Episódio 1: O mundo (a revolução na Baixada e caem as torres)
“O futuro entra dentro de nós, para se transformar em nós, muito antes de acontecer”.
Rainer Maria Rilke
No aforismo do poeta alemão Rainer Maria Rilke cabe boa parte das razões do título de campeão brasileiro do Athletico em 2001. Uma conquista tão grandiosa não se improvisa e, portanto, não começou naquele ano.
Nasce de uma história bem conhecida por todos que vou assim resumir: o Clube Atlético Paranaense passou por um processo revolucionário a partir de 1995, liderado pelo empresário Mario Celso Petraglia (foto abaixo) e um grupo de notáveis rubro-negros. Na escalada da tática revolucionária, deu passos mui largos em cinco anos vertiginosos.
Em 1995, o título da Série B ganho em antológicas tardes na antiga Baixada do Farinhaki (eu invadi o campo no jogo decisivo). No ano seguinte, campanha histórica no Brasileiro na Baixada aumentada com arquibancadas tubulares. Em 97, o chamado "peitaço": o clube decidiu colocar abaixo o velho Caldeirão do Diabo e reconstruí-lo no tamanho e formato de suas ambições para o Século 21 (ainda guardo os tijolinhos).
Mesmo assim, fez uma campanha bonita (e traumática) na Copa do Brasil e foi campeão paranaense em 98 com grandes vitórias sobre os rivais locais. Em 99, o clube abriu sua Arena, o estádio mais moderno do continente e começou a transformou um antigo hotel na periferia da cidade no melhor centro de treinamento do país.
Em campo, resultados imediatos. Abotoamos a Seletiva para a Libertadores e voamos baixo no torneio continental de 2000 em nossa primeira vez. Fez a melhor campanha da fase classificatória, mas foi eliminado pelo Atlético-MG nos pênaltis nas oitavas.
A trajetória recente e estrutura permitiram ao Athletico projetar o título nacional em 10 anos, mas na real, só precisamos de apenas 10% deste tempo.
As torres caem e a Guerra ao Terror
Já o mundo era uma bola confusa em 2001. Vinte anos depois, me assaltam em flashs imagens desconexas daquele tempo de mudanças tecnológicas e confusões políticas: os apagões, a chuva de latas em Carlinhos Brown, a nota de dois Reais que comprava duas cervejas, revistas Playboy históricas, George Bush, Wikipedia, Manu Chao cantando a música da Vaca Louca, Harry Potter, Tony Blair, Kofi Anan, Milosevic, um novo Código Civil (eu tinha passado os últimos quatro anos decorando o velho) e novos videogames.
Até que no dia 11 de setembro de 2001, terroristas da Al-Qaeda sequestraram aviões e os lançaram em ataques suicidas contra o World Trade Center, em Nova York, e também à base do Pentágono. Mataram três mil pessoas.
Inaugurava-se um período de medo. A política de “guerra ao terror” se espalhou no mundo gerando muito sofrimento. Nada seria como antes e, como o fim estava próximo, quem pudesse que fosse para o all-in. Penso, agora, que até isso convergiu para o ippon do Furacão na rapaziada.
Aqui na terra estão jogando futebol
Eu tinha 23 anos. Com essa idade até ser preso é bom. Estava dando minhas cabeçadas por aí e só me sentia no meu lugar nas arquibancadas sem cadeiras, nem grades separando os setores da Baixada do tempo do muro e do pombal. Os ingressos para sócios eram recebidos em pacotes com antecedência e furados na catraca. A cerveja custava R$ 1,50 e nunca esquentava ou acabava no Calderone Rosso Nero ou no Espetinho do Amaral.
Aqui na província, tinha muito rock’n roll na região no 92 Graus, Jaime Lerner (foto abaixo) era o governador, Aníbal Curi mandava prender e soltar e Cássio Taniguchi era o prefeito de Curitiba.
Em abril, morreu a maior lenda atleticana, o ex-goleiro, Alfredo Gottardi, o Caju, a Majestade do Arco, aos 85 anos. Patriarca de um clã de grandes jogadores e torcedores, Caju foi velado na Baixada e seu nome já tinha batizado o recém- adquirido CT do clube, no bairro do Umbará.
Foi de lá, nos campos do terreno de 220 mil metros quadrados, que o Furacão preparou seu bote mortal que não estava no radar de ninguém. Quem explica é o professor Antônio Carlos Gomes (foto abaixo) que, em janeiro de 2000, assumiu o Departamento de Fisiologia do CAP e era chamado, pejorativamente, de "o cientista" pela mídia boleira local.
"Me lembro bem da primeira conversa que tive com o Petraglia. Ele disse que nós precisávamos transformar o Athletico no melhor do Brasil".
Antônio Carlos Gomes
Gomes complementa: "Para ele, nunca seríamos o maior, porque a história passada não permitiria, mas nós poderíamos ser o melhor clube do país”, recorda, em entrevista concedida durante a festa dos campeões de 2001, em comemoração aos 20 anos da conquista.
Formado na mãe Rússia, o "cientista" conta que sua missão era, em suma, baratear a formação de um bom time: "O Petraglia queria que a gente evoluísse na preparação dos atletas. Ele dizia que já estava há cinco anos no futebol e todo ano tinha que contratar jogadores caros. Ele queria montar uma fábrica de jogadores. Foi dentro dessa lógica que desenvolvemos o trabalho e já no segundo ano veio o sucesso total num time de jogadores experientes mais baratos e meninos que trouxeram muito dinheiro para o Athletico depois".
Para Gomes, só agora o futebol brasileiro está começando a entender a mensagem dada pelo Athletico no começo dos anos 2000. "O pessoal está abrindo o olho hoje, enquanto o Athletico já criou uma cultura de excelência que o permitiu pensar em voos maiores".
O segredo do sucesso
Em 2000, Petraglia era oficialmente Diretor de Marketing do clube. Um jeito de usar a tabela com efeito no estatuto do clube, mas ele é quem participava das decisões principais, principalmente as patrimoniais. Um dos milagres daquele ano, contudo, é que muitos atleticanos históricos se sentavam à mesa de decisão das coisas do futebol e foram fundamentais para a conquista do título.
A estrutura da cúpula atleticana era horizontal.
O presidente histórico, Valmor Zimermann, era diretor de futebol. Alberto Maculan era o para-raios entre o elenco elétrico e a direção. Roberto Karam era o relações públicas. O presidente de fato era Marcus Coelho, em meio a outros cardeais como Ennio Fornea, e Ademir Adur, que davam as cartas (e assinavam os cheques) no futebol. Cada um segurou algum rojão a seu modo e a união sempre fortalece o CAP.
Para Coelho (foto abaixo), o presidente campeão, o título foi conquistado com dois pilares que deram sustentação recíproca ao projeto durante todo o ano. Mais ou menos como a taça de campeão criada pelo artista Holoassy Lins de Albuquerque em que se erguem duas estruturas de aço inox de 91 cm encostadas uma na outra e que são exatamente iguais. “São dois oponentes que se confrontam. Visto de cima é o símbolo do infinito, pois um jogo nunca é igual ao outro”, explica o artista.
As bases do título, segundo o presidente, foram: "Em primeiro lugar, o Athletico foi o clube que descobriu o novo futebol dentro do Brasil. Enquanto clubes de grande tradição, experiência e grandes conquistas achavam que o caminho que haviam trilhado até ali era o único, nós percebemos que o segredo era manter uma gestão absolutamente confiável. Pagar em dia e prometer e cumprir".
O ex-cartola complementa: "O segundo fator foi garimpar jovens talentos que se mostraram absolutamente competentes".
"Essa junção de boa gestão, com grande talento foi o que levou o Athletico a um título que ele jamais imaginava que poderia conquistar tão cedo"
Marcus Coelho
Sandro Moser é jornalista, escritor, autor da biografia "Sicupira - Vida e gols de um craque chamado Barcímio". Convidado pelo UmDois Esportes, o atleticano encarou o desafio de recontar a odisseia atleticana que completa 20 anos.
Leia todos os episódios da série especial sobre os 20 anos do título do Athletico de 2001
Veja fotos exclusivas do Athletico de 2001!
https://www.instagram.com/p/CXycepFtXTK/https://www.instagram.com/p/CXyeUvfNIAC/https://www.instagram.com/p/CXyfCQBtAyy/