Forjado para brilhar: como Vitor Roque passou de volante à maior joia do Athletico
Na escolinha de futebol do Cruzeirinho, em Coronel Fabriciano, a 247 km de Belo Horizonte, um volante baixinho e entroncado era quem sempre fazia a diferença nas partidas de sua categoria, desde os seis anos de idade.
A disparidade técnica, mental e física se mostrava tão grande que os professores foram, aos poucos, obrigados a subir o garoto para jogar com os mais velhos. A ideia era testar os limites da joia que tinham em mãos, um tal de Vitor Roque.
A estratégia, contudo, não podia ser empregada sempre. Havia um sério risco de enfurecer o restante do time.
“Os meninos vinham cobrar de mim, reclamar, falando que eles ficavam sem ganhar quando o Vitor estava na categoria de cima”, conta Alcides Bassoto Neto, 68 anos, mais conhecido como Tidinho.
O campo onde surgiu Vitor Roque...
"E aí, como a gente é escola e disputa alguns torneios, eu atendia para satisfazer… Mas depois o subia de novo, o Vitor chegava e arrebentava, mesmo dois anos mais novo”, completa treinador e presidente do Cruzeirinho, onde o prodígio do Athletico deu os primeiros passos com a bola, entre os seis e dez anos de idade.
Nesta temporada, aos 17, Vitor Roque se tornou a maior negociação da história do Furacão. Em abril, o clube pagou multa rescisória de R$ 24 milhões para tirá-lo do Cruzeiro.
Decisão que refletiu imediatamente dentro de campo. Herdeiro da camisa 39 de Bruno Guimarães, foi importante – com gols e assistências – na campanha que levou o time paranaense à final da Libertadores, neste sábado (29), às 17h, contra o Flamengo, em Guayaquil, no Equador.
Impressiona por sua força e inteligência, mas ainda é uma joia bruta escrevendo os primeiros capítulos de sua história. A pergunta fica em aberto: até onde pode chegar?
Moldado para trabalhar (e brilhar)
O mineiro de poucas palavras foi moldado desde pequeno para brilhar. Ou melhor, foi forjado para trabalhar forte e, consequentemente, poder colher os resultados de seu esforço. Exatamente como prega a filosofia de seu maior ídolo, o português Cristiano Ronaldo.
“O Vitor sempre soube o que ele quis e onde ele quer chegar ”, garante a mãe, Hercília Roque Ferreira.
“Desde pequeno sempre foi muito focado, deixava qualquer festa de aniversário para dormir cedo por causa de treino ou jogo no dia seguinte”, emenda.
Com atitude semelhante à de um profissional ainda na infância, Vitor Roque uniu a vontade acima da média com uma paixão arrebatadora pela bola.
Só faltava praticar todos os dias, coisa que não seria empecilho para quem morava justamente em frente ao campinho do bairro.
“Na época da escolinha, os meninos convidavam o Vitor pra brincar, mas ele respondia que só queria se fosse de bola”, lembra o professor do Cruzeirinho Benedito Otaviano Vieira, 66 anos, conhecido como Neném Salame.
“A cabeça dele é muito boa, tem muita personalidade. Não lembro de ter dado trabalho na escolinha, nenhuma recordação de indisciplina. É um menino que não fala muito, é tranquilo, mas muito focado e trabalhador”, garante Neném.
“Ele sabe que para a estrela dele brilhar, é preciso vencer os obstáculos no dia a dia. Tem que trabalhar”, reforça o técnico Luciano Alves Schuai, que conviveu com Roque por dois anos América-MG – e mudou a trajetória do garoto no futebol.
Força fora do comum
Levado para fazer um teste no Coelho em 2015, Vitor Roque foi aprovado de cara. E logo no primeiro campeonato pelo clube, deixou para trás o meio de campo. Virou atacante, legítimo camisa 9.
“Ele chamava atenção pelo chute, pelo um contra um, que era muito forte, e fomos trabalhando ele”, recorda Schuai.
Mesmo no Cruzeirinho, o menino já se destacava pelo instinto de artilheiro, ainda que seu posicionamento fosse outro. Quando a situação estava ruim, a tática era bola no Vitor Roque.
“Podiam faltar 100 metros pra bola chegar no goleiro, ele não queria saber, ia lá conferir. Vai que o goleiro soltava essa bola, né? A gente via que ele tinha qualidade, vontade e uma força física impressionante. Ganhava jogos praticamente sozinho”, fala Tidinho.
"Às vezes os meninos do time estavam com dificuldade, a gente mandava ele resolver – e ele resolvia. Aquela situação de entrar na frente do zagueiro, de antecipar, já fazia também. Tinha muita força”, concorda Neném.
No América, Vitor lapidou sua facilidade natural para colocar a bola na rede e começou a colecionar prêmios de artilheiro. Ao mesmo tempo, também atuava coletivamente. Com ele em campo, o Coelho perdeu apenas uma vez em quase dois anos.
Outra característica que ficou evidente no período foi o poder de decisão em clássicos. “Colocavam dois, três jogadores marcando praticamente individualmente o Vitor com seus 13 anos, jogando no sub-14. Marcação cerrada mesmo, mas ele sempre rompia um espaço. Não falo de estrela, falo de competência porque ele era muito competente”, elogia Schuai.
Frango com ketchup e banana frita
Podemos dizer que a força física que marca o futebol de Vitor Roque vem dos genes do pai, Juvenal, que foi volante no futebol amador mineiro, e da habilidade culinária da mãe.
“A especialidade da minha mãe é um frango que o Vitor ama, frito com maionese e ketchup. Se deixar, misericórdia. Banana frita, também, tem quase todos os dias no almoço”, revela a irmã Vitória, cinco anos mais velha.
Hoje, todos moram em Curitiba, acompanhando a carreira do caçula da família. Em 2015, quando aconteceu a mudança para Belo Horizonte, Juvenal permaneceu em Coronel Fabriciano por causa do trabalho, mas sempre foi um pai presente apesar da distância no período.
A estrutura familiar que o garoto tem desde o início é, sem dúvida, parte do sucesso da promessa atleticana.
“Existem tempos bons e ruins. Nós estamos aqui para fazer com que tudo se torne mais fácil para o Vitor”.
Hercília Roque Ferreira, mãe do atacante
"Quem conhece essa família sabe que é muito bem estruturada, unida e focada em princípios e valores. Enxergaram no Vitor algo diferente, por sua perseverança, pelo jeito de agir, e apostaram nele”, cita Schuai.
Mas ao mesmo tempo em que trilha uma carreira de potencial gigantesco, o jovem atacante também lida com nuances do fim da adolescência, pressão constante e expectativas – quase infinitas – externas e próprias.
“Ele é muito maduro desde cedo e a pressão é muito grande, né? Por ele sempre se destacar, a responsabilidade parece que é maior, a cobrança é maior, as expectativas… Então, às vezes tem momentos que a gente sente que dá uma pesada, é onde entra a parte que falamos que ele não está sozinho, você tem Deus para te ajudar”, lembra a mãe do camisa 39 que estará em Guayaquil com a família esperando comemorar o título inédito do Athletico.
"O Vitor, dentro de campo, cresce muito. Em jogos importantes, parece que se transforma, fica diferente. É torcer para que eles saiam de lá vitoriosos e que seja com gol dele, né?”, espera Hercília.