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De capitão a torcedor: Deivid fala sobre aposentadoria e 13 anos de Athletico, agora na arquibancada

Deivid Athletico

Deivid posa com torcedor na Baixada. Foto: Átila Alberti/UmDois

Seguindo o fluxo para deixar a Arena da Baixada poucos minutos após o Athletico derrotar o Juventude no último sábado (1º), pelo Brasileirão, Deivid Willian da Silva contava – com a maior naturalidade do mundo – sobre a única vez em que chegou às vias de fato com um companheiro de clube.

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No CT do Caju, logo no primeiro treinamento depois da derrota para o Vélez Sarsfield, no José Amalfitani, pela Libertadores de 2014, o tranquilo e sempre discreto londrinense sentiu o sangue ferver após um bate-boca com o goleiro Weverton.

“Eu fui pra cima dele. No jogo lá na Argentina ele já tinha me xingado, mas me segurei. Dessa vez eu saí na mão. Todo mundo se espantou”, recorda o recém aposentado volante de 291 partidas pelo Furacão.

Aos 33 anos de idade, o lugar de Deivid agora é nas cadeiras do Joaquim Américo, na primeira fileira do setor Coronel Dulcídio Inferior.

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Coquinho, como é carinhosamente chamado pela torcida, conversou com a reportagem do UmDois Esportes para passar a limpo a carreira e, simplesmente, falar de futebol enquanto assistia ao clube de coração jogar.

Deivid posa com torcedor na Baixada. Foto: Átila Alberti/UmDois

Começo e fim no Athletico

A chegada ao CT do Caju, em 3 de novembro de 2005, foi incomum. Deivid, que treinava no PSTC, em Londrina, estava com o joelho direito lesionado. Mesmo assim, viajou a Curitiba para fazer a recuperação no clube, bancado pela observação apurada do olheiro Ticão.

Voltou de vez no início do ano seguinte, aos 16 anos, seguindo passos que Dagoberto, Fernandinho e Jadson também haviam feito. Permaneceu até 2018, quando levantou a taça do Paranaense como capitão do time sub-23 comandando por Tiago Nunes.

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Após quase 13 anos de Athletico, a saída aconteceu por opção e, no fundo, ainda tem um gosto agridoce. No mesmo ano, o clube venceu a Sul-Americana e, em 2019, a Copa do Brasil, títulos que o volante acredita que poderia ter no currículo.

“Depois do Paranaense, esperei um mês para ver como seria com o Fernando Diniz, que praticamente não usa jogadores das minhas características”, fala Coquinho, que no ano anterior, quando jogou apenas 11 vezes, começou a tratar uma forte depressão.

“Então, depois de ser cortado do banco contra o Newell’s Old Boys, na Argentina, pela Sul-Americana, pedi pra sair. Foi uma decisão pensada. O Petraglia estava bancando o Diniz. E acabou que o Tiago Nunes assumiu depois e com, certeza, eu teria alguma chance com ele, estaria no no grupo”, aponta Deivid.

O destino de Coquinho foi o Sport, mas a família não se adaptou em Recife, fora os oito meses de salários atrasados. No início de 2019, já defendia o Guarani, onde permaneceu por duas temporadas, antes de passar por Inter de Limeira e finalizar sua trajetória no Vila Nova.

Arena da Baixada: Coquinho na primeira fila. Foto: Átila Alberti/UmDois

Enquanto isso, em campo, o Athletico fazia 1 a 0 com Vitinho, que só completou para a rede após passe de Vitor Roque. O atacante de 17 anos aplicou um giro no defensor com absurda facilidade e distribuiu sua terceira assistência na últimas cinco partidas.

“Esse vai ganhar dinheiro. E vai dar muito dinheiro para o clube também”, comenta Deivid, impressionado com uma característica do camisa 39. “Parece um touro. É muito forte”.

Pouco depois, Roque é parado com carrinho aplicado pelo zagueiro Thallison Kelven, prata da casa do Coritiba, que recebeu uma chuva de vaias da torcida. De relance, o defensor percebe o ex-companheiro de Guarani e Inter de Limeira na arquibancada e dá uma piscadinha irônica.

“Você viu que ele piscou pra cá?”, reclamou um torcedor, indignado, enquanto Deivid achava graça da situação.

Na arquibancada, o londrinense ainda não consegue se desvencilhar da antiga profissão. Continua discreto como era dentro das quatro linhas, apesar do estilo ‘raçudo’ que o marcou.

“Eu fazia meu trabalho, mas não vibrava. Aqui é um sentimento diferente”, explica Coquinho, que prefere ir ao estádio à paisana, tentando não chamar atenção.

A calça jeans cinza e a jaqueta preta, claro, não impedem ninguém de reconhecê-lo, vide as cerca de 15 fotos que tirou no intervalo. “Tinha que ver nos primeiros jogos”, brinca Deivid, que atendeu a todos com calma e paciência.

Vestir a camisa do Athletico na Arena, por enquanto, está descartado. “Tenho vergonha, não quero aparecer. Talvez mais pra frente”.

Deivid “à paisana” na Arena. Foto: Átila Alberti/UmDois

Timidez e propostas para deixar o Athletico

Não é difícil perceber que Deivid é uma pessoa introvertida. Dar entrevistas sempre foi tarefa complicada para o jogador, que no início da carreira passou por arrogante no CT do Caju, exatamente pela dificuldade de comunicação.

Certa vez, quando foi entrar no quarto de um amigo, ignorou solenemente os outros três garotos que estavam lá: os goleiros Neto e João Carlos e o lateral Gerônimo.

“Eu entrei e não dei oi pra ninguém, por vergonha. Depois, com o passar do tempo, fiquei amigo de todos, mas eles vieram me falar que a primeira impressão foi que eu era marrento”, relembra.

Hoje, mais maduro, ele tem consciência de que sua história no Athletico talvez não fosse tão longa assim caso soubesse fazer melhor com seu “marketing pessoal”.

Propostas não faltaram, garante. Em 2011, quase foi comprado pelo Grupo Sonda e, no ano seguinte, o clube recebeu proposta do Corinthians. Em 2013 o Atlético-MG, do técnico Cuca, e o Cruzeiro, de Marcelo Oliveira, tentaram tirá-lo do Athletico.

Dois anos depois, quase foi incluído na negociação do atacante Marcelo para o Flamengo, além de ter oferta do Shandong Lundeng, da China, equipe que Cuca havia assumido.

“Eu iria ganhar quase o dobro no Palmeiras, por exemplo, com contrato de cinco anos. Mas talvez, se tivesse acontecido, eu não teria o carinho da torcida como tenho hoje. São os dois lados da moeda”, pondera ele, que não reclama do que conquistou com pela bola.

Pelo contrário. “Nunca fui de ostentar. Peguei os exemplos ruins que via e fazia o contrário. Tenho uma vida estável, consegui ajudar minha mãe, meus tios. No meio do futebol dizem que sou mão de vaca”, brinca.

Torcedores formam fila para tietar Coquinho

Dia nervoso de Petraglia

Deivid descreve sua relação com o presidente Mario Celso Petraglia como muito boa, mas reconhece que o dirigente tem seus “dias nervosos”.

Certa vez, quando negociava renovação de contrato, Coquinho foi até Petraglia com um pedido: R$ 10 mil a mais no salário oferecido pelo clube para fechar.

“Ele me respondeu que era aquilo lá ou eu poderia buscar outro time”, recorda o volante, que não compreendeu a reação intempestiva diante de uma solicitação teoricamente simples para uma negociação bem encaminhada.

Semanas depois, contudo, o acordo acabou assinado e, para surpresa de Deivid, com o Athletico pagando mais do que a solicitação inicial. “Ele deu R$ 20 mil a mais. Não entendi nada”, conta.

Em 2012, quando o Corinthians quis contratá-lo, Petraglia justificou a recusa com a necessidade de contar com o jogador no projeto, de longo prazo. A promessa foi de conceder um aumento com o acesso.

“Ele sempre gostou muito de mim, mas nunca me colocou acima do clube. Não faz isso com ninguém. Quem sai fora do que o Petraglia pensa, está descartado. Por isso que o Athletico é o que é hoje”.

Athletico, Deivid e a expectativa pelo título da Libertadores

No segundo tempo, Fernandinho garantiu a vitória do Athletico sobre o lanterna Juventude, para alegria de Deivid, que vive uma nova era de seu vínculo com o Rubro-Negro. “De 2005 a 2018, conheço todo mundo que passou por aqui”, constata.

Agora, do lado de fora, espera ver o time vencer o Flamengo, seu time de infância, na final da Libertadores, em Guayaquil, no Equador, em 29 de novembro.

Na visão dele, o time precisa recuperar a confiança mostrada até a classificação à semifinal. Papel que o volante Fernandinho, que por meses foi seu contemporâneo no CT do Caju, pode contribuir muito.

“A principal qualidade dele hoje é a experiência. Sabe os atalhos do campo, tem liderança. Fora de campo é um cara muito humilde, como a maioria dos grandes jogadores”, elogia o ex-volante, que fez quatro meses de recuperação no Athletico antes de amadurecer a ideia de aposentadoria.

“Esse elenco é muito focado”, ressalta.

A última camisa de Devid no Athletico: nunca usada.

Coquinho ainda não sabe quais serão seus próximos passos. Se vai permanecer no futebol – ele tem as portas abertas para trabalhar no clube a convite de Petraglia –  ou se vai seguir a vida em outra área.

De qualquer forma, o sentimento que fica é de que ele faz parte do sucesso do Athletico. “Os torcedores falam que fez história no clube, me agradecem e dizem que fiz parte de tudo o que está acontecendo também”.

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