Se fosse personagem de livro, Nikão teria sido criado por Charles Dickens, autor que melhor descreveu sofrimento e redenção. Já na Bíblia, seu livro preferido, as provações pelas quais Maycon Vinícius Ferreira da Cruz passou são comparáveis às de Jó. Sua vida, portanto, é um misto de parábola com conto de Natal.
Nikão perdeu a mãe aos oito anos. Ainda menino, foi vítima de sevícias na comunidade onde nasceu. Só viu o pai uma vez. A avó que o criou faleceu quando ele tinha 16 anos. Dois anos depois, perdeu o único irmão num acidente. Só não ficou sozinho no mundo porque tinha a bola e um anjo da guarda: o amigo Wanilton “Cesinha” Silva, que o descobriu num campinho em Montes Claros (MG) e que esteve ao seu lado desde então.
Apesar do talento que sempre fez os olhos dos clubes do Brasil e do exterior crescerem, seu início de carreira foi errático. Quando chegou no Furacão em 2015, com o sobrepeso de uma década de alcoolismo e "vida loka", esteve prestes a ser dispensado. Aos 22 anos, caminhava para um precoce final de carreira, mas uma sequência de milagres aconteceu.
Com o apoio do Athletico, Nikão entendeu que estava diante de sua grande chance e a agarrou. A partir do casamento, Nikão tornou-se religioso e mudou seu comportamento. Atleta pela primeira vez, viu desabrochar o craque que sempre foi.
Em seis anos, o meia foi a referência técnica de sua geração vencedora. O craque dos anos mais vitoriosos do Furacão ao inventar uma posição: o armador canhoto que organiza o jogo aberto na ponta direita. Sua redenção final é o voleio acrobático no título da Sul-americana, em 20 de novembro de 2021. Um gol eterno.
No futebol e na vida, rompimentos traumáticos nos fazem perder memórias de tempos felizes. É bastante humano, mas ainda assim é um erro. Celebrações como o centenário do CAP nos desafiam a superar esse sentimento e lembrar de tudo o que Nikão fez no clube.
Depois da geração 2001, o mineiro foi um dos jogadores mais identificados com nossa camisa e o que mais nos deu alegrias. Quase voltou por empréstimo início de 2024 – e quem sabe esse retorno para casa ainda não se concretiza mais para frente, não é? O atleticano que o escalou na seleção de todos os tempos pensa como eu.