12 anos sem André Lopes: a dor e a saudade de uma família atleticana
Ricardo, Thiago e Alexandre decidiam qual deles seria o responsável por fazer a ligação. O estado dos três amigos era de absoluto choque no meio da rodovia. Desolados e arrasados, sem saber o que fazer. O barulho que parecia uma batida anunciava que algo estava errado. De repente, um clarão, tudo em questão de segundos. Veio a correria, a confirmação e o desespero. O mundo desabava em frente ao Ecoestádio Janguito Malucelli.
A poucos metros dali, minutos depois de assistirem Athletico x Roma, de Apucarana, junto com outros 3.470 torcedores, um deles não conseguiu chegar até o outro lado da pista. André Scaramussa Lopes tinha ficado para trás. Aos 21 anos, às 19h39 do dia 1º de fevereiro de 2012, o estudante teve a vida interrompida de forma trágica ao ser atropelado no km 94 da BR-277.
A missão ficou nas mãos de Alexandre. Restou para ele a amarga responsabilidade de avisar a família e contar sobre o acidente que acabara de vitimar fatalmente o amigo. Quando tentou ligar, notou que o celular estava sem créditos. No meio das pessoas que iam se aglomerando no local, apareceu um apoio inesperado: o comentarista Fernando Gomes ofereceu ajuda para emprestar o telefone.
Tentando manter a calma, Alexandre ligou para a mãe do amigo. Se identificou e lembrou que esteve em sua casa na véspera, jogando videogame com André. De forma pausada e segurando o choro, revelou que o garoto tinha acabado de sofrer um acidente. Do outro lado da linha estava Solange, completamente sem acreditar no que estava ouvindo.
Solange, mãe de André“Mas o meu filho está vivo?”
O acidente
Campeonato Paranaense, tarde de quarta-feira. André, Alexandre, Ricardo e Thiago deixaram o carro no estacionamento do Parque Barigui e cruzaram a BR até o Janguito, mesmo “ritual” de outros milhares de atleticanos em cada jogo no local. Juntos, viram o Furacão golear o Roma por 4 a 0. Depois que acabou, tiveram a ideia de esperar os jogadores na saída do estádio para tirar fotos – conseguiram registros com Manoel, Deivid Coquinho, Héracles e o capitão Paulo Baier (veja abaixo). Realizados, foram embora e partiram fazer o mesmo trajeto, agora para a volta, no mesmo trecho da rodovia. Não viram nenhum veículo e, sem pressa, decidiram atravessar.
“Lembro de ver um carro fazendo a curva, mas estava longe. Quando pisei do outro lado, ouvi a batida e um vendedor ambulante dizer, ‘bateram o carro’. Olhei para trás e não vi o André. O carro já estava lá na frente, muitos metros depois. Saí correndo para ver o que tinha acontecido. A nossa distância era de um metro. Poderia também ter sido eu junto”, relembra Alexandre Augusto de Almeida.
O impacto foi avassalador. O corpo de André foi arremessado a cerca de 100 metros após ser atropelado por um Ford Focus, dirigido por Fernando Adami, de 20 anos, na pista sentido Campo Largo-Curitiba e a 80,6 km/h, segundo laudo pericial – quase três vezes acima da velocidade permitida. Vestido com uma camisa preta do Athletico e bermuda, o estudante de Engenharia Química estava com muitos ferimentos e, quando os amigos se aproximaram, já não havia mais nenhum sinal de vida. A morte foi instantânea. No local, uma placa indicava a velocidade máxima de 30 km/h.
Os carros começaram a desviar enquanto os três amigos aguardavam a chegada do IML. Ao comunicar Solange sobre a morte do filho, Alexandre ainda tinha outra outra preocupação.
“Quando contei que ele tinha sido atropelado saindo do jogo, falei que nós não tínhamos feito nada de errado, que não bebemos, e nem saímos correndo. Disse que tínhamos sido responsáveis. Repetia que a gente não tinha culpa”, repetia.
Atônita, a mãe logo passou o telefone para Henrique, o filho mais novo. Em meio ao momento de profunda dor e consternação, Alexandre tratou logo de fazer um apelo. Pediu que ninguém da família se deslocasse para o local do acidente.
“Pela situação que o André ficou, não seria bom eles verem e lembrarem dele daquela forma. Para nós, ali, já tinha sido um baque muito grande, vê-lo com o rosto desfigurado, depois de o carro ter praticamente cortado todo ele. Pedi para eles não irem. E continuamos lá até que tudo fosse resolvido”.
Horas depois, o agora trio se dirigiu até a casa dos pais, no bairro Água Verde. O lar de Joel e Solange estava cheio. Parentes, amigos, vizinhos. Pessoas próximas, gente desconhecida. Em clima de total tristeza e solidariedade, todos vararam a madrugada lamentando a partida precoce de André. O Athletico decretou luto oficial de três dias pela morte do rubro-negro.
O jogador
No dia seguinte, a Primeira Igreja Batista de Curitiba estava lotada para o velório de André, que reuniu grupos da faculdade, do futebol, do Athletico, gente de todos os cantos.
“A ficha demorou a cair, eu estava anestesiado. Parecia que ele ia aparecer a qualquer momento, dizer que na verdade tudo era uma brincadeira, que a gente era muito burro. Era bem o tipo dele fazer isso. Ficamos lembrando com carinho das diversas histórias, do que vivemos com ele. Muitos contaram que ao saberem do acidente já imaginavam que eu estaria junto, porque éramos muito grudados. E realmente estávamos juntos mesmo”, recorda Alexandre, que havia conhecido o amigo na faculdade de Engenharia Química (UFPR), no segundo semestre de 2009.
Principal testemunha do acidente, Alexandre ajudou a carregar o caixão ao lado de Joel, pai de André, um tio, e de Marcinho, então meia do Athletico. O jogador, que também fazia parte da mesma igreja, fez questão de comparecer e representar o clube no velório, junto com Antonio Carlos Bettega, presidente na época.
“A gente ficou triste por ser um torcedor do nosso clube e pela maneira que foi, uma comoção muito grande. Acabamos tendo uma proximidade já que eu fazia parte da mesma comunidade. Foi um momento marcante compartilhar com os amigos e familiares, de estar junto na perda e na dor. Vi o carinho de todos, a atenção que o clube deu, o apoio da igreja, tudo isso fez eu ter consciência do cuidado que precisamos ter com o externo do campo”, conta o ex-jogador, hoje técnico do Ituano.
Dias depois, a família organizou um culto em memória de André e mais uma vez Marcinho se fez presente. O que ninguém sabia até hoje é que o ex-meia também passava por um drama pessoal. Na época, a esposa Gabriela tinha acabado de perder um filho durante a gestação, pouco antes do falecimento de André.
“Muitas vezes o torcedor não fica sabendo o que acontece. Mas eu também estava ali compartilhando com todos o que eu estava passando, um momento que acabou coincidindo. O torcedor cobra, exige e tem o seu direito, mas os atletas também têm as suas dificuldades, também são seres humanos, sentem dor e também temos as nossas perdas”, diz Marcinho, hoje pai de Raíssa (16) e Daniel (10).
No jogo seguinte do Athletico como mandante, contra o Toledo, uma semana após o acidente, os jogadores entraram no Janguito com uma faixa com os dizeres “André, você estará sempre em nossos corações”. Os amigos também providenciaram uma homenagem e penduraram uma faixa atrás de um dos gols: “André, com você o céu está mais rubro-negro. Saudades para sempre” (veja abaixo).
“Foi difícil quando percebi que eu nunca mais iria vê-lo, que nunca mais iríamos juntos aos jogos do Athletico. Toda vez a gente se dava conta que ele não estaria mais conosco”, diz Alexandre.
O amigo
Querido, brincalhão, animado e comunicativo. Do tipo sarrista, sempre com uma piada engatilhada na ponta da língua, mas nunca com ofensas ou na maldade. Assim era “Dedé” e “Gordo” visto pelos mais próximos, alguém de convivência e amizade fácil. Não precisava de muito para cativar quem estivesse ao redor, como relembra um de seus melhores amigos, Lucas Gilbert Rocha.
“Brincava com todo mundo, tinha um jeito extrovertido, gostava de tirar sarro, principalmente quando o assunto era Atletiba, mas sempre na zoeira e de forma respeitosa. Éramos da mesma igreja, nos conhecemos quando ele tinha 11, e eu nove. Convivemos por um longo período, acompanhei todas as fases dele, da infância até virar adulto”.
André adorava churrasco, se reunir com os amigos, curtia o futebol semanal nas quadras pelo Água Verde – era atacante. Durante cerca de seis meses, trabalhou como vendedor ao lado do amigo em uma startup de tecnologia.
“Ele estava se encontrando na vida, tinha entrado na faculdade, começando a ser estável. Chamei para trabalhar comigo, ele sem nenhuma experiência, mas tinha uma dedicação e foco muito grande. No segundo mês já tinha virado o meu melhor vendedor. Eu, que até então estava acostumado com o André brincalhão, agora via um homem na minha frente, fazendo as coisas sérias e responsável”.
Lucas estava em Belo Horizonte a trabalho quando foi avisado, no meio de uma conexão para Teresina, da morte do melhor amigo. Cancelou o voo no mesmo instante, viajou às pressas para Curitiba e chegou à capital de madrugada, direto para a casa dos pais de André.
“Passamos lá a noite toda, um cuidando um pouco do outro, e buscando entender o que tinha acontecido. Toda hora alguém conseguia uma informação, chegava um fato diferente, e fomos juntando as peças. Foi uma noite pesada, uma fatalidade que chocou muita gente, todos sem acreditar, ainda mais com alguém tão cheio de vida”, recorda Lucas.
Ficaram as ótimas memórias construídas ao longo de dez anos de amizade entre os dois. André seria padrinho de casamento de Lucas em junho daquele 2012. O acidente aconteceu quatro meses antes.
“Ele é um cara que deixou muitas boas lembranças para nós. Ele faz muita falta na minha vida. Quando reunimos o grupo de amigos daquela época, cada um sempre tem uma história com ele para contar. Não tem como esquecer do André. Certamente continuaríamos, sim, sendo ótimos amigos. Ele sempre fará parte das nossas vidas, as pessoas continuam vivas dentro da gente”.
Os pais
Filha de cabeleireira e pai agricultor, Solange Isabel Munareto Scaramussa nasceu em Santiago, no Rio Grande do Sul. Conheceu o marido Joel Leite Lopes Júnior no ensino médio e se casaram. Ela professora, ele fotógrafo. Aos 23, já em Gravataí, deu à luz no dia 11 de abril de 1990 o primeiro filho, André, nome em homenagem ao avô paterno. Três anos depois, a família se mudou para Curitiba, onde nasceu o segundo herdeiro, Henrique. O bairro escolhido foi o Água Verde, bem próximo à Baixada, onde moram até hoje.
Loiro e de cachinhos, André sabia de cor o nome dos dinossauros e era bom em reproduzir as histórias que a mãe contava dos livros. Fazia judô, com direito a medalhas em campeonatos, e gostava de andar de patins. Com boas notas, foi aluno da Escola Municipal São Luiz, depois passou por Colégio Militar, Colégio Estadual João Turin e Colégio Estadual do Paraná. Foi estagiário, trabalhou como menor aprendiz e ajudava os amigos fazendo bicos para ganhar um dinheirinho. Aos 19, em 2009, foi aprovado em Engenharia Química na UFPR – cursou dois anos e meio, e depois mudou para Engenharia de Produção, na mesma faculdade.
Naquele 1º de fevereiro de 2012, almoçaram juntos e depois André levou Solange, de moto, até a Secretaria de Educação, onde a mãe iria assumir um novo cargo. Pediu dinheiro para tomar um sorvete na Praça do Gaúcho, avisou que iria ao jogo do Athletico mais tarde e se despediu da mãe, que falou:
“Se cuida, você é especial”.
André ainda conversou de novo com a mãe, dessa vez por telefone – ela queria confirmar se ele havia feito matrícula no novo curso. Foi a última vez que Solange ouviu a voz do filho. Trabalhou até 17h30 e voltou para casa. A essa altura, André já estava com os amigos no Janguito Malucelli, rotina comum na vida do atleticano, sócio do clube, daqueles que não perdia nenhum jogo.
Estava no tanque, lavando roupas, quando o celular tocou em cima da mesa da cozinha – “Dedé” apareceu na tela. Atendeu, mas a ligação ficou muda e caiu. Ela ligou de volta e um rapaz atendeu. Só que pela voz não era André. Era o amigo, Alexandre.
Alexandre, amigo de André“O André foi atropelado”, avisou.
Sem pensar muito, Solange perguntou como o filho estava e para qual hospital tinha sido levado. Alexandre fez uma pausa, e teve que dizer a pior frase que uma mãe poderia ouvir.
“Tia, infelizmente não tenho essa notícia”.
Atordoada, Solange passou o celular para Henrique, o filho mais novo, enquanto corria até a sala para usar o telefone fixo e ligar para o esposo. Joel estava no Litoral ajudando na pintura de um apartamento recém-comprado pela mãe quando foi avisado que André tinha acabado de ser atropelado.
“Estão dizendo que ele morreu”, falou rápido a mãe, incrédula.
Em pânico, os pais recorreram a amigos próximos para pedir ajuda na checagem da notícia. Em um primeiro momento, Joel chegou a pensar que André tinha se acidentado de moto. A confirmação da morte saindo do estádio veio quase que instantaneamente. O pai, então, pegou a estrada para Curitiba com destino ao IML.
“Falaram que não dava pra ver o corpo inteiro dele, que estava muito machucado. Então, o rapaz descobriu um pouquinho e eu não reconheci na hora quando vi o rosto. Perguntei se ele tinha uma tatuagem nas costas, pedi para conferirem, e eles confirmaram. Confirmamos aquilo que já era fato”, relembra.
Joel chegou em casa, já cheia de gente, e foi até o quarto encontrar Solange, que estava deitada na cama. Sentou ao seu lado e disse apenas uma frase: “É o nosso Dedé”.
O velório de André foi realizado no dia seguinte, uma quinta-feira, 2 de fevereiro. No mesmo dia, Solange quis ir até o local do acidente, em frente ao Janguito. Foi na margem da rodovia que ela encontrou o par de tênis (rasgado) e um óculos de sol (amassado) que André usava.
Solange Scaramussa“Se tivesse mais coisas dele lá, eu trazia”.
Os pertences de André continuam guardados em um baú na sala da casa onde ele viveu dos 3 aos 21 anos, junto com camisetas, sapatos e alguns brinquedos. Lembranças do primogênito, que completaria 34 anos em abril.
O processo
Na área criminal houve a prescrição do processo, sem responsabilização penal. Com isso, a família Scaramussa Lopes começou a pensar o que poderia ser feito na área civil para responsabilizar Fernando Adami, condutor do veículo que atropelou o estudante, e fazer justiça.
“Tudo começou quando outra testemunha do acidente nos avisou que o Focus já estava encostado em uma oficina para provável conserto. Pensamos, poxa, mas não levaram nem para uma delegacia fazer alguma perícia, ver a questão da velocidade? Fomos até o local onde estava o carro e tiramos fotos, ainda tinha marcas de sangue. Foi uma indignação”, conta a mãe.
As imagens foram enviadas na mesma hora para André Peixoto, advogado que havia sido indicado por um parente da família e passou a cuidar do caso. Foi ele que entrou com a ação civil contra Adami, em nome dos pais e do irmão de André, enquanto o processo criminal já havia sido iniciado pelo Ministério Público. A jornada começou efetivamente três anos depois, em fevereiro de 2015, quando houve o julgamento em primeira instância. A sentença veio só em outubro de 2017.
O boletim de ocorrência do acidente confirma que no local do atropelamento, o km 94 da BR-277, havia duas placas indicando a velocidade máxima permitida de 30 km/h e que o veículo conduzido por Fernando Adami “transitava com velocidade incompatível com o local”, parando a 51 metros adiante do ponto de colisão e a 67 metros do corpo de André.
O documento concluiu que o Ford Focus estava a 80,6 km/h. Adami disse que fazia o trajeto rotineiro do trabalho para casa, na terceira pista da rodovia, e a 60 km/h, acreditando que era a máxima permitida naquele trecho. O condutor informou que não sabia que se tratava de um jogo de futebol no Janguito, disse que a sinalização das placas confundia sobre a real velocidade máxima no trecho e que André deveria ter atravessado “de forma rápida e não tranquilamente”, sem cautela e prudência, responsabilizando exclusivamente a vítima pelo ocorrido.
Além de Adami, os pais de André processaram a União (já que o atropelamento ocorreu em uma via federal) e a Rodonorte – Concessionária de Rodovias Integradas S/A (responsável pela manutenção e sinalização da rodovia). Contra o condutor, pediram indenização por danos morais e materiais pelo excesso de velocidade no acidente, imprudência e imperícia; acusaram a União de omissão pela ausência de policiamento e orientação de trânsito por parte da Polícia Rodoviária Federal (PRF), e a Rodonorte pela omissão e ausência de passarela ou qualquer outro meio de travessia.
Não havia passarela para pedestres no local. Segundo a Rodonorte, a passarela havia sido aprovada pelo DER em 2011, custeada através de uma parceria com a iniciativa privada, e estava no cronograma de obras. Na data do acidente, 1º de fevereiro de 2012, a construção estava parada, em fase inicial de edificação.
A passarela só ficou pronta em maio daquele ano. A Concessionária negou omissão e responsabilizou Adami e André pelo acidente. A família alegou que se houvesse policiamento e orientação no local, além da passarela, a morte de André poderia ter sido evitada.
O Athletico solicitou apoio e comunicou sobre a partida no Janguito por meio de ofícios à PRF e Rodonorte enviados dois dias antes da partida (30/01/2012). A FPF também encaminhou ofício prévio à Polícia Militar. A União negou omissão por parte da FPF, informando que deslocou uma equipe policial para o trecho da rodovia, dizendo ser inaceitável ser responsabilizada pelo ocorrido. A partir do jogo seguinte, Athletico e federação passaram a comunicar os órgãos competentes com pelo menos cinco dias de antecedência. A PRF também passou a reforçar o esquema de segurança.
O sonho de Solange e Joel era que a passarela fosse batizada de André Lopes. Na época, os pais apresentaram a ideia na Câmara Municipal de Curitiba, mas nenhum dos vereadores procurados abraçou a proposta. A estrutura acabou levando o nome de Marco Aurélio Malucelli, irmão de Joel, presidente do Coritiba entre 1996 e 1997, e um dos atuais investidores da SAF do clube. Marco era engenheiro civil, construtor de estradas, e faleceu aos 42 anos após um acidente de moto.
As ações movidas entre família, condutor, concessionária e União se estenderam na Justiça por muito tempo. Depois de muitas audiências e vários recursos das partes no Superior Tribunal de Justiça (STJ) e Supremo Tribunal Federal (STF), a decisão final veio em 2022, exatos dez anos após o acidente.
Condenados, Fernando Adami e Rodonorte entraram em acordo com a família e pagaram indenização ao pai, mãe e irmão de André em 2023. Ainda há uma ação pendente contra a União, também referente à indenização. Segundo o advogado da família, o processo aguarda parecer do Ministério Público Federal. O Janguito Malucelli foi desativado anos depois – o terreno foi negociado pelo Grupo JMalucelli com a construtora Avantti, que está construindo dois grandes empreendimentos no local.
Em contato com o UmDois Esportes, a advogada do condutor, Marcela Marcondes, confirmou o reconhecimento da responsabilidade solidária dos demais réus no processo.
“Ainda existiam recursos direcionados aos Tribunais Extraordinários pendentes de julgamento, porém, certos das peculiaridades do caso e da dor da família, as partes entenderam, mediante concessões recíprocas, encerrar o processo por acordo em 10/04/2023, dispensando-se, assim, o julgamento dos recursos pendentes”, disse a advogada do escritório Maran e Gehlen.
“Não tem justiça. Justo era se ele não tivesse sido atropelado. Foram dez anos de processo. A penal prescreveu e a civil teve a responsabilização, na qual dois terços já foi quitado, falta um terço (União). Foi satisfatório do ponto de vista processual”, resume André Peixoto, advogado da família.
Em meio à dor e saudade ao longo de 12 anos, os pais dividem o sentimento de vazio pela morte precoce do filho com a indiferença por parte do condutor, que na época do atropelamento tinha 20 anos, um a menos que André.
“Ele não precisava ter vindo aqui em casa falar comigo, ele poderia até mandar pelos advogados, falado olha, sinto muito, foi sem querer, eu não vi, mas nunca aconteceu nada disso”, diz a mãe.
Joel recorda que teve apenas um momento com Adami, após uma das audiências.
“Quando nós saímos, vi o Fernando sentado lá fora num canto, sozinho e chorando, logo depois do resultado da condenação. Eu tinha falado com o nosso advogado sobre não termos recebido nenhum pedido de desculpas, ninguém nunca veio falar conosco. Me aproximei dele, mas não trocamos nenhuma palavra, ele só chorava. Ficamos ali um tempo, eu coloquei a mão no ombro dele e disse que aquilo não era para ter acontecido, mas aconteceu. Nós perdemos o nosso filho. Mas ele não estava alcoolizado, estava vindo do trabalho, com um carro bom. Foi arrogância, imperícia e imprudência, com certeza ele poderia ter evitado, mas aconteceu. Não vai trazer o nosso filho de volta. Foi o único momento que eu estive perto desse rapaz e senti uma pena dele pelo acontecido. Depois, com o passar dos anos, a gente vai vendo como funciona a Justiça, que tudo se resume a se livrar do processo e diminuir indenizações. Eu vi que a morte do André não trouxe nenhuma mudança na vida desse rapaz, não o tornou melhor, e isso para nós teria valor, se tivesse alguma transformação na vida dele, pelas formas que ele recorreu no processo”, desabafa Joel.
André não viu o Athletico voltar à primeira divisão ao final daquele 2012. Não foi padrinho de casamento do melhor amigo. Também não viu o clube chegar à final e bater na trave na Copa do Brasil no ano seguinte. Não acompanhou a mãe ser voluntária na Copa de 2014 no seu estádio do coração. Não viu o irmão subir ao altar. Não viu o Furacão levantar seu primeiro título internacional em 2018 e repetir o feito em 2021. Não viu o Rubro-Negro ser campeão da Copa do Brasil em 2019. Não viu toda a fase de ascensão do clube a nível nacional e internacional.
“Eu sonho muito com o André, ele sempre está alegre. Eu acho que ele foi um anjo, que veio e foi embora. Logo depois que ele faleceu, sonhei que o André estava em cima de uma marquise, e eu e o Henrique do outro lado da rua. Eu olhava para o André, ele ria pra mim, e chegou num momento que ele apontou pro Henrique, para eu tirar o olhar dele e olhar para o irmão. Acho que foi como um recado, porque eu só pensava nele. Acho que deixei eles (Henrique e Joel) de lado”, diz Solange.
O filho da Solange e do Joel, o irmão do Henrique, o amigo de Alexandre, Lucas e dezenas de outros, o “Gordo”, o Dedé, o sócio do Athletico... André Scaramussa Lopes deixou lembranças, lacunas e histórias que jamais serão esquecidas.