Clássico do Café – Parte II

Semana passada foi a vez do Maringá, hoje é hora do Londrina, nas boas vindas (tardias) do blog aos novos jornais online da firma. O texto é do camarada Felipe Lessa, do De Primeira.

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João Neves: um herói nunca cai no anonimato
por Felipe Lessa

João Neves foi o maior zagueiro do Londrina Esporte Clube. O eterno camisa 4 do Tubarão marcou história pela presença na boemia, pela raça e amor ao alviceleste. Sua história poderia compor com a mesmice de tantos outros que passaram pelo Tubarão. Acusações de bebedeiras antes dos jogos, salários atrasados, ausência de títulos e o anonimato no futuro.

No entanto, não foi assim. Ao menos em tudo, não. Muito se tentou estereotipar o grande xerife londrinense pela violência desnecessária. A cor negra, mesclada com a força de um brutamonte com mais de 1, 90 metro de altura, realmente era assustadora. Características que intimidavam adversários em todas as circunstâncias.

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Seu físico também intimidava aos jornalistas. Estes, defensores de um futebol arte. Algo fresco e refinado, características nada peculiares ao mito pé vermelho. Definitivamente, era preciso retirar o brutamonte do futebol. Para estes, o “grande” momento de João Neves ocorreu quando o mito inverteu a regra: quebrou Pachequinho em pleno Couto Pereira.

O talento promissor do Coritiba, nos anos 90, foi fazer brincadeirinhas com o dono da defesa londrinense e conheceu a fúria de João Neves. Foi anulado. Não apenas de um simples Londrina x Coxa, como também da carreira. Tratava-se de uma resposta ao imperialismo da capital contra os clubes do interior. Era o preço pago por brincar com quem não se deve.

Quem também brincou com os brios do atleta foram os diretores do União Bandeirante. Davam a conquista do Campeonato Paranaense de 1992 como certa. Esnobaram do LEC, e também do mestre. A resposta veio no dia 29 de novembro. Na terceira peleja, entre Londrina e União, no Estádio do Café, se decidiria o rumo do troféu maior do futebol paranaense: seria entregue em terras de cafezais ou plantações de cana-de-açúcar? Tratava-se de um jogo truncado. Pior. O Tubarão não contava com Aléssio, suspenso.

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Era a maior tormenta londrinense, que desde 81 não vencia o campeonato. Sem desmerecer, a pontaria de Leco não correspondia. Parecia que tudo dava errado. Com Cláudio José no banco, a posição de aríete alviceleste era praticamente nula e precisava ser ocupada por outro combatente.

Foi o que ocorreu em meados do primeiro tempo. Um dos atletas chamou para si tal função. Depois de uma falta cobrada por Roberto, pela ponta esquerda, a bola alçada na área do União tem destino certo. O camisa 4 eterno, o destemido João Neves, sobe sozinho e praticamente fuzila o grande arqueiro Anselmo. A testada de ferro repassava toda agonia ao clube do coronel da bola, com a mesma redonda no fundo das redes daquele que foi considerado o melhor goleiro do campeonato.

Do lado londrinense, mais de 40 mil pessoas comemorando. Um amontoado de jogadores seguia o líder, João Neves, que ovacionado pelo público, ainda teve um novo momento de alegria. Após reflexo rápido, desacostumado a comemorar gols, o camisa 4 faz o gesto do número 1 tão acostumado a se repetir nas mesas da boemia londrinense. Tal fato lhe rendeu uma caixa de cerveja. Não da Brahma, mas sim oferecida pelos revendedores da Skol na cidade.

Era um sinal de que além de matador, João era um dos possíveis visionários da bola. Previu a criação da Ambev e deveria, hoje, ser digno de reconhecimento pela mesma. Porém, o mesmo não é feito nem mesmo em Londrina. Por parte do clube, uma dívida interfere no bom relacionamento entre ambas as partes. João precisou inclusive entrar na Justiça para tentar receber algo do LEC, o que ainda não aconteceu.

A redenção poderia vir em nome da torcida. Apostando no sucesso entre os adeptos alvicelestes, o quarto zagueiro foi um dos 401 candidatos a uma cadeira no Legislativo Municipal em Londrina, pelo PSB. Sem dinheiro, apostou na popularidade para superar verdadeiras máquinas da política londrinense. Porém, com apenas 126 votos, sucumbiu a tentativa de ficar com uma das 19 vagas da Câmara de Vereadores.

João Neves ficou na 306ª colocação. A festa realmente acabou. E o mítico zagueiro, que encerrou a carreira de forma melancólica na Portuguesa Londrinense, em 2000, teve que voltar a realidade. Esquecido por clube e torcida, retornou ao trabalho na carceragem do 2º Distrito Policial do município. Dizem que por lá, durante o ofício, ao menos o xerifão continua intimidando adversários. Principalmente os que duvidarem de toda sua fama no futebol.

O camisa 4 pode ter em seu currículo fatores como jogar duro, beber antes dos jogos e finalmente, cair no esquecimento. No entanto, João Neves não passou em branco no Londrina.

Há 16 anos ganhou o último grande título alviceleste e fez o gol que marcou a honra de sua carreira. Os presidiários que não se esqueçam. Ou então, poderão ter o mesmo destino do jogador coxa. Duvido que eles queiram, ainda mais na cadeia. Garanto que por lá, todos recordam quem foi o maior zagueiro do Londrina Esporte Clube.

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