De Joaquim Américo a Petraglia: tour mergulha na história do Athletico pelas ruas de Curitiba
"Coloquem seus chapéus, vistam seus vestidos. Estamos em 1912", disse o advogado André Silvestre, em frente ao relógio da Praça Osório, no centro da cidade, convidando um grupo trajado de rubro-negro para viajar pela história centenária do Athletico.
Vestindo suas melhores camisas atleticanas, um time de homens, mulheres, crianças, jovens e idosos acordou cedo neste sábado (23) e foi até o centro de Curitiba para entender como a história da cidade se confunde com a do time do coração. Uma iniciativa em comemoração aos 100 anos do Furacão.
+ Confira a tabela completa do Campeonato Paranaense
No trajeto de mais de três horas de duração, guiado por Silvestre, com a ajuda do jornalista Sandro Moser, além do mergulho pela história do futebol paranaense, o torcedor também viu os espaços da cidade ganharem um novo significado.
A praça Zacarias virou a origem embrionária do Athletico, o Shopping Itália se tornou o vizinho da lotérica gerenciada pelas lendas Djalma Santos e Barcímio Sicupira e o Instituto de Educação do Paraná se transformou no colégio do aluno Mario Celso Petraglia.
Da Zacarias para a Rua XV
Foi em 1912, na praça Zacarias, que surgiu o Internacional. Criado por Joaquim Américo Guimarães, o clube surgiu na sede do então Jockey Club, que ficava na praça. A equipe era alvinegra e foi a primeira campeã do Campeonato Paranaense, em 1915.
Dois anos depois do início, em 1914, um grupo se desmembrou do Internacional para criar o América, sendo que este tinha o vermelho e o branco como principais cores.
Um década mais tarde, a cinco minutos da praça Zacarias, o início do Athletico aconteceu na rua XV de Novembro. Uma união entre Internacional e América, antes separados, deu o Rubro-Negro de presente para a cidade.
"Nós podemos ver a fundação do Athletico como uma reconciliação de um mesmo grupo. Eles passaram por cima das diferenças, abriram mão do nome e das cores para formar uma nova associação. Nós somos esse clube que, como a cidade de Curitiba, é uma terra de todas as gentes", afirma o advogado e torcedor Gil Santana, em uma visão romântica sobre a criação do Athletico.
Na Marechal, uma lotérica de lendas
O Água Verde pode ser a casa do Athletico, mas o centro de Curitiba tem as cores vermelho e preto nos cantos mais inusitados possíveis.
Andando pela Marechal Deodoro, no cruzamento com a João Negrão, na frente do Shopping Itália, existia uma lotérica que foi comandada simplesmente pela dupla Djalma Santos e Barcímio Sicupira, lendas do Athletico.
Djalma ganhou uma concessão para abrir a lotérica por ter participado do título mundial com a seleção brasileira. O jogador administrava o local de apostas com o maior do Athletico, Sicupira.
Pouco experientes nos negócios, o empreendimento durou três anos, e logo foi passado para frente, como contou o jornalista Sandro Moser, que ajudou a guiar o tour e é autor do especial dos 100 anos do Athletico, no UmDois Esportes.
Foi também na histórica Marechal que a torcida atleticana fez um curioso desfile com elefantes de um circo antes do Atletiba, em 1969.
"O dono do circo estava sem dinheiro para transportar os animais. A torcida se organizou e fez uma vaquinha para ajudá-lo e pediu para que ele levasse os animais para os torcedores fazerem um 'bandeiraço'", explicou Silvestre durante a caminhada.
O estudante Mario Celso Petraglia
A uma quadra da praça Zacarias, local da origem do Furacão, o jovem Mario Celso Petraglia frequentava o colégio, sem saber que não apenas a geografia, mas a história ligaria ele ao então Atlético Paranaense.
O jornalista Filipe Andretta, criador do podcast sobre Petraglia, "Senhor da Razão?", também estava presente no tour e contou ao grupo que o dirigente atleticano não era aplicado aos estudos e chegou a reprovar duas vezes no futuro, já no Colégio Estadual do Paraná.
Seria no mesmo Estadual que ele conheceria a ex-esposa Eliane Keinert. Foi por intermédio dela que teve a ponte para chegar ao governador do estado, Jaime Lerner, com quem manteve relação importante para os rumos do Athletico.
No Água Verde, o lar de Caju
Depois de quase três horas de caminhada, o grupo de torcedores chegou ao lado tradicionalmente rubro-negro da cidade. Na Avenida Getúlio Vargas, quase que colada na Arena da Baixada, uma casa e um momento simbólico marcaram a reta final do tour.
Ali uma senhora de cabelos brancos esperava o grupo ao lado de um mural repleto de recortes históricos do Athletico. Era Stella Gottardi, irmã de Alfredo Gottardi, o Caju, um dos maiores goleiros da história do Furacão.
Simbólico por si, o momento ficou ainda mais especial horas depois, quando Bento foi titular da seleção brasileira. O segundo atleticano e paranaense, desde Caju, a ser titular em um jogo oficial do Brasil.
A família Gottardi vive até hoje na casa de madeira ao lado da Arena.
"É uma emoção indescritível. A gente sofre em dia de jogo, parece que estamos dentro do campo. Frequentávamos a Arena desde que era um ginásio. Acho importante [esse tour] para mostrar a história para os jovens, muito válida essa iniciativa", afirmou a sobrinha de Caju, Denise Gottardi.
Nome do Centro de Treinamento do Athletico, o CT do Caju além de ter nome de goleiro, é famoso por formar e revelar arqueiros de qualidade. Sobre o apelido de fruto, a irmã conta a origem.
"O Caju ia nas árvores aqui no Água Verde roubar caju. Mas algumas vezes o dono esperava ele com uma espingarda. Então, o Caju voltava 'hoje não dá para pegar'. Mas quando ele conseguia, voltava com blusa cheia de caju. Aí todo mundo começou a chamar ele assim", explicou a Stella, aos 96 anos.
Athletico e memória
De acordo com a organização, o tour reuniu cerca de 300 pessoas, que fizeram todo ou parte do trajeto de mais de três quilômetros do centro histórico à Ligga Arena. A ideia de Silvestre veio após a leitura do livro Sicupira, de Sandro Moser.
"Que a gente torne isso uma tradição do clube, de contar a história desses 100 anos. Lendo o livro do Sicupira, eu comecei a passar pelos locais que ele citou e a cidade fica mais charmosa reconhecendo os locais. Foi quando tive a ideia", disse o advogado.
"É uma situação que o Athletico precisa rever. Ter um museu do clube é fundamental porque tem muitas informações que com o passar do tempo vão se perdendo. Fundamental para o clube ter raízes fincadas e uma admiração ainda maior. Tomara que isso seja um primeiro passo para mais iniciativas como essa para que a gente conheça cada vez mais a história do Athletico", completou.
Como último ato, o tour homenageou a família de André Lopes Scaramussa, torcedor atleticano que faleceu há 12 anos de maneira trágica após sair de um jogo do Athletico. A história foi relembrada pela jornalista Monique Silva, em uma reportagem especial no UmDois Esportes.
Veja a galeria de fotos do tour
Fotos: Rafaela Rasera/UmDois Esportes