Episódio 3: A noite (ou acaba…)
Aquele Campeonato Brasileiro de 2001 foi bem bagunçado, mas nada comparado à zona total da Copa João Havelange, no ano anterior, ela sim o fundo do poço moral e esportivo da administração Ricardo Teixeira na CBF. A especialidade do "genro do homem" era fazer acordos milionários e obscuros com a seleção brasileira e, assim, a entidade não estava nem aí para os certames de clubes.
De qualquer forma, a final da João Havelange 2000 foi só em janeiro de 2001. Depois vieram estaduais longuíssimos. Nosso ruralzão, por exemplo, foi decidido em três jogos em três domingos. Eis que a temporada parou por quase dois meses para uma infame Copa América em que o Brasil foi eliminado por Honduras (foto abaixo).
Desta forma, o Campeonato Brasileiro ficou espremido em apenas cinco meses, agosto a dezembro. Para acochambrar as viradas de mesa do ano anterior, o certame acolheu 28 equipes que jogaram em turno único classificando-se as oito melhores.
Os quatro primeiros teriam a vantagem de jogar em casa e pelo empate as partidas únicas das oitavas, quartas e semis. A final seria em ida e volta com a finalíssima marcada para o dia 23 de dezembro, antevéspera do Natal. Essa história de partida única na casa do melhor colocado nunca mais se repetiu, calhou de ser no ano em que a Baixada era a grande novidade e foi o Super Trunfo do Furacão.
Ou o Athletico acaba com a noite ou a noite acaba com o Athletico
No início da temporada, Paulo César Carpegiani era o técnico. Estreamos metendo 7x3 no Londrina no Estádio do Café, prenúncio de um ano espetacular. Eu lembro que por algum motivo que não lembro bem eu estava em Cuba nesse dia e vi Maradona ao vivo pela primeira e única vez.
Carpa deu lugar a Flávio Lopes (lembram dele?) que foi o campeão estadual, mas logo chegou o grande e saudoso Mário Sergio Pontes de Paiva (foto abaixo) para colocar ordem na casa durante a pausa para a Copa América.
No primeiro semestre, ficaram famosos os exageros boêmios de alguns jogadores numa grande casa noturna chamada Carambola, que anos depois desapareceu lambida por um incêndio (foto abaixo).
Para organizar a parada, as lideranças do grupo montaram uma espécie de concentração alternativa, numa ampla casa com piscina no bairro Champagnat. Uma ótima ideia e ação acertada de gestão de crise. Dali nada vazaria e o pessoal podia chegar e sair mais cedo, mais ou menos como no conselho de Barcímio Sicupira para quem "a tarde era uma criança".
A casa do Dindo
O xerife da casa era o Dindo (foto abaixo), um simpático e articulado personagem da noite curitibana que segue na ativa. Eu tive a sorte de falar com ele, na festa dos 20 anos do título promovida pelos campeões.
"Eu era amigo do Alex Mineiro, do Nem, dos líderes da época, era uma referência para eles. Cabia a mim organizar os encontros, os churrascos de confraternização. Meu papel de unir o grupo, dar apoio e assessoria. Era um grupo muito unido que se cobrava muito então eu entrava preparando o churrasco das segunda e das quintas pós-jogo", disse aquele que se considera, com justiça, um dos responsáveis pelo título.
O problema é que o esquema ficou bom demais. Com o período sem jogos da Copa América, a gandaia se estabeleceu e o pessoal passou quase a morar na casa do Dindo. Quando o campeonato começou, a coisa refletiu em campo e criou-se um ciclo: grandes vitórias em casa chamavam grandes comemorações que precediam grandes derrotas fora de casa.
"Cabia a mim organizar os encontros, os churrascos de confraternização"
Dindo
A frase que definiu um movimento
Para os torcedores, ficou claro que a situação escapou do controle e que Mário Sérgio e o elenco já falavam línguas diferentes na derrota para o Palmeiras, 2 a 0, no dia 1º de setembro.
Na beira do gramado do velho Parque Antárctica, o nosso Pontes de Paiva fez gestos de afano, bateu boca com a turma do amendoim e falou um milhão de palavrões para o time. Nas entrevistas pós-jogo, abriu pública e nacionalmente sobre o pendor festeiro do seu grupo e disse que iria dispensar uma "barca" com todos dos jogadores que estavam na gandaia.
Em campo, no sol de São Paulo, parecia mesmo que todos os 11 atleticanos estavam de ressaca. Houve em seguida um jogo em casa, contra o Fluminense, e Mário Sérgio saiu deixando um recado fatal:
"Ou o Atlético acaba com a noite ou a noite acaba com o Atlético".
Mário Sérgio
A sentença soava como uma maldição para o time, mas teve, por sorte, o efeito contrário. Mario Sergio era o rei do efeito. Este slogan, aliás, era emulado da percepção que o naturalista Saint Hilleire teve ao notar a voracidade das formigas saúvas nacionais. "Ou o Brasil acaba com a saúva ou a saúva com o Brasil". Exagero dele. As saúvas ainda estão por aí e o Brasil, bem ou mal, também.
Sai o Vesgo, entra o Gênio
Dois dias depois da demissão de MSPP, durante a manhã brasileira houve o atentado ao World Trade Center. À tarde, Geninho (foto) foi anunciado como novo técnico. Eugênio Machado Souto chegou para apagar o incêndio com seu estilo bom de papo e conciliador de quem já viu de tudo no futebol. Muito amigo de Sicupira, Geninho seguidamente conversava com o ídolo atleticano sobre o barril de pólvora que encontrou.
Na biografia que escreveu sobre João Saldanha (1917-1990), o jornalista João Máximo afirma que "a seleção brasileira de 1970 não ganharia a Copa do Mundo sem Saldanha, mas também não ganharia com ele".
Máximo acompanhou de perto as turbulentas eliminatórias do escrete do tri e acha que sem a heterodoxia corajosa do atleticano João o time de feras não teria sido montado, mas caso Saldanha seguisse, a seleção não teria dado os sete bailes no México que trouxeram definitivamente a Jules Rimet para casa.
Sempre penso nisso quando olho para o Athletico de 2001.
Sem o fogo aceso por Mário Sérgio jamais seriamos
campeões. Mas se a diretoria insistisse nele, teria sido preciso dispensar as
lideranças de um time que se provou campeão.
A chegada de Geninho trouxe a paz, a iluminação que aquele grupo de jovens e malacos precisava.
"Eu tentei aproveitar a base que era muito boa do Mário e colocar algumas coisas minhas. Passar principalmente para os jogadores tranquilidade e confiança, a qualidade estava ali, era ter tranquilidade para colocar isso pra fora e confiança para executar. Esse foi meu grande trabalho. Claro que cada treinador tem uma maneira de pensar, eu jogava um pouquinho diferente do Mario, talvez o grupo tenha se adaptado um pouco melhor a isso, se sentiu um pouco mais solto, mas acho que fundamentalmente foi passar tranquilidade e confiança", comenta Geninho, em entrevista na festa dos campeões.
"Acho que fundamentalmente foi passar tranquilidade e confiança aos jogadores"
Geninho
Geninho trouxe a psicóloga Suzy Fleury para ajudar a trabalhar a cabeça da moçada. A primeira grande sacada foi reunir o elenco e falar real para eles:
"Falei que eles tinham que dar uma resposta àquela manchete. Se deixassem que aquilo fosse a verdade estariam acabados como profissionais, então cabia a eles dar uma resposta em campo e mudar o comportamento fora. Não era deixar de sair, mas fazer com um pouco mais de consciência e principalmente fazer com que os resultados dentro de campo ajudassem, porque se o time está ganhando, a coisa está boa, agora, se perde, qualquer pingo vira tempestade, esse foi um dos trabalhos de conscientização que tive fazer com eles", complementa o treinador.
Recado dado e captado pelo time que nadou de braçada a partir da estreia do novo técnico e embalou 12 jogos invicto para se colocar como um dos quatro postulantes ao título.
Sandro Moser é jornalista, escritor, autor da biografia "Sicupira - Vida e gols de um craque chamado Barcímio". Convidado pelo UmDois Esportes, o atleticano encarou o desafio de recontar a odisseia atleticana que completa 20 anos.
Leia todos os episódios da série especial sobre os 20 anos do título do Athletico de 2001
Veja fotos exclusivas do Athletico de 2001!
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