Lucho faz 40 anos. A carreira vitoriosa do Comandante e um dilema que o faz sofrer
Por Monique Silva
Ele já empilhou 29 taças, quatro com a camisa do Athletico e caminha para o final da carreira. Lucho González completa 40 anos nesta terça-feira (19) em meio a decisão sobre o futuro. O contrato do jogador com o Furacão acaba no final de fevereiro.
Um dilema entre a renovação com o Rubro-Negro ou colocar um ponto final em sua trajetória nos gramados, anúncios que podem ocorrer a qualquer momento. O volante segue? Ou para?
Pessoas próximas ao argentino revelam que ele sofre com dores, que o tiraram, por exemplo, do duelo com o São Paulo, pelo Brasileirão. E, também, anda melancólico quanto uma possível despedida sem torcedores no estádio, por causa da pandemia do coronavírus.
Se a vitoriosa trajetória chegar ao fim, o que acontece depois? Assume um cargo no Furacão ou no Porto? Como técnico ou dirigente?
Lucho começou a dar indícios sobre seus planos no segundo semestre de 2019, quando revelou que havia começado um curso para treinador. Quase um ano depois, ele declarou que tinha em mente se aposentar no Athletico, onde está em sua sexta temporada.
"Em fevereiro termina o meu contrato. Depois, verei. Minha ideia é me aposentar neste clube, que me deu muito. Me sinto muito bem com as pessoas que trabalham aqui e com meus companheiros. Posso continuar jogando ou trabalhando no clube em outra função", disse o camisa 3 ao Diario Olé, em novembro do ano passado.
Ao mesmo tempo em que mostra gratidão ao Furacão e acena com a possibilidade de continuar em Curitiba, a Europa também aparece como destino. Lucho mantém uma residência em Porto e já manifestou a vontade de treinar o clube onde é ídolo.
"Mantenho contato com várias pessoas no clube. Não podemos adivinhar o futuro, é uma incógnita, mas me interessa viver no Porto. Os torcedores tinham um enorme carinho por mim e mesmo nos momentos em que o rendimento não era o melhor eles não me deixaram cair", falou o jogador ao site MaisFutebol, em janeiro do ano passado.
Nem mesmo os familiares parecem saber qual caminho será seguido por Lucho. Um de seus irmãos, Maximiliano González, porém, não esconde que torce pelo retorno a Portugal, onde mora.
"Não sei se ele vai renovar ou sair. Sempre quando ele está perto de acabar um contrato as coisas acontecem, mas que ele escolha o que for melhor para ele. Sei que o plano é ser treinador depois de se aposentar. Acho que ele poderia ser muito bom técnico, já que é muito motivador. Eu queria muito que ele dirigisse o Porto, assim eu o teria perto de mim [risos]. Mas espero que ele siga ligado ao futebol, que é a sua vida", comenta, em contato com a reportagem de UmDois.
Aposta para o futuro: Lucho volta para Portugal
Se depender de palpite, há quem acredite que Portugal possa ser mesmo a escolha de Lucho, como opina o jornalista Pedro Jorge da Cunha, que cobre o Porto desde 2011. Ele aposta que o argentino possa dar um novo passo fazendo parte da comissão técnica do Dragão.
"Ele sempre nos disse que quer voltar a viver aqui. O clube vai abrir as portas para o Lucho, provavelmente integrá-lo numa comissão técnica das equipes de base numa fase inicial. Acredito que a ligação entre ele e o presidente continua muito forte e os torcedores do Porto o adoram. O futuro passa pelo Porto, sim, a não ser que haja alguma surpresa. Ele é um nome icônico no clube e na cidade”, avalia Cunha.
O presidente citado é Pinto da Costa, que está à frente do Porto desde 1982. Os dois viraram grandes amigos e cultivam admiração mútua. No Dragão, o volante conquistou 11 títulos (seis ligas, duas Copa de Portugal e três Supercopa de Portugal) e marcou 61 gols somando duas passagens, trajetória que lhe rendeu o apelido de “El Comandante”.
“O Lucho González foi um dos jogadores estrangeiros que mais gosto tive em ver atuar no FC Porto. Quando chegou da Argentina, em 2005, não demorou a se revelar um excelente futebolista e um grande homem, com um espírito de liderança e dedicação que tiveram como consequência natural passar a envergar a braçadeira de capitão”, relembra o ex-presidente, em entrevista ao UmDois Esportes.
Pinto lamentou quando Lucho decidiu em 2009 ir para o Olympique de Marselha, da França, mas voltou a sorrir quando o argentino retornou ao Porto, três anos depois.
"Custou-me vê-lo ir para a França, e fiquei muito feliz por poder promover o seu regresso. Os números que alcançou nestas duas passagens dizem quase tudo sobre o que representou e continua a representar para nós. Apesar de não ser um avançado, marcou 61 gols, muitos deles fabulosos, como os arremates de fora da área contra o Hamburgo, na primeira passagem, e o Vitória de Setúbal, na segunda".
De técnico para futuro técnico
Ainda não dá para ter ideia de qual será o estilo e o perfil de Lucho na função de treinador, mas a postura como jogador pode dar um norte de como o argentino se sairá fora das quatro linhas, com seu perfil de liderança. Quem garante é o técnico Tiago Nunes, que destaca as qualidades do Comandante.
"Profissional com valores muito claros, de um caráter irretocável. Tem nas suas principais características uma liderança nata, construída através do exemplo no dia a dia, do trabalho com dedicação e colocando os objetivos do clube à frente do seus, avalia Nunes, atualmente sem clube.
Veja vídeo de Tiago Nunes, ex-técnico do Athletico, sobre Lucho Gonzalez; clique para assistir!
Tiago Nunes dirigiu Lucho no Athletico nas temporadas 2018 e 2019. Juntos, eles conquistaram os títulos da Copa Sul-Americana, J. League/Conmebol e Copa do Brasil. O técnico brinca sobre as outras preocupações que Lucho vai passar a ter quando virar técnico, mas acredita que ainda não será agora que o jogador vai pendurar as chuteiras.
"Vai ganhar alguns cabelos brancos, e vai perceber que as demandas às vezes são mais difíceis do que dentro de campo. Mas todos nós ficaremos muito felizes a hora que ele decidir", complementa.
Liderança, leitura de jogo e dedicação: os trunfos do argentino
Agora parte do “time dos quarentões”, Lucho não esbanja mais vigor físico e intensidade, e tem sido criticado pelas atuações recentes, mas segue com prestígio dentro do clube. Sedento por conquistas, emprestou sua bagagem vitoriosa construída ao longo de sua trajetória e ajudou o Furacão a forjar a mentalidade campeã que acompanhou o clube nas temporadas 2018 e 2019.
"Lucho é um cara especial, em todos os aspectos. Sua paixão pelo jogo, seu profissionalismo, sua mentalidade vencedora e a simplicidade com que se relaciona com todos é fantástica. Um exemplo para todos que convivem com ele", afirma Paulo André, ex-jogador e ex-dirigente do Athletico.
Capitão na primeira conquista internacional do Athletico e do título inédito da Copa do Brasil, o argentino tem papel importante dentro e fora de campo e é referência para os mais jovens. Em um clube reconhecido pelos talentos que estão em ascensão e despontam a cada temporada, Lucho exerce com naturalidade a figura de líder.
"Além de ser um grande líder e jogador, ele se tornou um amigo pessoal. É um cara sensacional, humilde e que se dedica muito. É o primeiro a chegar no clube e o último a ir embora. Quando as coisas estão ruins é o primeiro a levantar pra cima, e quando estão boas, não para de incentivar para continuar por mais. Foi um tremendo aprendizado e uma honra jogar com ele, e hoje poder ligar, conversar e pedir opinião. Realmente os jogos e títulos foram importantes, mas algumas amizades que a gente faz no futebol ficam para sempre. É isso que vou levar. Vou contar sempre aos meus filhos que eu joguei com o Lucho González", elogia o volante Wellington, que deixou o Furacão no final de 2020.
Paulo André, que conviveu com Lucho de 2016 a 2020, revela que conversou recentemente com Lucho sobre o tema aposentadoria. O ex-jogador pendurou as chuteiras na metade de 2019, quando passou a ser oficialmente diretor do Athletico.
“Disse para ele aproveitar cada minuto dos seus treinos, jogos e vestiários. Nunca mais será igual. E que ele já use seu contra-turno para participar de treinos com as categorias de base para sentir como isso funciona. Tenho certeza de que ele será um grande treinador. Espero que ele siga esses passos no Athletico”, completa o ex-zagueiro em entrevista ao UmDois Esportes.
Se o camisa 3 vai optar ou não por pendurar as chuteiras em breve, Lucho certamente já conseguiu gravar o seu nome na história do Furacão.
Relembre fatos marcantes da carreira e vida de Lucho González:
Lucho só perde para um tal de Messi...
Aos 40 anos, Lucho tem títulos em todos os clubes onde passou: Huracán, River Plate, Porto, Olympique de Marselha, Al-Rayyan e Athletico. A maioria, conquistas em suas duas passagens pelo Porto: seis títulos da Liga Portuguesa, dois da Copa de Portugal e três da Supercopa de Portugal.
No total, são 29 troféus na carreira, ocupando o posto de segundo argentino com mais troféus na história. Ele só fica atrás de Messi, que tem 36.
No Athletico, o camisa 3 coleciona quatro títulos: Sul-Americana e J. League/Conmebol (2018), Copa do Brasil (2019) e Campeonato Paranaense (2020). Ele também esteve na campanha do vice-campeonato da Recopa, contra o River Plate, em 2019.
O "animal competitivo" de Paulo Autuori
Lucho se sente em casa desde que chegou ao CT do Caju, em setembro de 2016. Logo em que foi anunciado como reforço do Athletico, foi chamado de “animal competitivo” pelo técnico Paulo Autuori, que havia tentado trabalhar com o jogador em outras temporadas por outros clubes.
"Ele é um excelente jogador. É um animal competitivo, entre aspas, porque está em um nível competitivo altíssimo e muito exigente. Ele vai ser um grande aporte na equipe, principalmente aos mais novos. Demos uma tacada muito certeira, estou bastante satisfeito", disse na época o atual técnico do Furacão.
"Final não se joga, se ganha"
Uma frase de Lucho se tornou lema no Athletico. Foi dita em dezembro de 2018, contra o Junior Barranquilla, antes do primeiro jogo da final da Sul-Americana, e virou regra no CT do Caju.
"Se tem algo que eu acredito é que a final não se joga, a final se ganha", disse o capitão no vestiário do estádio Metropolitano, na Colômbia.
A mensagem pegou entre os torcedores e também não sai da memória daqueles que participaram do momento, como o volante Wellington.
"Naquela tensão e ansiedade para ouvir o apito do juiz sempre tinha a palavra dele no vestiário, alguma orientação, algo que pudesse nos acalmar e orientar para entrarmos em campo com mais tranquilidade e confiança. Às vezes não dá na técnica e na tática, mas vontade e raça não podem faltar. O mais importante sempre é ganhar. Essa frase que ele falou no vestiário me marcou", relembra Wellington.
Exemplo na boa e na ruim...
Um jogador fica marcado em um clube pelas conquistas, mas nem só de bons momentos se faz um ídolo. Em 2019, o Athletico não conseguiu superar o River Plate e ficou com o vice da Recopa. O técnico Tiago Nunes lembrou de um gesto de Lucho naquela noite no Monumental.
"Estávamos muito chateados, tínhamos acabado de receber a nossa premiação de segundo colocado. A maioria dos atletas estava saindo de campo e aí o Lucho chamou todos e cobrou que permanecessem até que o River recebesse a premiação. Isso demonstra um pouco o perfil dele que, mesmo num momento de derrota, chamou os seus companheiros para respeitar um adversário que havia acabado de nos derrotar. A liderança surge em vários momentos, não só nas vitórias, mas principalmente nas dificuldades. Foi um momento que me marcou e que vou carregar comigo para sempre”, recordou o treinador.
Athletico: 10 gols, 161 jogos e quatro títulos
Lucho chegou ao Athletico em setembro de 2016 e acumula 161 jogos disputados pelo clube. Levantou quatro taças e tem dez gols marcados – metade deles anotados na Libertadores. Ele é, atualmente, o vice-artilheiro do Furacão na competição continental, com cinco gols. Só fica atrás do trio Luisinho Netto, Lima e Marco Ruben, com seis.
Lucho González marcou seu primeiro gol no Athletico na vitória por 1 a 0 sobre o Deportivo Capiatá, que classificou a equipe para a fase de grupos da Libertadores 2017. Foram seis naquela temporada (Capiatá, Universidad Católica, San Lorenzo, Santa Cruz, Atlético-GO e Sport), um em 2018 (Ceará), um em 2019 (Fluminense) e dois em 2020 (Jorge Wilstermann e Peñarol).
O argentino está entre os cinco jogadores do atual elenco do Athletico com mais partidas disputadas. Ele fica atrás de Nikão (255), Santos (204), Thiago Heleno (188) e Márcio Azevedo (165).
Drama pessoal e apoio de Diniz
Lucho quase teve a trajetória interrompida no Athletico. Ele chegou a ficar um breve período fora do clube, no final de 2017, quando enfrentou problemas com a ex-esposa ao mesmo tempo em que viu seu contrato acabar, mas foi recontratado pelo clube no início da temporada seguinte. Com o apoio do Athletico, se reergueu e retomou a vida.
Nesse período, o jogador contou com apoio do então técnico Fernando Diniz, hoje no São Paulo, para continuar no Athletico. Quem conta a história é Paulo André:
"Um dia que me lembrarei com muito carinho foi quando levei o Fernando Diniz ao apartamento do Lucho, em janeiro de 2018. Lucho e o Athletico não haviam renovado o contrato e o Lucho estava muito chateado pela exposição negativa causada pelos problemas com a ex-mulher. Diniz levou o computador, mostrou vídeos e explicou como ele via o Lucho na sua equipe. Alguns dias depois o Lucho foi recontratado e no final daquele ano levantou a Copa Sul-Americana. O resto é história".
Em memória do pai...
O pai de Lucho morreu aos 70 anos, em 2012. O volante estava concentrado para o jogo entre Dínamo de Zagreb e Porto, na Croácia, pela Liga dos Campeões, quando foi avisado do falecimento. Mesmo abalado pela perda, Lucho decidiu jogar e acabou fazendo uma homenagem ao seu Óscar. Capitão, foi dele um dos gols da vitória por 2 a 0, na Croácia.
"Esse será sempre o gol mais importante de toda a minha carreira. Foi, é e será. Entrei em campo sabendo que o meu pai tinha acabado de morrer. Marquei um gol sabendo isso. É muito forte", disse Lucho em entrevista ao site MaisFutebol, em janeiro do ano passado.
O gol em memória do pai foi relembrado pelo presidente do Dragão, Pinto da Costa.
"O profissionalismo que já não tinha de demonstrar, porque ninguém o questionava, ficou bem claro neste episódio, quando ele fez questão de jogar contra o Dínamo de Zagreb, na Croácia, pouco depois de saber que o pai tinha acabado de falecer".