O coração do General: como Thiago Heleno reinventou a carreira e virou ídolo do Athletico
A notícia caiu como uma bomba no CT do Caju naquele 4 de maio de 2019, um raro sábado abafado nos últimos dias do outono curitibano.
Era véspera do jogo contra a Chapecoense, pela terceira rodada do Brasileirão, e o elenco viajaria a Santa Catarina sem seu capitão, Thiago Heleno.
Na noite anterior, o Athletico havia recebido a informação de que o zagueiro e o volante Camacho haviam caído no doping, em jogos diferentes da Copa Libertadores, pelo uso da substância proibida higenamina. O caso só veio a público no dia 13 de maio.
Em uma diligência interna, descobriu-se que o erro aconteceu pelo uso de um termogênico prescrito por um nutricionista do clube – posteriormente, seis funcionários do departamento foram demitidos.
Envergonhado, o presidente Mario Celso Petraglia chorava copiosamente enquanto dava a notícia aos dois atletas. Após consolar o dirigente, Thiago – também chorando – saiu da sala, desceu as escadas e deu de cara com o funcionário responsável pelo momento mais complicado de sua carreira.
Por precaução, os seguranças foram alertados. Em campo, o zagueiro de 1,84m é reconhecido pela imposição física. Não seria fácil segurá-lo em um eventual rompante de fúria.
Mas quem conhece o verdadeiro Thiago Heleno Henrique Ferreira, um tranquilo e discreto mineiro nascido e criado em Sete Lagoas, jamais esperaria uma reação sanguínea.
O nutricionista se aproximou e pediu para conversarem. “Você não precisa falar nada. Sei que não fez por mal”, disse o camisa 44. Eles se abraçaram por um tempo, ambos aos prantos, antes de cada um seguir seu caminho.
O coração do General é incapaz de guardar mágoa, atesta o irmão mais velho, Wilson Junio Henrique Ferreira, o Junão. “Não justificava ele ter outro tipo de atitude. A pessoa está no clube para somar e infelizmente foi um erro que ocorreu. O Thiago é um paizão, sabe? É até difícil falar isso porque ele passa outra imagem. Até para chamar atenção de alguém é difícil”.
Responsável pela cobrança de pênalti decisiva na conquista da Copa Sul-Americana de 2018, apenas cinco meses antes, Thiago Heleno viveria um calvário até o fim da punição de 180 dias. Ele nem sequer poderia treinar nas instalações do CT do Caju.
Nesse meio-tempo, acompanhou à distância seu time eliminar Fortaleza, Flamengo, Grêmio e Internacional para levantar a inédita Copa do Brasil.
Agora, coincidentemente, uma segunda chance aparece para o capitão atleticano. Depois de comemorar o bicampeonato da Sula, ele finalmente tem a chance de se consagrar na Copa do Brasil. Primeiro, pertinho de casa: em Minas Gerais, encara o Atlético-MG, neste domingo (12), no Mineirão. O jogo de volta acontece na quarta (15), na Arena da Baixada.
Futebol no sangue
Thiago Heleno herdou do pai, Wilson Henrique Ferreira, não só a paixão pela bola, mas também todas as características para se tornar um grande zagueiro.
“Nosso pai tinha muita qualidade. O Thiago pegou todos os atributos dele. É ele escrito… a forma de ser, de agir dentro de campo, a impulsão vem toda do meu pai. Mas o Thiago tem mais técnica, digamos assim”, compara Junão.
Wilson se destacava no futebol amador da região de Sete Lagoas, sempre jogando atrás. Até hoje, aos 64 anos, continua participando das peladas de veteranos.
Como trabalhava como serviços gerais no campo do Bela Vista, foi na escolinha do clube que começou a trajetória do filho atleta. Até que aos 11 anos de idade, um olheiro do Cruzeiro o observou em uma partida de base contra a Raposa.
“Me recordo como se fosse hoje, chegou um rapaz próximo a mim e falou: você conhece o 4 ali? Eu falei: é meu irmão”, lembra Junão.
O zagueiro foi atrás do sonho. Fez toda a base no time celeste e se profissionalizou no clube mineiro. Em 2010, acabou emprestado ao Corinthians, a pedido do técnico Adilson Batista, que o havia treinado no Cruzeiro.
No Timão, uma coincidência. Thiago Heleno pôde atuar ao lado do atacante Ronaldo, que curiosamente faz parte de um dos maiores orgulhos de seu pai. Pouco antes da Copa do Mundo de 1994, o Cruzeiro comprou um jogador do Clube Atlético Pompeano, que se autointitula o "maior clube de futebol amador do Brasil". Parte do pagamento era um amistoso no estádio da cidade.
“Meu pai era o capitão da equipe e tem orgulho de dizer que enfrentou o Ronaldinho. Ele guarda a foto até hoje”.
Não decolou
A força e a velocidade de Thiago Heleno impressionaram o Fenômeno no Corinthians, garante Adilson. Mas o próprio treinador deixou claro no Dois Um Podcast que o zagueiro não conseguiu se criar no clube, pois um grupo de jogadores mais experientes queimou o jovem de 22 anos.
No ano seguinte, em 2011, foi ao Palmeiras de Luiz Felipe Scolari. Chegou a fazer gol na final da Copa do Brasil de 2012, contra o Coritiba, mas a carreira não decolou como se esperava. Tanto que em 2013 seu destino foi o Criciúma, onde sequer saiu do banco de reservas. Nessa época, algumas atitudes extracampo pesavam contra o mineiro.
“Ele ficou seis jogos no banco e não entrou. Viu o ano ir por água abaixo, foi treinar em separado e percebeu que tinha que mudar ou a carreira iria começar a regredir”, aponta o irmão mais velho.
A virada do General
A segunda chance veio em outro clube catarinense, em 2014. “Na verdade, nós ressuscitamos ele no Figueirense”, afirma o técnico Argel Fucks, que chegou ao time de Florianópolis em agosto e logo colocou o General como titular. Não antes de muita conversa com o defensor que, segundo o técnico, exagerava nas noitadas e tinha problemas para permanecer no peso ideal.
“O Thiago começou a amadurecer e a se tornar altamente profissional, se cuidar fora de campo. A gente abriu os olhos dele. Ele assimilou o que precisava para ter uma carreira, ser um dos grandes zagueiros do futebol brasileiro, como é hoje”, enfatiza Argel, que também foi beque e se enxergava no pupilo – principalmente pela personalidade forte e liderança em campo.
Assim que corrigiu o rumo da carreira, Thiago Heleno passou a render ainda mais. Ajudou a manter o Figueira na Série A por dois anos seguidos e já liderava o vestiário, inclusive assumindo o papel de porta-voz do elenco nas discussões com a diretoria. Não era apenas um capitão.
“Ele é um tanque de guerra”, elogia o ex-comandante.
Líder no Athletico
Segundo Argel, o Figueirense ficou pequeno para o General. Contratado pelo Athletico em 2016, o zagueiro chegou pronto para assumir a titularidade e continuar evoluindo na carreira.
Mas não foi bem assim. Com Cristóvão Borges, ele não tinha as oportunidades que imaginava. “Ele sofreu um pouco, estava no banco do Vilches e do Paulo André. Tinha acabado de chegar, estava chateado e falava que iria voltar para o Figueirense”, recorda o atacante Walter.
“Eu falei: cara, fica aqui, vai fazer o que no Figueirense? Daqui a pouco muda o treinador e você vai estar jogando. Graças a Deus ele me ouviu. Trocou o treinador e ele nunca mais saiu”, completa.
Com a chegada de Paulo Autuori, Thiago Heleno ganhou confiança, mostrou firmeza em campo e conquistou a torcida em pouco tempo. Comandando a defesa com um futebol sem firula, o apelido de General pegou. Mas quem vê o jogador no gramado não imagina o tamanho da mudança que acontece longe das quatro linhas.
“Em campo ele realmente é o General, é aquilo ali mesmo. Comanda a zaga, chega no juiz, chega nos adversários. Mas fora é um cara que brinca, que dança, faz o batuque, toca os instrumentos dele”, descreve o atacante Marcelo Cirino.
“É um brincalhão, um cara que pega no pé, que brinca… nem parece (risos) que é aquele cara serião, sabe? É ele que faz o Santana [apelido do goleiro Santos] dar risada. Para você ver, já que é difícil ele dar risada”, emenda Walter, que coloca o amigo como titular em sua seleção pessoal.
“Ele é, vamos dizer, uma criança, né? Que precisa de carinho, de amor”, ressalta Junão.
Ao mesmo tempo, tem a ascendência necessária no vestiário para dar uma bronca ou inflamar os companheiros. Sabe cobrar e sabe ser amigo, um líder nato, porque se garante dentro de campo também. “O Thiago é líder e vai ser o líder onde for. Ele tem tudo que um capitão precisa ter”, resume o volante Bruno Guimarães.
Com contrato até 2022 – com possibilidade de ser renovado por mais temporadas – o General ainda tem tempo para aumentar seu legado no Athletico, clube que mudou sua trajetória. Onde coleciona títulos e felicidades – sem mágoa alguma.
“Perto da grandeza do Athletico a gente não é nada”, declara-se Thiago Heleno.
“Trabalhamos todos os dias, procuramos buscar os objetivos que o clube traça pra gente. Entendemos bem o projeto e esperamos poder continuar assim, conquistando títulos, até o fim do meu contrato, ajudando a molecada que vem subindo. Esse é o nosso objetivo hoje e a cada ano que passa estamos chegando mais”, termina o General da Baixada.