Do Vinicinho do campinho de terra à idolatria no Athletico: as raízes mineiras de Nikão
“Você toma conta dele como pai”?
O pedido foi em tom de apelo. Foram com essas palavras que dona Rita, avó de Nikão, suplicou a Wanilton César Silva, o Cesinha. Naquela época, o menino já tinha perdido a mãe, vítima de câncer, e não sabia o paradeiro do pai, que nunca conheceu.
Para entender as raízes de Maycon Vinicius Ferreira da Cruz, o ídolo do Athletico, é preciso voltar no tempo, mais precisamente quando Nikão morava no bairro de Vila Exposição, em Montes Claros, Minas Gerais, distante 421km da capital Belo Horizonte.
Prestes a completar nove anos, ele já enfileirava os coleguinhas driblando no campinho de terra em frente à escola Santa Terezinha. Foi lá que Cesinha, na época olheiro, viu Nikão pela primeira vez. Nikão, não, e nem Maycon: era “Vinicinho”, chamado carinhosamente pela avó.
Vizinho, Cesinha estacionou a moto e parou para ver o menino franzino, ligeiro, canhoto e driblador que chamava atenção. Esperou o joguinho acabar e o abordou. Perguntou onde morava, quem eram os pais e ouviu “não tenho” como resposta.
“Mas a minha vó mora ali”, apontou o garoto.
Foi assim que Cesinha conheceu a família de Nikão. Acostumado a levar meninos para testes no interior de São Paulo, por pouco ele não “perdeu” o pequeno candidato a craque. Como ele mesmo conta, muita coisa aconteceu para dar errado.
Tudo começou quando Cesinha, empolgado, comentou que tinha “descoberto um molequinho” com um empresário rico da região.
“Eu já tinha feito o DVD do Nikão e estava me organizando para levá-lo ao Mirassol. O cara pediu pra assistir, mas comentou que o Nikão era pequeno e franzino demais. No outro dia, ele mandou os funcionários rodarem Montes Claros inteira atrás do menino. E acharam”, lembra Cesinha.
Para ficar com Nikão, o empresário se reuniu com os familiares, ofereceu emprego para um dos tios, e disse que garantia a feira do mês. Já apegado a Nikão, Cesinha ficou sem chão. Foi chamado na casa da avó para ser comunicado da mudança de planos, quando dona Rita entrou em ação.
“Estava muito triste com toda a situação, até que ela se levantou e disse ‘quem decide é o Vinicinho. Você quer ficar com quem, o moço rico ou Cesinha?’ E ele respondeu, ‘Cesinha’. A vó cravou ‘assunto encerrado’, e me perguntou se eu podia tomar conta dele como um pai. E eu digo que a atitude mais importante partiu do próprio Nikão, e ele só tinha nove anos”, relembra.
Perdas na família, chegada ao Galo e "peregrinação"
Aos 11, Nikão foi levado para a base do Mirassol, onde recebia uma ajuda de custo mensal e fazia questão de separar uma parte para enviar à avó pagar as contas. Nesse meio tempo, ainda fez testes na Holanda, Rússia e na Arábia Saudita até chegar à base do Palmeiras.
Foi nessa época que Nikão sofreu um baque. Dona Rita faleceu aos 60 anos, após uma parada cardíaca, na virada de 2008 para 2009. Pouco depois, Nikão passou pelo Santos até ser contratado pelo Atlético-MG, onde se profissionalizou. Em 2010, recebeu outra notícia que o derrubou: o irmão Thiago, de 20 anos, havia falecido em um acidente de carro.
No Galo, Nikão chegou indicado pelo técnico Vanderlei Luxemburgo, mas teve poucas oportunidades. No total, disputou apenas 11 jogos e marcou um gol.
“Nessa fase, o que prejudicou o Nikão foi o extra-campo, bebida e mulheres. Ele bebia demais, dormia de menos, e não conseguia render em campo. Foi isso que estragou a passagem dele no Galo”, conta Cesinha.
E ali começava uma "peregrinação". Nikão acabou sendo emprestado ao Vitória, e na sequência foi para o Bahia. Em 2012, foi reintegrado ao elenco principal do Galo, mas a volta só durou uma partida.
Em seguida, foi cedido à Ponte Preta, onde participou de 29 partidas do Brasileirão. Os clubes até tentaram negociar um novo empréstimo, mas o jogador acabou voltando ao Galo, mas não ficou no time alvinegro. Seguiu, então, para o América-MG, depois para o Linense, onde disputou Campeonato Paulista, até chegar ao Ceará. Fez uma boa Série B, com 36 jogos, mas o extra-campo pesou novamente.
“Foi um momento difícil, ninguém mais acreditava nele, estava com 92 quilos, não conseguia ser titular. Eu conversava muito com ele, porque pai não abandona filho”, recorda Cesinha.
Impaciência e acima do peso no Furacão
Depois de rodar por tantos times, Cesinha teve uma ideia. Naquela época ele, que já conhecia a estrutura do Athletico, pediu para que Carlos Roberto, empresário que conhecia desde a passagem pelo Mirassol, oferecesse Nikão ao time paranaense. A esperança era de que Mario Celso Petraglia aceitasse Nikão, jogador que tinha visto com 14 anos, em uma visita à base do time paulista. O dirigente aceitou, e em janeiro de 2015, o meia-atacante era anunciado pelo Furacão.
Acima do peso, Nikão ficou fora da delegação que foi até Marbella, na Espanha, fazer a pré-temporada. Para entrar em forma, treinava no CT do Caju em três períodos. Mas perdeu a paciência.
“Ele me ligou reclamando que só treinava e não jogava, e que queria ir embora. Ele disse ‘não estou treinando para a Olimpíada’. Eu fiquei furioso, porque era a chance que eu tinha pedido a Deus”.
Cesinha desligou o telefone e novamente foi atrás de Carlos Roberto para pedir que o empresário conversasse com Petraglia e Nikão passasse a jogar no time de aspirantes, que disputava o Campeonato Paranaense, para pegar ritmo. O presidente foi convencido, mas avisou que era a última chance de Nikão.
Foi assim que o meia vestiu a camisa do Athletico pela primeira vez no dia 26 de fevereiro de 2015, na derrota para o Foz do Iguaçu, por 1 a 0, pela primeira fase do estadual. O primeiro gol veio três meses depois, na goleada sobre o Nacional por 5 a 0, na Arena da Baixada, na última rodada do Torneio da Morte daquele ano.
De lá para cá, a história com a camisa rubro-negra foi se construindo. Decisivo, o neto da dona Rita virou ídolo da torcida e cravou seu nome na história do clube, conquistando seis títulos ao longo de mais de 300 jogos. A última taça foi levantada em Montevidéu, no Uruguai, quando fez o gol do bicampeonato da Sul-Americana, no golaço de voleio contra o Red Bull Bragantino.
Agora, em outro momento da vida e da carreira, Nikão volta a ser o centro das atenções. Nos próximos dias, ele estará em campo atrás de mais um título, justamente contra o clube onde tudo começou. Contra o Atlético-MG, o Furacão vai atrás do bi da Copa do Brasil. No que pode ser suas últimas exibições pelo Athletico, ele tenta ser protagonista mais uma vez.