UTI, ameaça do fim da carreira e vigília familiar: o drama e a glória de Vitinho, do Athletico
No dia 23 de agosto de 2020, o mundo do jovem atacante Vitinho tombou. Um dia antes, em um sábado, contra o Fluminense, na Baixada, a promessa do Athletico completava o quinto jogo seguido como titular no Brasileirão.
Com dois gols na artilharia, Vitor Hugo Naum dos Santos vivia, aos 20 anos, o auge pessoal na precoce carreira. Mas ele "sumiria" repentinamente do time, sem maiores explicações por parte do clube.
O domingo da manhã seguinte não seria um dia qualquer. O destino o marcaria como o princípio de uma história de superação que começou como pesadelo, virou drama, ganhou contornos de profissão de fé e terminou como um “milagre de renascimento”.
Naquela manhã aparentemente comum, Vitinho sentiu dores no corpo e foi examinado no hospital Marcelino Champagnat, em Curitiba.
O veredicto dos médicos foi brutal: uma bactéria, comum na maioria das pessoas, havia entrado através de algum corte ou ferimento, provavelmente em um dos pés, e afetado os órgãos do jogador.
O microrganismo acometeria praticamente o corpo inteiro do jovem, que acabou internado e chegou a ficar três dias na Unidade de Terapia Intensiva (UTI).
Dois meses antes, Vitinho havia contraído e se curado do coronavírus. É possível que sua imunidade ainda estivesse abaixo do habitual. Os médicos foram sinceros: a saúde e o futuro do jovem como jogador de futebol estavam seriamente ameaçados pela rara infecção.
Família: vigília no estacionamento do hospital
Nos doze dias em que ficou internado, Vitinho não esteve sozinho sequer por um minuto, nem mesmo na fria solidão do leito de UTI.
Além do apoio do
corpo médico do hospital e do completo suporte prestado pelo Athletico, a
família do jogador montaria um acampamento improvisado dentro de um carro no
estacionamento do Marcelino Champagnat.
Ali, dentro do veículo, por doze dias consecutivos, moraram o pai, Joaquim Rodrigues dos Santos, o irmão, Wellington Rodrigo da Silva, e o primo, Tiago da Silva. O carro virou casa e as longas horas da noite foram preenchidas com preces, em especial à Nossa Senhora Aparecida, de quem a família é devota.
Durante o dia, o trio estacionava o carro na rua em frente ao hospital. À noite, virava a madrugada na segurança do estacionamento. Estavam decididos: apenas sairiam dali no dia em que o jogador estivesse curado.
A mãe, Clemilda de Fátima dos Santos, a esposa, Suellen Cenci e a cunhada, Maiara Silva, completavam a rede de suporte e fé em torno do jogador, que ficaria ainda sem poder ver Henri Joaquim, o filho de somente um ano.
Do interior de SP ao CT do Caju, trajetória de Vitinho foi marcada por desafios
Este foi até agora o maior desafio da vida de Vitinho. Mas a trajetória do jogador foi repleta deles.
Ainda aos 11 anos, o talento demonstrado no Atlético Cidadão, time da cidade natal, São José dos Campos, o levou para a base do São Paulo, na capital. Ainda criança, passou a viver, durante dois anos, em um hotel próximo ao CT de Cotia.
Tempos em que o pai, Joaquim, deixava de pagar contas de luz para lhe comprar pares de chuteiras e a família percorria o interior para ver os jogos dentro de um Celta que virou xodó. A mãe, Clemilda, chorou quando venderam o carrinho, após oito anos, tamanho o afeto.
Mas o destino de Vitinho não seria no time do Morumbi. Ele ainda voltaria rapidamente a São José dos Campos antes de se destacar na Ferroviária-SP.
A parceria do Athletico com a Locomotiva o faria desembarcar, em 2015, no CT do Caju. No Furacão, o jovem driblador, que havia sido artilheiro da Ferroviária um ano antes, teve de aprender a marcar.
Chegou a jogar como lateral-esquerdo, tanto no sub-20, como no time de aspirantes, com o técnico Tiago Nunes, que o levaria para o profissional.
No time principal, o treinador deu liberdade total para Vitinho fazer o que mais sabe e gosta: partir para cima dos adversários com personalidade, em busca dos dribles e dos gols, que não demoraram a sair.
Emoção, promessa paga e a sonhada volta à Baixada
Estas histórias da infância provavelmente passavam como um filme na cabeça dos familiares e do próprio Vitinho no dia 3 de setembro de 2020.
Sobre uma cadeira de rodas e com o ícone de Nossa Senhora em mãos, o jovem recebia alta. Antes de tudo, foi à capela do hospital, agradecer. A emoção familiar inundou o pequeno templo. Em seguida, o reencontro com o filho Henri.
O atleta ainda iria, nas semanas seguintes, ao Santuário de Nossa Senhora Aparecida, no interior de São Paulo, subir ajoelhado a rampa que conduz à imagem da Santa.
Em dezembro, Vitinho voltou aos treinamentos com o Athletico. Na primeira atividade na Baixada, marcou um golaço que chegou a parar o treino. A rápida recuperação surpreendeu até mesmo o clube.
Agora, o jogador sonha em fazer história no Furacão, assim como o amigo Renan Lodi, hoje no Atlético de Madrid e na seleção. O atacante é obstinado em ser o protagonista de um grande título, já tendo recusado investidas de times como Palmeiras e Santos.
Na última segunda-feira (11), no fim do dia, Vitinho finalmente recebeu a liberação do departamento médico do Athletico para voltar a jogar.
Está à disposição do técnico Paulo Autuori para os próximos jogos no Brasileirão, para pisar em campo e trocar, definitivamente, o drama pela esperança.