Entre os aspectos que tornam o segundo gol de Maradona contra a Inglaterra na Copa de 1986 o maior momento do futebol no século 20 está a narração de Victor Hugo Morales. O narrador-poeta uruguaio percebeu no calor dos acontecimentos do que aquilo se tratava e decretou: "a jogada de todos os tempos".
Pois para o povo atleticano, o epíteto define outra jogada. A maior e mais mágica dos cem anos do clube. Tão cheia de beleza e significados que a partir do dia 18 de setembro de 2019 virou tatuagens, memes, animações, grafite em muros e estampa em camisetas. Tudo aconteceu aos 51 minutos do segundo tempo do jogo da volta da final da Copa do Brasil.
O empate já dava o título para o Furacão. Marcelo Cirino, que já tinha vivido de tudo em sua história de 12 anos no clube, recebeu a bola perto do escanteio da ponta esquerda ofensiva. Em casa, bares, antros ou nas bancadas do Beira-Rio clamávamos que ele segurasse a bola até o jogo acabar.
Acossado por dois, Cirino usou seu corpo esguio para proteger a bola até que, num rompante de ardilosa genialidade, deu uma caneta de letra no primeiro marcador. A escapada teve a graça violenta dos desenhos animados. Tão acachapante que o marcador que fazia a cobertura até se aposentou.
Doravante, a jogada seria chamada de “Cirineta”, mas ela ainda não terminara. Com o drible mágico, o campo se abriu. Cirino, como era de seu feitio, levantou a cabeça e calculou que dando mais um come no contrário, teria tempo e espaço até a linha de fundo para dar de canhota o gol a Rony que pôde dar seu salto real na noite de Porto Alegre.
O gol de título mais bonito da história. E se acima falamos de Diego, agora precisamos falar de Pelé. Quando o Rei do Futebol marcou seu milésimo gol, não o fez driblando a zaga e o goleiro como costumava fazer. Fez pênalti, pois o momento exigia que o estádio e o mundo parassem para ver. Com a “Cirineta” foi a mesma coisa. Marcelo não deu seu drible duplo numa disputa em alta rotação, mas quando todos os focos e câmeras estavam voltados para ele.
Uma jogada que encerra toda a nobreza do futebol brasileiro envelhecido 12 anos em barricas de carvalho. E na falta de um Victor Hugo Morales tivemos o saudoso Jacir de Oliveira: "é campeão – respeitem o Furacão...".
A jogada coroou a linda carreira de Marcelo Cirino no Rubro-Negro. Nascido em Maringá, o menino de personalidade e posições pessoais fortes despontou decisivo no time vice-campeão da Copa São Paulo de 2009.
Depois, saiu e voltou do CAP em mais de 250 jogos com a camisa Rubro-Negra. Foi brilhante e decisivo na campanha da volta à Série A, em 2012, e do vice-campeonato da Copa do Brasil e terceiro colocado no Brasileirão de 2013. Quando voltou ao clube em 2018, foi o 12º jogador dos títulos da Sul-Americana, Levain Cup e, especialmente, da Copa do Brasil.
Para mim, o século 21 começou quando Cirino inventou a maior jogada de todos os tempos do Athletico.