"Só é f... quem lança antes": Os bastidores de quando o Athletico trocou de nome, camisa e escudo

Em 4 de dezembro de 2018, véspera do primeiro jogo da final da Copa Sul-Americana, o Athletico Paranaense ainda era o bom e velho Atlético.
Seu tradicional escudo, redondo e com a sigla CAP estilizada em branco, era o mesmo desde 1997. A camisa era composta por listras verticais rubro-negras, padrão adotado em campo a partir de agosto de 1988.
No planejamento do departamento de marketing atleticano, no entanto, tudo mudaria em apenas uma semana, no maior rebranding da história do clube fundado em 26 de março de 1924. Símbolo e uniforme seriam ressignificados após um ano e meio de pesquisa e desenvolvimento de marca. O conceito dos quatro ventos seria revelado.
Só que a inesperada classificação à final continental havia criado um problema. Internamente, faltava convicção para bancar as consequências de um eventual insucesso do time de Bruno Guimarães, Pablo, Raphael Veiga e Renan Lodi.
E se o Furacão perdesse o título para o Junior Barranquilla dentro da Arena da Baixada lotada?
Responsável pela palavra final, o então presidente do Conselho Deliberativo, Mario Celso Petraglia, estava convencido de que o risco era alto demais. Assim que desembarcou na Colômbia para assistir ao jogo de ida, o dirigente cobrou uma posição.
"Ele me ligou e disse: E aí, já cancelou?", recorda o então diretor de marketing do Furacão, Nelson Fanaya Filho, atleticano de quatro costados que comandava o projeto de renovação da identidade visual do Rubro-Negro.

Convites para a imprensa de todo o Brasil haviam sido enviados com antecedência – e alguns jornalistas inclusive viajariam com despesas pagas pelo clube. A programação de lançamento estava pronta e Fanaya tentava a todo custo evitar o cancelamento do evento.
Para ele, não havia cenário melhor para uma ação tão impactante. Após o fim do Brasileirão, sem outras partidas no calendário do futebol, os olhos do país estariam inteiramente voltados para de decisão da Sula. O duelo, inclusive, teria transmissão em TV aberta, na Globo.
Após o empate por 1 a 1 no Estádio Metropolitano, com direito a pênalti perdido pelos donos da casa, Petraglia chamou Fanaya novamente e sentenciou. “Sábado, às 10h, na minha casa”.
"Só quem é f... lança antes"
Ao iniciar sua terceira passagem pelo marketing do Athletico, Fanaya Filho conhecia profundamente as diversas facetas de Mario Celso Petraglia, líder do projeto que revolucionou o clube.
Através de agências de marketing, prestou serviços ao time do coração entre 1995 e 2005, com papel de destaque em diversas ações premiadas, como a campanha Atlético Total. Muitas vezes de forma voluntária, sem pagamentos diretos pelos trabalhos realizados.
Depois, em 2012, retornou ao Rubro-Negro quando a chapa CAPGigante assumiu o time na Série B. Permaneceu até meados de 2014, ano de Copa do Mundo no Brasil.
Mas o último período, entre março de 2017 e dezembro de 2018, se tornou incomparável. “Foi um espetáculo. O Petraglia me pediu o rebranding, mudanças nos veículos oficiais, nova rede social e também o livro do clube”, conta o filho do ex-presidente Nelson Fanaya.
“Foi um período em que aprendi muito com ele. É um cara que, às vezes, fica com muita raiva de pessoas que necessitam saber muito o porquê das coisas. Com sua inteligência privilegiada, consegue ver o que os outros demoram a entender”, exemplifica.
A relação, porém, degringolou nos dias que precederiam a primeira conquista internacional do Athletico. Sem dormir entre quarta à noite e sábado de manhã, Fanaya bateu à porta da casa do dirigente com 20 minutos de antecedência, às 9h40, munido de uma apresentação digna de um publicitário anos 90.
“Gastei uma grana para imprimir um monte de coisa, tudo em A3, grandão, botei em fuan. Levei uma caixa com umas quinze placas. Ele me atendeu umas 10h30, me botou na ponta da mesa de jantar e ficou do outro lado observando”, relembra.

A apresentação englobou desde a concepção dos quatro ventos do Furacão – inovação, rebeldia, entusiasmo e ambição –, momento da internet mundial e os motivos da transformação da identidade do Athletico.
Nada disso era novidade para o presidente, claro. Então, quando a explanação se aproximava do fim, veio o apelo sentimental.
"Botei uma foto do meu bisavô, João Alfredo Silva, do meu tio-avô, Joffre Cabral e Silva, e do meu pai. E falei: presidente, o Athletico Paranaense, para mim e para minha família, é mais do que um trabalho, do que um projeto. Faz parte do meu dia a dia. É como se fosse um ente da família. Várias gerações trouxeram esse Athletico e me ensinaram a gostar do clube”.
Nelson Fanaya Filho"Estou aqui não por birra, mas por amor ao clube, e também por profissionalismo. Não podemos dizer que somos um clube rebelde, entusiasmado, ambicioso e inovador e não anunciarmos antes da final. Qualquer um lançaria depois de ser campeão, mas só é f… quem lança antes e tem coragem”.
Petraglia, então, autorizou a realização do evento na data original, um dia antes da decisão da Sul-Americana. A pressão e a responsabilidade, agora, estava nas costas do experiente diretor de marketing.

Athletico mudou tudo de uma vez
O bombástico lançamento seguiu conforme o plano, na terça-feira à noite, na área interna do Estádio Joaquim Américo Guimarães. Dias antes, o Conselho Deliberativo aprovou todas as mudanças sem questionar, literalmente às cegas.
O evento foi destaque na imprensa nacional. Sem esboçar dúvida, Petraglia posava para fotos ao lado da nova camisa, agora predominantemente vermelha, com quatro listras diagonais em preto, em referência a um furacão.
O distintivo, com aplicação monocromática, seguindo a tendência do design mundial, foi desenvolvido em parceria com publicitário Giovanni Vannucchi, fundador da Oz Estratégia + Design, agência contratada para criar a nova identidade visual atleticana.

Logo de cara, o escudo (e suas diferentes versões) dividiu opiniões. Agradou alguns, irritou vários outros. Inevitavelmente, virou meme. Mas cumpriu o papel de diferenciar e modernizar o clube.
“Tudo que você mexe, primeiro atrapalha, depois ajuda. Você troca de celular e, até se acostumar, ele atrapalha. Depois você se acostuma”, compara Fanaya, que também é o pai do escudo redondo, de 1997, na época aprovado em cinco minutos.
Talvez a principal quebra de paradigma, contudo, foi o resgate do nome original do clube, em clara tentativa de diferenciação em um mar de Atléticos. Tudo, embasado por uma longa pesquisa em documentos históricos do Rubro-Negro.
"O Athletico Paranaense foi batizado, registrado, crismado com essa grafia. É Club Athletico. Atlético é o mineiro quando se fala no Brasil. Fora do Brasil, o nosso nome é Paranaense”, justificou Petraglia, na época.
Entre as novas mascotes apresentadas, apenas uma vingou: o Fura-cão, cachorro com capa da super-herói que ganhou o carinho das crianças, virou pelúcia e passou a estampar diversos produtos. Já a Família Furacão – que contava com pai, mãe, filho e, filha – flopou e foi colocada na geladeira, ao lado do Cartola.

"Eu queria mesmo adotar a caveira [símbolo da organizada Os Fanáticos] como mascote, mas o Petraglia não deixou, disse que representava a morte e aí não aprovou", revela Fanaya, que também lamenta a maneira com que o clube tem tratado o design dos uniformes desde 2020.
Segundo o ex-diretor, o uniforme de 2019 tinha uma função clara: ser o escudo em forma de camisa, como forma de fixar a nova identidade. Mas os modelos idealizados para as temporadas seguintes simplesmente foram ignorados pela diretoria. Não havia orientação para não retornar com as listras verticais, por exemplo.
"O próprio Giovanni deixou os uniformes prontos, mas nunca foram usados. A única coisa que o estatuto diz é que camisa principal tem de ser vermelha e preta. As listras podem ser na vertical, na diagonal, na horizontal, metade preta, metade vermelha. A tendência era que usar diagonal no primeiro ano e depois voltar. Mas as camisas recentes são ridículas", critica.
Título, alívio e despedida do Athletico
Mesmo quando o evento de rebranding finalmente terminou, Fanaya não conseguiu tirar o peso das costas. O alívio e a sensação de dever cumprido, na verdade, só seriam sentidos na noite seguinte, na dramática final contra o Junior Barranquilla.
Quando os colombianos tiveram um pênalti a favor em plena prorrogação, o diretor de marketing confessa que não tinha mais forças para assistir. Só voltou para comemorar após a vitória concretizada na cobrança do capitão Thiago Heleno.
Em seguida, foi ao vestiário abraçar um dos poucos amigos que fez no futebol, o técnico Tiago Nunes, e depois, desceu ao gramado, especificamente na trave da Rua Buenos Aires. Era sua despedida, com dever mais do que cumprido.
“Agradeci meu anjo da guarda. Aquela trave é o lado maluco, onde tudo acontece. No dia seguinte, voltei para a Arena, peguei minhas coisas fui no jurídico fazer meu distrato. E nunca mais falei com o Petraglia”, finaliza Nelson Fanaya Filho, mais um membro da família na história do clube.
