resultados vocês imaginam que precisam para se classificar? É possível bater o Real no Bernabéu?
A gente está concentrado no jogo com Olimpiacos. Será uma final para a gente, com vitória não dependemos mais de ninguém. É somar os três pontos e ir para Bernabéu fazer um amistoso, conhecer aquele estádio maravilhoso e jogar contra todas aquelas estrelas.

A Lazio teve muitos problemas financeiros, mas se reergueu e montou um time forte, mesmo sem muitas estrelas. Como foi essa reconstrução do clube?
Tudo se deve à política e o projeto do novo presidente de valorizar jogadores com valores morais, bons, mas sem estrela, sem gastar exageros em salários e um treinador muito bom e um grupo forte. Graças a Deus sempre conseguimos surpreender. Neste anos estamos com um pouco de dificuldade em conseguir manter o mesmo nível nas duas competições (Liga dos Campeões e Italiano). No campeonato estamos um pouco abaixo na tabela. Mas nos classificando na Liga, poderemos nos concentrar e repetir a mesma classificação do ano passado.

Como tem sido essa temporada de contusões para você?
Tive uma contusão muito grave no rosto, quebrei a mandíbula, mas já passou. De 18 jogos, joguei 16 até agora. Não fiquei muito fora. Estou contente com desempenho até agora.

Ainda sonha jogar pelo Brasil e ser reconhecido aqui ou vê sua carreira apenas na Itália?
Eu saí com 17 anos de casa, nunca joguei no Campeonato Brasileiro. Então a intenção é voltar e jogar num grande time do futebol brasileiro. Já está começando a pesar ficar dez anos fora de casa. Enquanto estiver crescendo, pretendo ficar aqui. Decaindo um pouco, penso em voltar.

Sonha em defender algum clube especial?
Sou flamenguista desde criança, então sonho vestir a camisa do Flamengo. Meu pai é santista, também quero realizar o sonho dele de me ver jogando no Santos.

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