O dia que Pelé ganhou de um senhor de 92 anos o único prêmio que não conquistou
Reza a lenda que Pelé ganhou todos os títulos e honrarias que disputou. Mas um dos prêmios, o Rei do Futebol só foi receber em 2016 das mãos de um senhor de 92 anos. Para contar essa história, preciso voltar ao meu último ano de faculdade, em 2016.
Para o trabalho de conclusão de curso de Jornalismo, eu e meu colega Gabriel Sawaf entrevistamos um dos ex-jogadores mais velhos de Curitiba: João Maria Barbosa. Resumindo, Barbosinha, como é conhecido, é um ex-meia da década de 40 e 50, que jogou pelos extintos Ferroviário e Água Verde (clubes que deram origem ao Paraná Clube). Ele também foi treinador nos anos 60 e depois trabalhou muitos anos no museu do Tricolor.
Durante o bate-papo, Barbosinha só falava de Pelé. Tinha até marcado no calendário o dia 23 de outubro para não esquecer o aniversário do Rei. Para Barbosa, Pelé era mais que um ídolo. Um homem, assim como ele, negro, que se tornou o maior jogador da história em uma época em que o racismo dominava o futebol tem significado muito além da admiração.
O maior orgulho de Barbosinha como atleta era o Prêmio Belfort Duarte, honraria de fair play concedida pela CBD (antiga CBF) aos jogadores que ficassem pelo menos 200 jogos ao longo de dez anos sem sofrer nenhuma expulsão. O título, que nem Pelé conseguiu, estava enquadrado em sua sala de recordações.
No final da entrevista, Barbosa revelou: “Meu maior sonho é entregar meu próprio prêmio ao Rei do Futebol antes de eu morrer”.
Fiquei com a frase na cabeça. Eis que meses depois fui escalado pela Gazeta do Povo para entrevistar Pelé em uma de suas visitas a Curitiba. Foi então que eu e Gabriel decidimos tentar marcar o encontro com o Rei. Fiquei três dias importunando os assessores de Pelé. Até que José Forno, o Pepito, assessor há décadas do craque, me deu dia e hora do encontro.
O Rei gravaria um comercial em uma casa “escondida”. Assim que recebi ok, liguei para a família de Barbosinha. A logística de transportar um senhor de 92 anos do Capão da Imbuia até Santa Felicidade não foi tarefa simples.
Barbosinha vestiu seu melhor terno e passou até perfume. O prêmio foi embrulhado para presente junto com uma carta escrita à mão para presentear o Rei.
No caminho, não trocamos nenhuma palavra dentro do carro. Prevaleceu a respiração ofegante de Barbosinha. Levamos um chá de cadeira de três horas só para aumentar a ansiedade, mas fomos atendidos no fim da tarde.
Não há o que falar da atenção dada por Pelé ao receber o presente. Ele fez questão de ler a carta, mesmo sendo apressado pelos assessores, e se surpreendeu com a atitude de Barbosa de lhe entregar sua maior conquista profissional.
O encontro não durou mais que cinco minutos. Foi o suficiente. Barbosa estampava um sorriso de criança e olhos brilhando de quem realizou o maior sonho da vida.
Nesta sexta-feira (23), tive a notícia que Barbosa, hoje com 96 anos, está no hospital com Covid-19, mas se recupera bem. Conversei com seus familiares e ele me enviou um áudio. Para variar, não perdeu o bom humor.
“Pelé ganhou o mundo de prêmios. E não tinha o prêmio de disciplina. Culpa do árbitro Armando Marques que expulsou ele querendo fazer nome. Por isso ele recebeu muito bem o meu prêmio. Eu tinha o Belfort Durante, um jogadorzinho medíocre, e o Pelé não tinha”, brincou Barbosa.