Tesouro em vermelho e preto: pai e filhos contam em fotos raras a história do Athletico
Relíquia. Tesouro. Raridade. Não é nenhum exagero afirmar que é um acervo especial. Há 40 anos, Fernando Mandu uniu a paixão pela fotografia e pelo Athletico e passou a documentar parte da história do clube tendo os filhos como protagonistas. Registros de momentos históricos, conquistas e memórias que retratam a simplicidade de uma época que jamais será vista novamente.
O acervo é uma caixa de memórias. Cada foto retrata um período rubro-negro e traz boas lembranças, como os títulos estaduais de 82 e 83 no Couto Pereira. Ou, ainda, o jogo histórico contra o Flamengo, recorde de público nos estádios do Paraná.
Chuteiras pretas, estádios apinhados, coloridos, em clima de festa típico dos anos 80. Com uma máquina Olympus OM-1 pendurada no pescoço, Fernando entrava nos gramados do Joaquim Américo, Couto Pereira, Pinheirão, Vila Olímpica do Boqueirão e Vila Capanema com um filho em cada mão. Tudo acontecia de forma natural, genuína e sem barreiras.
O
objetivo era um só: fotografar os filhos com os jogadores em campo. Depois, o processo
era simples. O pai mandava o filme revelar e também costumava guardar as
edições da Revista Placar onde os pequenos apareciam com os times posados.
“A minha credencial era estar com os dois. Nunca aconteceu de alguém barrar. Eu tinha a iniciativa de pedir para os jogadores formarem para as fotos, e meio que tomava a dianteira. Aí eu colocava os meus filhos na frente, e nisso os fotógrafos aproveitavam. Mas o que eu queria mesmo era registrar os meus filhos com o time”, conta.
E foi assim que os irmãos Junior e Luiz Demetrio viraram os mascotinhos do Athletico. Crianças, na época com seis e quatro anos, respectivamente, eles passavam a semana inteira na expectativa para chegar o compromisso mais importante da família: ver o Furacão.
Fardados de Athletico, os pequenos descarregavam a ansiedade correndo pelos campos e maravilhados com o espetáculo. Demetrio, o mais sapeca, disparava na frente e até fazia aquecimento junto com um ou outro jogador. Junior, o mais velho, lembra com saudade dos momentos divertidos.
“A
gente vivia a emoção de entrar em
campo e pensava que a torcida estava nos aplaudindo. Então, para nós, era o
ápice. Víamos as fotos no jornal no dia seguinte e comentávamos com quem
tínhamos entrado no gramado. Cada jogo era uma história e uma motivação
diferentes. Os holofotes eram nossos”, relembra.
“Os jogadores levantavam os braços, e a gente levantava também. Tudo era festa. O pai sempre comprava os uniformes. Nós não sabíamos contra quem o Athletico ia jogar, mas sabíamos que iria ter jogo no fim de semana”, diz Demetrio.
“Olha, vocês aqui!”
O patriarca Fernando trabalhava com fotografia em eventos e casamentos e começou a frequentar os jogos do Athletico em 1968. Não demorou muito para a sua paixão pelo clube potencializar com Djalma Santos, Bellini e companhia. Ao lado do irmão, Longuim José Kuiaski Junior, ele marcava presença nas partidas do Furacão no então Belfort Duarte e dificilmente perdia um jogo do Robertão.
E
não era só isso. Fanático, Fernando se juntava às excursões da torcida dentro
do Estado, como Irati e Londrina, e também fora, como Rio de Janeiro e Santos.
O hábito de levar os filhos aos jogos começou em 80 e foi até 86.
Veja entrevista com Fernando Mandu e os filhos:
“A gente ficava no campo esperando o time subir. Depois, passamos a esperar os jogadores nos túneis. Mas a gente tomava cuidado para não abusar ou atrapalhar. Quando o time saía do vestiário era uma correria. O Demetrio sempre pegava na mão do Capitão, e o Junior colava no Lino”.
Em pelo menos dois anos seguidos, em 82 e 83, Junior e Demetrio foram mascotinhos em todos os jogos no Joaquim Américo e no Couto. Ao natural, viraram “figurinhas carimbadas”.
“Criou-se uma rotina, os jogadores até esperavam
a gente. Os diretores e funcionários do clube sempre me cumprimentavam. O Hélio
Alves (supervisor de futebol) dizia “Olha, vocês aqui”, diz Fernando.
“Na Baixada era tudo muito simples. Eu lembro que a gente chegava na portinha ao lado do ginásio, o pai batia, eles abriam e a gente simplesmente entrava. Não precisava se identificar”, lembra Demetrio.
Responsável por documentar a infância dos filhos,
tendo o Athletico como pano de
fundo, Fernando nunca comercializou nenhuma fotografia.
“Eu não comercializava as fotos, nunca divulguei. Tudo foi no instinto, dinâmico e rápido. A gente vivia o Athletico. Sou grato a Deus por ter vivido tudo isso. Foi uma alegria imensa, quantas oportunidades tivemos, quantas partidas e jogadores conhecemos. E tudo junto com os meus filhos. Meu maior orgulho era vê-los posando”, lembra emocionado.
Ohistórico jogo em 83
Um dos jogos mais especiais da família Mandu foi o histórico Athletico x Flamengo em 1983, o maior público do futebol paranaense, com 67.391 torcedores no Couto Pereira.
Era a partida de volta da
semifinal do Campeonato Brasileiro daquele ano. O timaço de Roberto Costa,
Nivaldo, Capitão, Assis, Washington e outros contra o Flamengo de Leandro, Adílio,
Júnior, Zico e companhia, uma verdadeira constelação de craques da época.
O Furacão venceu por 2 a 0, com gols de Washington. No
entanto, como tinha perdido o jogo de ida por 3 a 0 no Maracanã, acabou
eliminado.
E quem estava no gramado antes de o jogo começar? Junior e Demetrio, que hoje exibem orgulhosos a foto que tiraram com Zico, o mais disputado e badalado naquele dia inesquecível.
“A gente participou de um momento histórico. Saber que eu estive lá é especial. Lembro de muita gente, de ter até medo de tantas pessoas juntas”, diz Demetrio.
“Era uma época em que o Athletico era desacreditado e ganhou de uma seleção, que era o Flamengo. Pra mim esse jogo foi muito especial”, recorda Junior.
Veja o álbum de fotos em nossa página no Facebook com dezenas de imagens da família Mandu!
Seleção, Porto Alegre eMineirão
Fernando também levou os filhos a dois jogos fora
de Curitiba, contra o Atlético-MG no Mineirão
e Grêmio no estádio Olímpico, ambos
em 83.
“No Mineirão eu entrei com os meninos no
vestiário do Athletico e o Helio Alves nos acolheu”, relembra.
Outro jogo especial da família Mandu foi o
amistoso Brasil x Chile, no Pinheirão,
em 1986, último jogo antes da Copa do Mundo. A partida terminou empatada em 1 a
1, no dia 7 de maio, com gols de Mariano Puyol e Casagrande, diante de 38.676 torcedores.
Trinta e cinco anos depois, Fernando relembra
como foi difícil entrar em campo com os filhos.
“Foi
um parto entrar. Durante a semana, fui atrás do uniforme da seleção e deixei
eles bonitinhos. Pedi autorização ao Onaireves (Moura, antigo presidente da FFP),
mas ele enrolou demais. Como era jogo do Brasil, ninguém queria deixar a gente
entrar. Mas eu consegui. Entramos por trás da arquibancada e aí apareceu o quarto
árbitro, que era daqui de Curitiba. Ele nos acolheu dentro do vestiário e
depois, quando deu a hora de os times entrarem, a gente correu juntos com eles”.
Fotos “viraram domíniopúblico”
O acervo da família Mandu virou praticamente domínio público. Documentada, porém, não guardada a sete chaves. Há alguns anos, Demetrio passou a publicar algumas fotos em redes sociais para propagar a história do Athletico. Hoje as imagens circulam em vários grupos de WhatsApp, sempre carregadas de muito saudosismo.
Apaixonado por história, o atleticano também tenta
identificar outras crianças que aparecem nos registros.
“Graças ao meu pai, eu e os meus irmãos
aparecemos em vários momentos da história do Athletico. Comecei a compartilhar
porque são sempre as mesmas fotos nos grupos. E também pensei, vai que alguém conhece
os outros menininhos”.
“Também comecei a postar essas fotos porque quando alguém reclama de algo da Baixada, eu compartilho e digo, olha aqui essa época, tijolinho à vista, Getúlio Vargas antiga... para o pessoal valorizar mesmo”, diz Demetrio, que é fã declarado de Capitão.
Difícil é saber de quais fotos Fernando, Demetrio e Junior gostam mais. Os olhos brilham a cada imagem tirada da caixa. Quarenta anos depois, o pai ainda se surpreende com tanta riqueza e história.
“Eu não pensei que um dia virasse um tesouro. Alguma coisa fez com que eu registrasse esses momentos. Ter vivido tudo isso pra mim foi uma glória. Como o mundo vai se transformando, realmente não vai ter mais isso. Foi uma época de anos dourados”, diz o patriarca.
Junior lamenta que nos dias atuais não exista mais o clima de
antigamente.
“O futebol era mais romântico, com jogadores mais solícitos e amor à camisa. Naquela época, as coisas eram simples e com um sabor diferente. Hoje tudo mudou, tudo é muito comercial. Ver e ter esse acervo bate um sentimento de nostalgia. Não há dinheiro que pague fazer parte dessa história com meus irmãos e meu pai, de ter conhecido jogadores da época. Poucos tiveram essa oportunidade de ser o mascote e se reconhecer em tantas fotos, como a gente teve”.
Demetrio pontua as dificuldades, antes da pandemia, para que outros torcedores também tivessem a mesma oportunidade que ele teve.
“A gente podia entrar em campo e tirar fotos com o time inteiro. Hoje não dá pra fazer isso. Como tira foto com um Santos, um Lucho? São poucos que têm acesso ao nosso estádio e CT. Tudo se tornou impessoal e sem paixão. O que vivemos nos anos 80 foi um presente que Deus nos deu, mas é uma utopia nos dias de hoje”.
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