No Athletico, Petraglia privatiza o lucro, mas quer socializar o prejuízo de abrir a Arena ao torcedor
Lutei o quanto pude para evitar o tema, tão estapafúrdia é a decisão do Athletico, ou melhor, de Mario Celso Petraglia, de trancar a Baixada para a volta do torcedor. Batalha em vão, vê-se agora, com a publicação deste texto, para o desgosto de alguns e regojizo de outros (poucos).
Antes de emitir a minha normalmente esbaforida opinião, é preciso ficar claro: não entro no mérito se é tempo ou não de reabertura dos estádios, considerando o estágio da pandemia do coronavírus no país. É evidente, entretanto, que o clube, ou melhor, o cartola, não tem autoridade para decidir.
É a avaliação, inclusive, do juiz Fábio Luís Machado, da 5ª Vara Cível de Curitiba, que concedeu liminar aos sócios que foram à Justiça por um lugar na bancada, autorizando o acesso. Ora, se a Secretaria de Saúde de Curitiba permite, e se as organizadoras das competições, CBF e Conmebol, liberam, está feito.
Inicialmente, o cartola justificou a proibição revelando temor com a saúde dos rubro-negros, manifestação bastante curiosa, embora sempre válida, para quem no início da pandemia criticou o isolamento social. Mas não tardou em abrir, de forma previsível, o jogo: a preocupação real é financeira.
Em entrevista ao Globoesporte.com, Petraglia destacou o "custo de operação" para abrir o Joaquim Américo, segundo o mesmo, na faixa de R$ 200 mil, alto se comparado aos possíveis ganhos com os jogos. Disse, ainda, que mandou o presidente do Conselho Deliberativo do clube – sim, existe um conselho no Furacão – convocar reunião sobre o assunto.
Por fim, meteu essa: "Ouviremos como eles poderão ajudar, o conselho ajudar a pagar essa conta", em fala concedida à Nadja Mauad e Rodrigo Saviani. Ora, ora, é realmente um estrondo, mas, explico na sequência, apenas parte do plano do presidente e auto-indicado e remunerado CEO do Rubro-Negro.
O que Petraglia quer mesmo é passar algum "verniz democrático" numa posição estritamente pessoal. Como se o clube estivesse, de fato, "deliberando" sobre. E aí, numa manobra óbvia, convoca atleticanos que, usualmente, abrem mão de opinar, mais interessados no título de "conselheiro", bebidinhas e conosquinhos nas reuniões (agora, nem isso, com as sessões virtuais).
Ou quer dizer que com os sócios do clube, ao menos 10 mil pessoas, pagando R$ 150 nos 18 meses de estádios fechados por causa da pandemia, o que gera uma renda de aproximadamente R$ 27 milhões, o dirigente quer empurrar, também, a conta da reabertura da Arena no bolso daqueles que, no período, ganharam como camaradagem uma máscara?
Seria aquele movimento clássico de parte do empresariado brasileiro: "o lucro a gente privatiza, o prejuízo, divide". Ou dos R$ 134 milhões de superávit (são sete anos seguidos de gestões econômicas bem sucedidas) registrado no balanço de 2020 o Furacão repartiu com conselheiros e sócios do clube?
Não bastasse, o Athletico não tem que fazer cálculo algum sobre o "custo-benefício" de abrir as portas de seu estádio. Mesmo que a reforma da praça esportiva para a Copa tenha sido bancada em dois terços pelo poder público, é a casa do torcedor rubro-negro e deve se preparar para receber, até mesmo, um solitário torcedor.
O clube tem, graças à excelente gestão do próprio Petraglia, infinitas condições de arcar com a abertura, nada além de sua obrigação. Valores ínfimos se comparados, por exemplo, aos R$ 10 milhões empregados na compra de 50% dos direitos do zagueiro Felipe Aguilar, que a equipe sequer utiliza.
Ou a partir de agora o Furacão fará estapafúrdia análise antes de cada compromisso na capital? Por exemplo, jogos do Paranaense, que levam públicos diminutos ao campo, o ideal é que sejam disputados com portões fechados, é isso? Parece não ter lógica, certo? É porque não faz o menor sentido.
Finalmente, resta ainda outro ponto, incompreensível aos dirigentes atleticanos e parte dos torcedores, intoxicados pelo "soccer business". Muito mais do que financeira, e preservados os protocolos (teste e vacina já indicam alguma segurança), a reabertura tem, fundamentalmente, valor simbólico.
Devolve a alma aos estádios que, sem torcida, são nada além de concreto empilhado. Recupera, igualmente, o maior aliado que a equipe pode ter, mesmo que a entoar os cânticos de incentivo na Baixada, esteja uma única e esganiçada voz.
O Furacão está em duas decisões fundamentais, da Copa Sul-Americana e da Copa do Brasil. E, como nenhum outro clube brasileiro, numa quase pornográfica inversão de valores, decidiu abrir mão, por causa de montante irrisório para o bem fornido caixa do clube, da força de sua gente, do único sentido de sua existência.