A lenda de Caju é a história que todo atleticano precisa saber contar para as novas gerações. Na cosmogonia rubro-negra – o mito fundador da origem do universo atleticano – as mais importantes tradições se organizaram em torno da personalidade de Alfredo Gottardi, o maior ídolo do centenário do clube.
Seja a dos jogadores que renunciam fama e dinheiro para dedicar a vida ao clube ou das famílias com muitos devotos à causa atleticana. Da linhagem dos goleiros brilhantes que chegam à seleção ao pioneirismo rubro-negro em ultrapassar as fronteiras do estado. Do sucesso continental ao “time da raça” e ao “Furacão”.
Tudo passa por Caju, nascido em Curitiba em 1915, uma década depois da chegada da primeira bola ao Paraná e uma antes da fundação do Athletico. Numa casa de desportistas, cresceu jogando bola nas ruas do centro desde que o sol nascesse até que os lampiões fossem acesos. Foi o mais bem acabado produto da usina de craques chamada família Gottardi.
Na defesa do gol atleticano, o precedeu o irmão Alberto, goleiro bicampeão em 1929 e 30. Seu sobrinho, Rui, foi jogador histórico do Furacão de 1949 e o filho, Alfredo, zagueiro, craque e campeão de 1970, entre outros. Ninguém comparável ao mais importante futebolista de todos os tempos no Paraná.
Caju vestiu a camisa do CAP entre os anos de 1933 e 1950. Jogou mais de 600 partidas oficiais (o número deve ser maior, pois foi construído no período informal anterior ao profissionalismo). Conquistou seis títulos paranaenses: em 1934, 36, 40, 43, 45 e 49. Neste período, seu nome tornou-se sinônimo de Athletico a ponto da imprensa se referir ao “club de Caju”. Nestas mesmas páginas, é satisfatório ler os inúmeros adjetivos dedicados ao porteiro, sempre a figura central dos matches: “perfeito”, “espetacular”, “prodigioso”, “assombroso” etc...
Caju rompeu a barreira clubística e tornou-se um ídolo da cidade toda. Como tal se comportava, sempre respeitosos com os rivais. Na conquista do título invicto de 1936, suas atuações inspiraram o jornalista Dirceu Pacheco de Lacerda a criar o epíteto que dali em diante acompanhou seu nome, "A Majestade do Arco".
Foi o primeiro jogador de um clube paranaense a ser titular da seleção brasileira. Após defesas espetaculares pelo Paraná no campeonato de seleções de 1941, o técnico Ademar Pimenta quebrou a escrita de convocar apenas jogadores do eixo Rio-São Paulo e chamou Caju para ser o goleiro no Sul-Americano jogado no Uruguai no ano seguinte.
Além de Caju, o escrete contava com outro paranaense, também atleticano, o lateral-esquerdo Joanino, conhecido como Vaca Brava, mas ele pouco jogou. Em Curitiba, os torcedores se agrupavam em volta do rádio para ouvir as narrações de Oduvaldo Cozzi na Rádio Mayrink Veiga e torcer para o time que além do ídolo local tinha jogadores lendários como Domingos da Guia, Tim e Pirillo.
O Brasil não venceu, mas Caju se consagrou como melhor goleiro do torneio. No mesmo estádio Centenário de Montevidéu onde o Athletico seria campeão da Sul-americana 80 anos depois. É difícil mensurar o tamanho desse feito em um tempo que nem havia ligação rodoviária entre Curitiba e o Rio de Janeiro.
Hoje sabemos que Caju fez parte da geração de jogadores que não puderam jogar Copas do Mundo em razão da 2ª Guerra Mundial. A Europa arrasada tornou impossíveis os Mundiais de 1942 e 1946. A Copa de 1942, por exemplo, seria realizada no mês de julho, na Argentina. Não é exagero imaginá-lo como o goleiro titular.
O sucesso internacional rendeu propostas milionárias de clubes do Rio, São Paulo, Uruguai e Argentina. Caju preferiu seguir no Athletico. Como jogador, aliás, nunca se profissionalizou. Em sua vida civil paralela, aposentou-se como servidor público da Secretaria de Saúde.
Com o seu 1,74 de altura, Caju inventou muitos dos usos e costumes modernos da posição de goleiro com sua agilidade, coragem, senso de colocação, liderança, carisma e confiança incomuns. Seus contemporâneos falam de façanhas sem igual que iniciaram a tradição de grandes goleiros atleticanos com destaque nacional e convocações para a seleção.
Em 1950, Caju abandonou a carreira de goleiro, mas nunca se desligou do cotidiano do clube. Integrou a comissão técnica do time campeão de 1958, atuou em diversos cargos na administração e na consolidação do patrimônio atleticano em muitos momentos.
Em 1999, o clube o homenageou em vida, batizando seu Centro Administrativo e Técnico como Alfredo Gottardi, popularmente conhecido como CT do Caju. Hoje em dia, todo jogador da base rubro-negra é chamado de “piá do Caju”, conceito cujo sentido histórico é absolutamente perfeito.