Literalmente, a palavra grega Eudaimonia pode ser traduzida como a possessão do corpo por um “bom demônio”, se é que isso existe. Grosso modo, o conceito ético-filosófico se refere ao estado de felicidade plena alcançada pela soma das ações virtuosas do homem.
Com qualquer sentido, a palavra expressa o que aconteceu à alma do torcedor atleticano quando ele foi apresentado a Dirceu de Mattos, o carrasco dos coxas no ano da glória de 1990. O Furacão tinha contratado Kita para comandar seu ataque, mas foi o silencioso Dirceu quem decidiu aquela campanha.
Dirceu, aliás, fez o gol de empate na estreia do Kita, com assistência do barbudo. Depois, fez o gol da vitória no primeiro jogo contra o Paraná Clube. Eis que vieram os jogos do octogonal final e, neles, o corpo do artilheiro foi tomado pelo bom espírito que inspirou as mais virtuosas atitudes e levaram à felicidade plena o coração atleticano.
Na primeira rodada, Dirceu fez o gol da vitória contra o Batel. Semanas depois, anotou os dois tentos do empate no Atletiba – no dia em que eu ouvi pela primeira vez a famosa versão x-rated de Another Brick in the Wall do Pink Floyd.
Falando em música, no primeiro jogo da final, a torcida coxa-branca já fazia a contagem regressiva com a versão de Henricão para o bolero Cielito Lindo. “Ai, ai, ai, ai, Tá chegando a hora...”, até que Dirceu empatou tudo na última bola.
Nos tempos da internet discada, escrevi texto sobre como, aos 12 anos, vi o histórico gol no meio da neblina invernal sob a luz de boate do Couto Pereira e assim, por um segundo, não entendi o que tinha acontecido. A confirmação só veio quando avistei o sorriso cheio de dentes de Dirceu atravessando o gramado.
No jogo decisivo, logo no primeiro ataque atleticano, Dirceu teve a virtude de dar um peixinho corajoso e colocar o primeiro caroço dentro da cidadela coxa – o jogo terminou como vocês sabem.
Nos anos seguintes, para a memória perpétua da coisa, a torcida rubro-negra adaptou o samba “Recordar” (de Aldacir Louro, Adolfo e Aluísio Martins), sucesso do Carnaval de 1955, e sempre que o clube enfrentava o rival o povo cantava: “Recordar é viver, o Dirceu acabou com vocês...”!